Os meses passaram como um sopro, e cada dia nos aproximava mais do casamento. A pequena Laís, que antes engatinhava pela casa com sua energia inesgotável, agora corria de um lado para o outro, explorando cada canto do apartamento como se fosse um mundo novo a ser conquistado. Seus primeiros passos foram um marco inesquecível para todos nós. Gustavo chegou a chorar ao vê-la andar pela primeira vez, e Filipe não se conteve e comprou uma infinidade de sapatinhos para a menina.
A vida profissional de Gustavo também estava em plena ascensão. O curso de culinária que ele iniciou com tanto entusiasmo se tornou uma paixão avassaladora. Ele começou a trabalhar no restaurante e, com o tempo, seu talento na cozinha chamou a atenção. Seu nome passou a ser conhecido no meio gastronômico, e ele era convidado para eventos, feiras e novos cursos. Eu nunca me cansava de ouvi-lo falar sobre suas descobertas, as técnicas que aprendia e os sabores que criava. Ele estava realizado, e eu não poderia estar mais orgulhoso.
Filipe continuava sendo nosso ponto de equilíbrio. Sempre presente, sempre disposto a ajudar. Ele nos incentivava em tudo, desde os preparativos do casamento até as pequenas decisões do dia a dia. O vínculo entre nós três se tornava mais forte a cada dia, e era como se tivéssemos nos tornado uma unidade indivisível. Mas, conforme Laís crescia, começamos a pensar sobre o futuro e sobre o espaço que ela teria para crescer e brincar.
Foi então que tomamos uma decisão importante: deixar o apartamento para trás e nos mudarmos para uma casa com quintal. Laís merecia um espaço maior, onde pudesse correr, brincar e descobrir o mundo ao ar livre.
Depois de muita busca, encontramos um lugar perfeito no Rio de Janeiro. Eram duas casas independentes, uma na frente e outra atrás, mas que compartilhavam o mesmo quintal. A ideia de manter a proximidade, sem perder a individualidade, nos conquistou de imediato. Ali, poderíamos continuar a viver como uma família unida, cada um com seu espaço, mas sempre perto o suficiente para cuidar um do outro.
A mudança exigiu planejamento, mas a empolgação superava qualquer obstáculo. Imaginávamos Laís brincando entre as duas casas, correndo de um lado para o outro, aproveitando cada pedacinho daquele novo lar. Era uma nova etapa, um novo começo, e mal podíamos esperar para vivê-lo.
Os meses foram passando, e a nova casa se tornou um verdadeiro lar para nós. A mudança tinha sido um passo enorme, mas necessário. A casa era espaçosa, com uma sala iluminada por grandes janelas de vidro que davam vista para um quintal verde, perfeito para Laís brincar. O piso de madeira rangia levemente sob nossos passos, dando aquela sensação aconchegante de casa antiga, cheia de história. O cheiro de café recém-passado sempre pairava pelo ar pela manhã, misturado ao perfume adocicado das flores que Gustavo insistia em cultivar no jardim da frente.
Eu e Gustavo ficamos com a casa da frente, enquanto Felipe escolheu a de trás. Assim, continuávamos juntos, mantendo aquela rotina de família. Laís já estava quase completando um ano, e cada dia era uma descoberta nova. Ela engatinhava pelo chão, se agarrava nas pernas da gente pra tentar ficar em pé e, vez ou outra, conseguia dar alguns passos antes de cair sentada e soltar um gritinho de animação. Era impossível não sorrir com ela por perto.
Nosso casamento estava se aproximando. Já tínhamos tudo planejado: a cerimônia seria ao ar livre, em um sítio lindo que encontramos perto da cidade. Queríamos algo simples, mas especial, cercado por amigos e pelas pessoas que realmente faziam parte da nossa história. A gente adiou um pouco a data por conta da Laís. Queríamos que ela estivesse grande o suficiente para entrar com as alianças. E agora esse dia estava chegando.
