Entre todos aqueles homens, ele era o que me olhava com mais desejo. E mais cegueira.
Carlinhos, meu marido.
Até hoje não acredito que bastaram uma peruca e uma máscara para ele não me reconhecer.
Na semana passada, foi a primeira vez que o vi ali. Nossos olhos se encontraram no final da apresentação.
Resolvi brincar.
Tirei minha calcinha e entreguei a ele.
Eu não sabia o que sentir. Raiva? Nojo? Ou simplesmente deixar a coisa fluir?
Escolhi a última.
Mas naquela noite, eu queria mais.
Queria ver até onde ele ia.
Queria vê-lo se contorcer. Queria fazê-lo se ajoelhar. Me pedir. Implorar.
Queria deixá-lo de pau duro e, só então, puxar a máscara e dizer:
Sou eu, seu idiota. Sua esposa!
Desci do palco sentindo cada olhar percorrer minha pele como lâminas afiadas, mas eu me movia com um único objetivo: chegar até ele.
Só que antes que pudesse alcançá-lo, um braço firme me puxou pela cintura.
Dedos espalmados tomaram minhas costas. Possessivos.
O salão inteiro pareceu prender a respiração.
Esperavam um escândalo. Um tapa. Um grito.
Mas eu apenas o encarei.
Ele sorriu de canto. Cínico. Provocador.
O mesmo sorriso que me lembrava exatamente por que eu o puxei para dentro de casa e deixei que me tomasse sem reservas.
O burburinho no salão sumiu. O único som que existia era a respiração dele roçando minha pele enquanto se inclinava para mim.
— Olá, investigador.
Minha mão percorreu seu rosto. A malícia escorria da minha voz, carregada de lembrança.
— Caralho, você…
Ele sussurrou como quem percebe que caiu numa armadilha.
Ri. E foi nesse instante que ele me puxou para um beijo que selava tudo.
A plateia se alvoroçou, mas, para mim, o mundo havia silenciado.
Foi nesse momento que minha mente se perdeu no tempo.
Voltei ao instante em que uma enfermeira comum começou a sumir, dando espaço à mulher que renascia sob máscaras e luzes vermelhas, em uma das casas de strip mais enigmáticas da cidade de São Paulo.
***
O som abafado do hospital parecia um zumbido distante. Era o fim de mais um turno. Doze horas entre a noite e a manhã.
Minhas costas doíam, meus pés latejavam dentro dos sapatos brancos que pareciam pesar o dobro do normal. No vestiário, joguei água fria no rosto e me encarei no espelho. Os olhos fundos denunciavam o peso das horas seguidas de plantão.
Eu estava cansada. Mas as contas não se pagavam sozinhas.
Michele Vasquez, médica do mesmo hospital onde eu trabalhava e grande amiga, me recomendou aulas de pole dance para extravasar.
Não achei que fosse pra mim. Mas experimentei. Amei. Ainda bem que ouvi seu conselho.
Na verdade, o palco sempre foi meu. Aquilo só despertou o que estava adormecido.
A dança e o teatro sempre fizeram parte de mim. Até que me casei.
Já tinha sentido a vertigem dos holofotes e o calor dos aplausos quando interpretei Calipso, a ninfa, no Teatro Sérgio Cardoso, numa peça inspirada na Odisseia de Ulisses. O tom era erótico, desafiador.
Eu adorei aquele trabalho.
Talvez por isso eu tenha me encontrado tão facilmente no palco do Rouge.
E ali, durante as aulas de pole dance, eu não era apenas uma enfermeira exausta.
Eu era outra.
Eu era força. Controle. Desejo.
Meus músculos ardiam à medida que me segurava no pole, girando lentamente antes de estender a perna e inverter a posição do corpo. Cada movimento exigia mais. E quanto mais exigia, mais viva eu me sentia.
Carlinhos nunca soube das aulas.
Não que eu precisasse esconder, mas simplesmente... não conversávamos. Sobre nós. Sobre nada.
***
Numa manhã, depois do plantão, Michele e eu fomos para um café.
Nos sentamos numa cafeteria discreta na Rua São Bento. O som das xícaras roçando os pires e o burburinho abafado das conversas criavam um fundo distante.
Mexi a colher na xícara sem pressa, observando o líquido escuro girar. O café quente descia pela garganta, mas o cansaço continuava grudado nos ossos.
Suspirei.
— Ai, amiga... sabe quando parece que nada faz sentido?
Encostei as costas no assento, deixando o corpo afundar.
