Ao Ritmo da Chuva
Era sábado, e chovia tanto que, às vezes, a chuva vinha de lado, movida pela força dos ventos que mudavam de direção ao bel-prazer. A cor prateada da água, ao tocar o chão, produzia uma profusão de gotas impetuosas, desvairadas, enquanto pedestres se protegiam sob marquises e se encolhiam para se molhar menos.
Ao fundo, uma linda mulher olhava enigmaticamente para o nada. Talvez estivesse cansada do dia de trabalho, exausta pela luta cotidiana pela sobrevivência em meio a uma humanidade desatinada e a desvalorização de praticamente qualquer profissão, fruto da construção social de tempos de desesperança.
Mesmo que vago, seu olhar era tão intenso que desviava o de qualquer um que tentasse enxergar o horizonte. Um homem percebeu, de súbito, que o que ela via era tão mais profundo do que ele sequer ousava imaginar.
Numa tela imaginária, desenhavam-se os pensamentos de uma diva sob a chuva de verão, torrencial e plena.
Ao se aproximar, conversaram. Minutos, horas... duas horas, enfim. Falavam como se já se conhecessem, mesmo que nunca tivessem trocado uma palavra antes.
— É tão arrebatador o seu olhar — disse ele.
Ela apenas sorriu e respondeu que a circunstância a deixava assim. Estava presa à chuva, esperando apenas que a tempestade passasse para continuar seu trajeto.
Trocaram telefones sem pretensão de uma nova conversa, certos de que tudo havia sido um mero acaso.
Mas a curiosidade os levou a novos diálogos. Assuntos, conversas intensas, semanas e meses de cumplicidade. Sem perceber, começaram trocas mais quentes — chamegos, citações, imaginações e intensidades.
Logo, um queria o outro. Mas a distância, a rotina e a loucura dos tempos distintos se tornaram obstáculos colossais. Ainda assim, o desejo era imenso.
Escreviam um para o outro como se fossem sussurros transformados em ensurdecedores gritos vindos do abismo de suas almas. As palavras conduziam-nos a um encontro.
Cada troca era um afago, um toque imaginário na pele, perfumes possíveis que aguçavam os sentidos.
Na plenitude de suas almas, o enlace do desejo se materializava.
— Quero você — dizia ela. — Vou envolver você, deslizar por todo o seu corpo, beijar suavemente cada parte sua, conduzindo suas mãos pelo toque à minha pele.
— Vou beijar seus pés, suas pernas — respondia ele. — Lamber cada parte do seu corpo, acariciar suavemente suas partes mais íntimas. E quando você estiver tomada por uma vontade imensa, tomarei você por completo, guiando-nos no ritmo de uma dança. Entregues, seremos parte da vontade do desejo, largados à força dos nossos corpos e pensamentos.
Mas, de relance, com a chuva despertando-a do transe, a moça fitou os olhos daquele senhor e disse:
— Ei, por que está me observando desde o outro lado da rua?
Ele, surpreso, respondeu:
— Apenas a vi e não consegui desviar o olhar... me desculpe.
Será o início ou o fim de uma conversa? Cabe a nós apenas imaginar.