Eu deveria estar feliz, mas um peso no peito me acompanhava ultimamente. Por mais que tudo estivesse caminhando perfeitamente, uma parte de mim sentia falta de algo. Ou, melhor dizendo, de alguém. Minha família. Eu sabia que eles não viriam, sabia que nem sequer responderiam ao convite que eu enviei. E isso doía. Não porque eu ainda precisava deles, mas porque nunca tinham pedido desculpas ao Gustavo. Nunca reconheceram o mal que fizeram a ele. Era como se o nosso amor, a nossa felicidade, fosse algo a ser ignorado.
Mas eu não queria pensar nisso agora. Tinha que me concentrar no que realmente importava. Faltavam poucos dias para o casamento, e Gustavo estava mais animado do que nunca. Ele passava horas na cozinha, testando receitas para o jantar especial da nossa recepção. Felipe, por outro lado, parecia cada vez mais confortável na nossa dinâmica. Mesmo que ainda evitasse sair com outras pessoas, ele finalmente aceitou buscar ajuda. Marcou uma consulta com a doutora Mônica e, ainda que relutante no início, voltou mais leve depois do primeiro atendimento.
Então, em meio a esse turbilhão de emoções, algo aconteceu. Algo que eu não esperava. Era uma noite tranquila, eu e Gustavo estávamos na sala, Laís dormia no quarto ao lado, e Felipe tinha acabado de chegar do hospital. Tudo parecia normal. Até que meu celular vibrou sobre a mesa. Uma notificação de mensagem.
Eu estava distraído, mexendo em algumas coisas do casamento, e quase não olhei. Mas, quando bati os olhos na tela, meu coração parou.
Eduardo: "Léo, eu sei que talvez você não queira ouvir nada de mim, mas... Será que podemos conversar?"
Eu fiquei parado, encarando aquelas palavras como se fossem uma língua desconhecida. Fazia meses que Eduardo não tentava falar comigo de verdade. As poucas vezes que trocamos palavras depois de tudo foram secas, distantes, carregadas de ressentimento. Ele nunca pediu desculpas. Nunca admitiu o que fez, o que disse. E agora... agora ele queria conversar? Ele nem conhecia sua sobrinha.
Minhas mãos estavam suadas. Gustavo, sentado no sofá ao lado, percebeu minha mudança de expressão.
— O que foi? — ele perguntou, franzindo o cenho.
Demorei um tempo para responder.
— Eduardo... Ele mandou mensagem.
Gustavo ficou em silêncio. Só aquele nome já pesava entre nós. Ele nunca falava mal do meu irmão, depois que nós nos separamos e eu soube tudo que ele passou, ele apenas ignorou a existência da minha família, mas eu sabia que no fundo doía. Doía porque ele sabia de tudo. Sabia que Eduardo foi um dos primeiros a me fazer sentir errado, sujo, sozinho. Sabia que, se minha família nunca aceitou quem eu sou, Eduardo também nunca tentou mudar o ponto de vista deles.
— E o que ele quer? — Gustavo perguntou, com calma.
Eu olhei de novo para a tela.
— Quer conversar.
A resposta ficou no ar. Eu deveria? Por quê? O que Eduardo poderia me dizer agora que faria alguma diferença?
Respirei fundo. Minhas mãos ainda estavam tremendo quando comecei a digitar.
Eu: "Sobre o quê?"
A resposta veio rápida.
Eduardo: "Sobre o casamento. Sobre você. Sobre tudo."
Eu senti um peso no peito. O que isso queria dizer? Ele queria ir? Ele queria impedir? Ele queria... consertar alguma coisa?
Meus olhos arderam um pouco, e eu pisquei várias vezes, tentando afastar a sensação estranha. Parte de mim queria ignorar, seguir minha vida sem dar esse espaço para ele. Mas outra parte... aquela parte pequena, machucada, a parte que ainda sentia falta de ter um irmão... queria saber.