— Todo dia é a mesma coisa: lavar as cuecas freadas do Carlinhos, limpar a casa, trabalhar feito uma condenada. Fora que... nem lembro a última vez que eu dei uma.
Michele soprou o vapor do próprio café antes de tomar outro gole.
— E as aulas de pole dance? Têm ajudado?
— Sim. Ali me sinto viva. É libertador.
Ela arqueou a sobrancelha, um sorriso carregado de malícia se formando devagar.
— E por que não leva isso a sério?
Franzi a testa.
— Como assim?
Ela se inclinou ligeiramente sobre a mesa, a voz carregada de insinuação.
— Conheço o dono do Cabaret Rouge. Ele está sempre procurando dançarinas. E olha... paga muito bem.
Ri, balançando a cabeça.
— Ah, claro. Eu, uma stripper. Você só pode estar brincando.
— E por que não? — Ela apoiou o queixo na mão, me estudando. — Você tem o corpo, tem a técnica. Se a sua preocupação for ser reconhecida, dá pra usar algum disfarce. Uma máscara. Um nome qualquer.
Minha risada morreu aos poucos.
Aquela ideia não deveria fazer sentido. Mas fazia.
Ela percebeu minha hesitação e sorriu, como se já soubesse que tinha plantado a semente.
— Você já dança. Só falta um palco.
Fiquei em silêncio por um instante. A xícara ainda quente entre minhas mãos.
E então a pergunta escapou antes que eu pudesse conter:
— Como você sabe de tudo isso?
Michele sorriu de canto, brincando com a alça da xícara antes de responder:
— Digamos que o dono do Rouge é mais do que um simples amigo.
Houve uma pausa.
Meus olhos encontraram os dela. O sorriso dela não recuou.
— Entendi — respondi, sorrindo de volta.
O mundo seguiu seu ritmo.
Dentro de mim, algo começava a se mover.
***
Uma peruca de cabelos vermelhos como sangue, sob o neon, ocultou meus fios pretos. Eu torcia para que o disfarce fosse suficiente para esconder minha identidade.
Ali, no palco do Cabaret Rouge, sem nome, sem passado, apenas pele, música e o calor dos olhares, eu renasci.
A batida da música guiava meus movimentos. Os olhos me devoravam como chamas invisíveis. Cada giro no pole, cada deslizar de mãos pelo meu corpo me afastava da Ísis exausta, da enfermeira sem brilho.
Ali, eu não era esposa. Nem funcionária.
Era desejo. Um corpo sem história. Uma presença feita de luz e sombra.
Quando a performance terminou, minha pele ainda vibrava. Era como se o encanto da cena não quisesse me deixar.
A plateia era pequena. Sete homens, talvez. Mas o olhar deles sobre mim era suficiente. A resposta dos corpos diante do meu movimento me transformava.
Naquela noite, deixei o carro numa rua discreta, nos fundos do Rouge.
O plano era simples: sair à espreita, de máscara e com um sobretudo por cima do uniforme do hospital. Um escudo contra olhares indesejados. Uma barreira entre a mulher do palco e a que voltava pra casa.
Mas então veio o golpe.
O carro não estava lá.
O impacto foi um soco no estômago. Primeiro a negação. Um piscar demorado. Um olhar ao redor. A esperança absurda de estar errada.
Depois, o vazio gelado da frustração.
O feitiço do palco ainda queimava em mim. Mas agora eu estava ali. No ponto de ônibus. Sozinha. No frio da madrugada. Sem chão.
Por um instante, quis rir. Ou gritar. Mas acabei voltando no famoso corujão.
O balanço do ônibus misturava a adrenalina da dança com a revolta do furto. A máscara na bolsa parecia pesar toneladas.
Quando entrei em casa, o cheiro de café e o perfume do meu marido me golpearam antes mesmo que eu o visse.
Ele estava no quarto, de frente para o espelho, ajustando a gravata.
— Roubaram o carro.
Minha frase saiu seca e cortante.
Ele franziu a testa e virou pra mim, o nó da gravata ainda inacabado.
— Como assim? Onde? Que horas? Você chamou a polícia?
Que merda.
Fomos para a delegacia.
***
Um policial mal-humorado nos mandou esperar. Sentamos diante de uma mesa atolada de papéis. O ar era pesado. Uma mistura de papel velho, desinfetante barato e cigarro frio.
Meu marido balançava a perna, inquieto.
— Droga. O IPVA tá atrasado.
Olhei para ele. Em nenhum momento perguntou como eu estava.