Eu: "Eduardo, se você quiser, já tem um convite. Você sabe a data do casamento. Apesar de tudo, você é bem-vindo."
Eu encarei a mensagem por um momento antes de apertar enviar. Não esperava uma resposta, nem queria uma. Era isso. Não havia mais o que dizer.
Então, sem hesitar, arquivei a conversa.
Soltei o ar que nem percebi que estava prendendo e larguei o celular na mesa de cabeceira. Meus ombros estavam pesados, como se todo aquele breve diálogo tivesse drenado minhas forças. A dor que eu sentia com Eduardo não era algo fácil de descrever—não era um corte aberto, mas uma cicatriz que, de tempos em tempos, ardia, lembrando que ainda estava ali.
Me levantei, desliguei a luz do quarto e fui para a cama. O colchão afundou levemente quando me deitei de lado, tentando encontrar uma posição confortável, mas minha cabeça estava longe do sono.
Foi quando senti o calor de Gustavo se aproximando.
Ele se encaixou atrás de mim, os braços deslizando ao redor da minha cintura. Sua mão quente encontrou a minha e entrelaçou nossos dedos, um gesto simples, mas que sempre me fazia sentir seguro.
— Você tá bem? — ele murmurou contra minha nuca, sua respiração quente me causando um arrepio.
Fechei os olhos por um instante.
— Tô... agora tô.
Ele não disse mais nada, só me apertou um pouco mais contra ele, seu peito firme contra minhas costas, a respiração lenta e ritmada. Aquele silêncio era confortável, e foi ali, nos braços dele, que finalmente consegui relaxar.
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Os dias passaram em um piscar de olhos.
A vida continuou, e antes que eu percebesse, o casamento estava batendo à porta.
No dia do casamento, eu sequer tive tempo de pensar em Eduardo ou em qualquer outra preocupação. O caos começou cedo—mensagens chegando a todo momento, ajustes de última hora, Felipe coordenando cada detalhe como um verdadeiro general de guerra. Ele tinha assumido a responsabilidade de organizar tudo, garantindo que eu e Gustavo pudéssemos ter um dia tranquilo antes da cerimônia.
Mas "tranquilo" foi a última coisa que aquele dia foi.
Fomos separados logo pela manhã, cada um indo para seu próprio dia de preparo. Meu traje já estava escolhido há semanas, mas, ainda assim, houve discussões sobre ajustes, sobre qual gravata combinava melhor, sobre cada pequeno detalhe.
Minha cabeça rodava. O coração batia mais rápido do que o normal.
Eu ia me casar.
E, entre uma prova de roupa e outra, entre um café da manhã corrido e mensagens ansiosas da equipe de decoração, essa ficha finalmente começou a cair.
Quando me dei conta, já estava de frente para o sítio.
O carro estacionou suavemente, e, por um momento, eu simplesmente fiquei ali, olhando pela janela.
O lugar estava lindo.
De longe, dava para ver os arranjos impecáveis, as cadeiras perfeitamente alinhadas, o altar decorado com flores brancas e um arco delicado de folhagens. O céu estava limpo, um azul perfeito contrastando com o verde vibrante do gramado bem cuidado.
Meus olhos percorreram os convidados que já estavam por ali. Vi Filipe correndo de um lado para o outro, gesticulando apressado enquanto organizava os últimos detalhes. Alguns colegas meus do trabalho conversavam próximos à entrada, rindo de alguma coisa. Colegas do Gustavo também estavam lá, junto de outros amigos que fizemos ao longo dos anos.
E então, avistei a família de Filipe. A família que o adotou.
Todos estavam sorrindo, animados, e aquilo aqueceu meu peito.
Lá, nossa menininha, corria de um lado para o outro com alguns coleguinhas que acabara de fazer—filhos de alguns convidados. Ela já estava andando com firmeza, os passinhos pequenos, mas decididos, enquanto gargalhava. Vê-la assim, tão feliz, tão livre, fez meus olhos encherem de lágrimas.
Respirei fundo e saí do carro.
Filipe me viu primeiro. Ele acenou de longe e veio apressado na minha direção.
— Chegou, finalmente! — Filipe disse, ajeitando a gola da camisa enquanto parava na minha frente, ofegante. — Tá preparado?
Dei um sorriso nervoso.
— Eu acho que sim.
— Bom, vem comigo. — Ele fez um gesto para que eu o seguisse. — Tenho uma surpresa pra você.
Fiquei confuso, mas não questionei. Apenas fui atrás dele, sentindo o estômago revirar de ansiedade. Caminhamos pelo gramado, desviando das cadeiras já ocupadas por alguns convidados. Eu observava tudo ao redor, tentando gravar cada detalhe.
Os músicos afinavam os instrumentos perto do altar. Algumas pessoas tiravam fotos. Laís, ainda brincando, parou por um instante e me viu. Ela deu um gritinho animado, mas, antes que pudesse correr até mim, uma das madrinhas a pegou no colo, rindo.
Filipe me levou até um ponto próximo à entrada do altar e pediu que eu esperasse.
— Não sai daí. Já volto.
E então, ele sumiu por alguns minutos.
Aproveitei o tempo para respirar fundo, tentando acalmar meu coração. O nervosismo aumentava a cada segundo. O dia chegou tão rápido... Era difícil acreditar que, em poucos minutos, eu estaria lá na frente, casando com o amor da minha vida.
Um turbilhão de pensamentos me atingiu. Lembrei de tudo o que passamos, dos medos, das incertezas, das lutas que enfrentamos juntos. Lembrei da nossa vida no apartamento, da nossa decisão de nos mudarmos para uma casa, de cada momento em que construímos nossa própria família.
E, inevitavelmente, pensei na minha família de sangue.
Eles não estavam ali. E eu sabia que não estariam.
Suspirei, fechando os olhos por um instante.
Foi quando ouvi passos se aproximando.
— Pronto — Filipe disse, voltando acompanhado.
Ao abrir os olhos, meu coração acelerou.
Gustavo estava ali.
Ele vestia um terno azul-escuro perfeitamente ajustado ao seu corpo, com um pequeno cravo branco preso à lapela. O cabelo estava impecavelmente penteado, e os olhos brilhavam de um jeito que fez meu peito apertar.
Filipe sorriu para nós dois.
— Antes de vocês entrarem, preciso falar uma coisa.
Ele se virou para mim primeiro.
— Léo, eu sei que família é um assunto delicado pra você. Sei que, por mais que tenha tentado seguir em frente, algumas feridas ainda doem. Mas eu também sei que, apesar de tudo, o Eduardo sempre te amou.
Minha respiração falhou.
— E é por isso — Filipe continuou — que eu queria pedir pra você deixar um pouco as brigas de lado e permitir que ele entre com você no altar.
Fiquei paralisado.
Minha garganta secou, e eu não soube o que responder.
Filipe percebeu minha hesitação, mas não insistiu. Apenas deu um pequeno sorriso e passou a olhar para Gustavo.
— Com você, a situação é mais difícil — ele disse. — Você não tem ninguém...
Gustavo desviou o olhar, apertando os lábios.
— Eu até pensei que poderia entrar com você, mas... tem uma pessoa que pediu isso há meses, quando soube que você ia se casar.
Gustavo franziu a testa.
Filipe deu um passo para o lado e apontou com o queixo para trás.
Quando olhamos, vimos Eduardo se aproximando, empurrando uma cadeira de rodas.
E ali, sentada na cadeira, estava a vózinha.
Meus olhos se arregalaram.
Gustavo ofegou.
Ela estava lá.
Ela ergueu o olhar para nós, os olhos cansados, mas cheios de ternura.