Antes que o desprezo me consumisse por completo, uma voz deliciosa interrompeu meus pensamentos.
— Bom dia. Você deve ser a Isis Macedo, certo?
Minha boca secou.
Puta que pariu.
Cabelos lisos presos. Rosto marcado por traços firmes. Os braços eram fortes sob a camisa de mangas dobradas, e a barba por fazer lhe dava um charme perigoso.
— Sim, sou eu mesma.
Ele sorriu de leve, mas aquele olhar... era de quem vê por dentro.
— Muito prazer. Sou o investigador Dante Ferraro.
Antes que eu dissesse qualquer coisa, meu marido se apressou em responder, como se quisesse resolver aquilo logo.
— Roubaram nosso carro.
Dante lançou um olhar firme para ele, avaliando-o por um instante antes de se sentar. Então voltou-se para mim.
— Você está bem?
Minha garganta ficou seca.
— Ah, estou apenas frustrada. Quando saí do trabalho… — parei por um momento. — O carro já não estava lá. Havia deixado ali na rua do hospital, perto do posto de gasolina.
Dante assentiu, pegando o bloco de anotações.
— E olha que a rua é bem movimentada. Esses bandidos estão cada vez mais abusados.
Engoli seco.
Durante o depoimento, ele rabiscava alguns apontamentos, mas seus olhos vagavam por minhas pernas, por minha boca.
Descruzei as pernas lentamente, deixando o vestido leve correr por minha pele, como quem não percebe que está sendo observada, mas sente.
Mas meu marido percebeu.
Sua expressão endureceu.
Mas Dante não desviou.
Eu deveria ter me sentido mal.
Mas tudo que senti foi o desejo latejando sob a pele.
Naquele dia, decidi que minha vida iria mudar.
Assim que me despedi do Carlinhos na frente da delegacia, caminhei até um orelhão.
Meus dedos apertaram os botões frios, e a ficha caiu com um estalo seco.
Quando a voz atendeu do outro lado da linha, minha decisão já estava tomada.
E então, com a respiração presa, soltei as palavras que mudariam tudo.
— Eu quero dançar no Rouge.
***
Na semana seguinte, eu já subi no palco como Luna Lee. E, se Carlinhos fosse ao menos um pouquinho mais atento, saberia que esse era o mesmo nome de uma gatinha que tive na infância. O fatídico dia em que ela fugiu de casa é, até hoje, a história que mais contei na vida.
No Rouge, Bartolli me tratava com muita atenção. E, cá entre nós, não era pra menos. Em duas semanas, viu o movimento da casa duplicar. A entrada, que antes custava quinze reais, subiu para oitenta e cinco. E meu nome logo começou a circular pela noite paulistana. Luna Lee se tornou um mistério desejado por muitos.
Eu era a única garota da casa que não fazia programas. Nunca julguei quem ganhava a vida assim, mas não me sentia bem vendendo o meu corpo por sexo.
Mas sabe aquele momento em que você sente que a chave virou?
Quando percebe que está exatamente onde queria estar?
Pois é.
Comecei a faltar no trabalho.
Numa noite, dancei para um ex-governador de São Paulo. Ganhei um bom dinheiro.
Em outra, acabei trepando com o âncora do telejornal mais famoso do país.
Foi a primeira vez.
Embora, naquele caso, transar com ele fosse mais sobre realizar uma fantasia antiga do que vender meu corpo.
E tudo andava dando muito certo.
A única coisa que faltava era me livrar de Carlinhos e tomar o rumo da minha vida. Livre das amarras do casamento.
E parecia que o destino estava a concordar comigo.
Certa tarde, enquanto esfregava umas roupas no tanque do quintal, a campainha tocou.
Um som insistente. Fiz uma careta. Limpei as mãos na barra do vestido.
Ninguém nunca aparecia sem avisar.
Fui até o corredor.
E lá estava nosso carro, estacionado na frente de casa.
E, ao lado dele, Dante. Tragando um cigarro. Olhando-me dos pés à cabeça.
Eu estava descalça. Vestia um vestido velho. Solto. Curtinho.
Seus olhos deslizaram sobre minha pele como se já soubessem o que fazer.
— Olha o que eu achei.
Coloquei a mão na boca. Sorri. Não acreditava.
Abri o portão e o puxei pra dentro.
A garagem era apertada, abafada pelo calor da tarde, mas tudo que senti foi o cheiro dele.
A nicotina no hálito. O couro envelhecido da jaqueta roçando minha pele.