— Meus meninos... — ela disse, sorrindo com a voz fraca. — Eu não podia deixar de estar aqui.
O nó na minha garganta ficou insuportável.
Gustavo, ao meu lado, levou uma das mãos à boca, segurando as lágrimas.
— Vó... — ele murmurou, indo até ela e se ajoelhando ao seu lado.
Ela estendeu as mãos trêmulas, tocando o rosto dele com carinho.
— Você achou mesmo que eu ia perder um dia tão especial?
Gustavo riu entre as lágrimas, segurando as mãos dela com força.
Eu ainda estava imóvel, olhando tudo aquilo sem conseguir processar.
Então, a vozinha estendeu a mão para mim.
— Vem cá, meu filho.
Minhas pernas finalmente se moveram.
Ajoelhei-me ao lado do Gustavo, segurando a outra mão dela.
— Eu amo vocês dois — ela sussurrou. — E hoje, eu quero entrar com meu neto no altar.
Gustavo fechou os olhos e encostou a testa na dela, respirando fundo.
Filipe nos observava de perto, sorrindo satisfeito.
Eduardo ficou em silêncio o tempo todo, mas, quando olhei para ele, vi que seus olhos também estavam marejados.
E, naquele momento, eu soube que não precisava dizer nada.
Apenas apertei sua mão, e ele retribuiu o aperto.
Era o suficiente.
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A música Todo Azul do Mar, da banda 14 Bis, começava a embalar o ambiente com seus acordes suaves e tocantes, preenchendo o ar com uma melodia nostálgica. Eu estava ali, parado, observando tudo ao meu redor, tentando controlar a ansiedade que vinha e ia, como uma onda tranquila. O meu coração estava acelerado, mas ao mesmo tempo havia uma paz indescritível que me envolvia.
Eu olhei para o lado e vi o Gustavo. Ele estava ali, vestido de forma elegante, mas, ao invés de estar sozinho, ele estava empurrando a cadeira de rodas da vózinha, a mulher que sempre foi um pilar na vida dele. Ela, com seu sorriso amável e os olhos brilhando de orgulho, era o reflexo de tudo o que o Gustavo valorizava. Eles estavam prestes a entrar no altar juntos, como uma linda representação do amor familiar.
A nossa avó ,vestida com um vestido de renda delicado e cabelo cuidadosamente arrumado, se emocionava enquanto chegava em direção ao altar. Era uma imagem tão poderosa, uma mistura de força e ternura, que me fez ficar ainda mais emocionado. Os acordes da música tocavam com mais intensidade, como se estivessem acompanhando o batimento do meu coração, que agora parecia em uníssono com as notas.
Filipe estava à frente, ao lado do altar, com um terno impecável e uma expressão séria, mas com o brilho nos olhos que denunciava a felicidade que ele sentia naquele momento. Ele era o juiz de paz, a pessoa que iria oficializar nossa união. O mesmo Filipe que esteve ao nosso lado durante todo o processo, nos ajudando, organizando, estando presente em cada detalhe.
À medida que eles se aproximavam, o olhar de Gustavo para a avó era de um amor puro. Ele estava ali, ao lado de quem mais amava, pronto para dar o próximo passo na sua vida. Eu não conseguia deixar de pensar na nossa trajetória, nos momentos que vivemos juntos, em como tudo tinha se encaixado perfeitamente para nos trazer até ali.
Eu, por minha vez, estava ali, de pé, com o coração batendo forte. Lembrei-me de quando o conheci, do início do nosso relacionamento, o quão confuso tudo parecia, como nossas vidas se entrelaçaram de uma forma tão natural. E agora, ali, com Gustavo ao meu lado, eu sentia que finalmente estava no lugar onde sempre deveria estar.
Foi quando a música começou a se intensificar, e então eu percebi, com um misto de alegria e emoção, que o Gustavo também estava indo em minha direção. Ele se aproximava lentamente, com um sorriso tímido, mas cheio de significado. Ele estava tão lindo, tão radiante. Seus olhos encontraram os meus, e naquela troca silenciosa, eu senti que não precisávamos de palavras. Ele estava ali, pronto para fazer de mim a pessoa mais feliz do mundo.
E então, o momento chegou. Laís entrou pela porta, carregando as alianças. Ela já estava quase um ano de idade, dando seus primeiros passos com uma confiança incrível. A visão dela, com o vestido branco e os olhos curiosos, foi como uma explosão de alegria. Ela estava crescendo tão rápido, e eu mal conseguia acreditar que ela faria parte desse momento tão especial.
O altar estava ali, e agora, finalmente, a cerimônia começava. O Filipe se virou para nós e sorriu. Ele estava pronto para conduzir tudo, e nós, com os corações batendo forte, estávamos prontos para dar o último passo.
A banda continuava a tocar Todo Azul do Mar, e eu sabia que, apesar de todas as dificuldades, de todas as batalhas que lutamos, aquele momento era o começo de uma nova fase. Uma fase de amor, paz e compreensão.
Filipe, com um sorriso carinhoso e um olhar cheio de emoção, se aproximou do altar. Ele deu uma última olhada para todos ao redor, como se absorvesse o peso daquele momento. Quando os olhos dele finalmente se encontraram com os nossos, ele começou a falar, a voz firme, mas recheada de carinho.
–Hoje, estamos aqui para celebrar algo que é muito mais do que apenas um casamento. Estamos aqui para celebrar a força do amor, a união de duas almas que, apesar das dificuldades que enfrentaram, conseguiram se encontrar e construir uma vida juntos. O amor de Léo e Gustavo é um exemplo claro de que, quando há dedicação, compreensão e respeito, o amor pode florescer de uma maneira única e especial.
Filipe fez uma pausa, e as palavras seguintes ecoaram como uma melodia suave, enquanto ele olhava para os dois com um brilho nos olhos. –Eu sei que muitos de vocês conhecem a história deles, sabem das lutas que enfrentaram e das lágrimas que derramaram. Mas também sabem do compromisso que eles têm um com o outro, da forma como cuidam um do outro, como se apoiam, como se respeitam. E é esse amor que nos reúne aqui hoje.
Ele fez um gesto para a banda, que começou a tocar suavemente o início de Todo Azul do Mar. Filipe deixou que a música preenchesse o espaço, criando uma atmosfera ainda mais emotiva. Ele sorriu e continuou, sua voz agora mais suave.
–Como diz a letra dessa música, 'Vocês sabiam que era amor e vinha pra ficar'. Léo e Gustavo, todos que estão aqui hoje sabem que vocês passaram por muitos altos e baixos. Mas, agora, como a música sugere, vocês são uma visão mais serena, mais forte, mais apaixonada. O amor de vocês é profundo, como o mar, e é esse mar que está nos envolvendo neste momento, nos mostrando o que realmente importa: o que nos une, não importa as diferenças ou os desafios.
Filipe olhou para eles com um sorriso caloroso, dando espaço para os dois refletirem sobre as palavras que acabara de dizer.
–Agora, antes de dar a palavra a vocês dois para que possam compartilhar seus votos, tenho algo muito especial para mostrar. Algo que simboliza o quanto a união de vocês é mais do que um simples casamento, é uma verdadeira formação de família.
Ele se virou para a mesa ao lado e puxou um pedaço de papel, com cuidado. O silêncio no local era palpável enquanto ele mostrava a todos a certidão de nascimento de Laís.
–Hoje, esta certidão é diferente. Não é mais apenas a certidão de nascimento de uma criança com um pai. Agora, ela reflete a realidade de um amor profundo e incondicional, um amor que transcende barreiras. Na certidão de Laís, agora, ela tem três pais. Léo, Gustavo... e Filipe.
A emoção tomou conta do ambiente. As pessoas começaram a bater palmas, alguns chorando discretamente, outros visivelmente emocionados com a união de Léo, Gustavo e a pequena Laís, agora oficialmente uma família. Os olhos de Léo se encheram de lágrimas enquanto ele olhava para a certidão, sentindo o peso e a beleza daquele momento. Gustavo também estava visivelmente emocionado, apertando a mão de Léo como se tentasse segurar todo o amor e gratidão que ele sentia.
O aplauso foi alto, mas o silêncio logo se seguiu, cheio de reverência à cena que acabara de se desenrolar. O ambiente estava carregado de emoção, de alegria, de amor.
Filipe deu um sorriso para os dois, um sorriso de quem compartilha um momento único.
–Agora, Léo e Gustavo, vocês têm algo mais a dizer um ao outro, algo mais profundo que as palavras que já foram ditas. O altar está aqui, mas o amor de vocês já percorreu um caminho longo. O que vem agora, mais do que uma promessa, é a reafirmação desse amor. Está na hora dos votos.
Meu coração batia acelerado. Eu respirei fundo, olhei para o papel e comecei a ler, com a voz carregada de sentimento:
— Eu nunca imaginei que chegaria até aqui, com você, Gustavo. Tudo o que vivemos, todas as nossas lutas, nossas vitórias, nossas alegrias... Tudo valeu a pena para que chegássemos a este momento...
Mas antes que eu pudesse continuar, um som forte e irritante cortou o silêncio. O despertador tocou. O som parecia imenso naquele espaço, como se fosse a campainha do fim de algo importante. Olhei para o lado e vi o relógio digital piscando, anunciando o final de tudo: "Sessão terminada."
Eu fiquei parado por um instante, atônito, olhando para o relógio como se ele fosse um aviso de algo que eu não queria aceitar. Então, não pude deixar de rir.
— Parece que acabou a nossa sessão — falei, mais para mim mesmo do que para minha psicóloga, ainda tentando processar a situação.
Doutora Mônica olhou para mim, um sorriso suave no rosto.
— Agora, na hora dos votos, hein? Eu quero saber o final desse casamento, até porque eu estava viajando no dia e não consegui acompanhar.
Eu ri mais uma vez, dessa vez de maneira mais descontraída, e balancei a cabeça.
— É, doutora, hoje quem tem hora sou eu — disse, me levantando lentamente da cadeira. — Acho que o final da história vai ficar para a nossa próxima sessão.
Comecei a andar em direção à porta, sentindo que aquela história que estava começando a se desenrolar tinha se encerrado, pelo menos por aquele momento. Mas, antes que eu pudesse sair, ela me chamou.
— Léo — disse, com um tom mais sério, mas também carinhoso. — Acho que a gente não precisa de uma próxima sessão. Porque hoje já era sua sessão de alta. Você está liberado. Você não precisa mais vir.
Eu parei e olhei para ela, um pouco surpreso.
— Mas a senhora vai ficar sem saber o final dessa história?
Ela sorriu mais uma vez, aquele sorriso calmo, que parecia já saber de tudo.
— Eu sei que vocês se amam e que vocês estão juntos até hoje. Então eu não preciso saber o final dessa história. Porque, às vezes, o melhor final pode ser na nossa imaginação.
Fiquei em silêncio por um momento, sentindo que as palavras dela tinham um peso imenso. Ela estava certa, o final não precisava ser contado para ser vivido. Eu já estava vivendo. Olhei para ela e, finalmente, sorri.
— Talvez tenha razão, doutora — eu disse. — O melhor final pode ser mesmo o que a gente imagina.
Com isso, eu dei um último olhar para o consultório e, antes de sair pela porta, senti que, de alguma maneira, tudo já estava resolvido. E ali, no limiar daquela sala, a minha história realmente tinha acabado.