Ele me tomou pela cintura e me beijou com volúpia.
Que homem.
Suas mãos subiram pelo meu corpo, deslizaram por baixo do vestido, apertaram minhas coxas, sentiram minha pele nua.
Sem pressa. Sem pudor.
Eu o queria ali mesmo.
Naquela parede áspera. Sentindo o peso dele me pressionando. Sua boca me calando.
Mas recuperei o fôlego. Engoli o desejo.
Puxei ele pra dentro de casa.
No instante seguinte, já estávamos no quarto.
Dante me jogou na cama. Seu corpo pesava sobre o meu.
Suas mãos eram vorazes. Sua boca quente sugava minha pele.
Me contorci debaixo dele.
Sentia sua ereção roçar entre minhas pernas ainda cobertas pelo vestido.
Ele subiu a peça de uma vez. Me expôs inteira.
Soltei um suspiro.
Meu corpo arqueou quando seus dedos deslizaram por minha intimidade molhada.
— Porra, Ísis… — murmurou contra minha boca, como se tivesse acabado de encontrar algo que não queria mais largar.
Arrancou a camisa. Abriu a calça.
Sem aviso, se encaixou entre minhas pernas e me penetrou de uma vez.
Arrancou um gemido profundo da minha garganta.
Minha cabeça tombou pra trás.
O prazer me rasgando por dentro.
Dante segurava minhas coxas com força. A pegada firme. Brutal.
Estocava sem piedade, como se quisesse me marcar de dentro pra fora.
Minhas unhas cravaram suas costas. Meu corpo arqueava.
Querendo mais. Tomando mais.
Cada investida me fazia perder a noção do tempo, do espaço, do certo e do errado.
Seus lábios desceram pelo meu pescoço. Morderam de leve. Arfavam contra minha pele.
O ritmo aumentava. O suor se misturava. O cheiro de sexo tomava o ambiente.
Eu não queria que ele parasse.
E ele não parou.
Cavalgando sobre seu corpo, foi como eu gozei. Tremi sobre ele.
O corpo tomado por ondas de prazer que me fizeram soltar um gemido longo, abafado.
Me desfiz sobre ele, e Dante veio logo depois.
Enterrou o rosto na curva do meu pescoço enquanto seu corpo estremecia contra o meu.
Ficamos ali por alguns minutos.
Sem palavras.
Sem pressa.
***
Já estava me apresentando havia dois meses no Rouge. E dividir-me entre Ísis e Luna Lee exigia demais. Foi por isso que, ao final de mais um plantão exaustivo, pedi demissão do hospital.
Dançar me devolveu a mim mesma. Sentia que, enfim, havia retomado as rédeas da minha vida.
E foi então que o destino me presenteou com uma ironia cruel.
Quem se tornou um dos meus espectadores mais apaixonados?
Pereira. O melhor amigo do meu marido.
E duas semanas depois, quem também estava lá?
Carlinhos.
Quando o vi naquela noite, realmente eu não sabia o que sentir.
Mas brinquei com ele. Tirei minha calcinha e entreguei, analisando sua feição.
Ele estava totalmente cego. Como ele não pôde ter reconhecido sua esposa ali, diante dele?
E é aqui que voltamos ao ponto inicial deste relato.
Naquela noite.
Era a segunda vez que via Carlinhos ali.
O palco, a dança, meu marido, Dante… e o beijo.
Levei o detetive para o meu camarim.
Me ajoelhei no sofá, erguida, apoiando as mãos no encosto.
Ele veio por trás, puxando minha cintura com firmeza.
Abaixou a calça e me penetrou de uma vez, com força, como se precisasse se perder em mim.
Minhas unhas cravaram o estofado. Os gemidos escapavam abafados.
Cada estocada ecoava no pequeno cômodo, entre o ranger do sofá e o som abafado do jazz do salão.
Gozei assim, inclinada, com o rosto pressionado contra o tecido áspero, mordendo o lábio para não gritar.
Mas Dante não estava ali em busca de prazer.
E embora o sexo tenha sido magnífico, ele estava estranho.
Distante.
Estava em busca de um amigo desaparecido que, segundo ele, frequentava o Rouge.
Reconheci a foto. Ajudei no que pude.
Mas, pela feição dele, talvez não o quanto ele gostaria.
***
Me apresentava sempre às quartas. Os outros dias eram preenchidos com performances exclusivas, em salas discretas, longe do palco principal.
Era engraçado sair todo dia vestida de enfermeira… e acabar a noite nua.
Às vezes, transando com um desgraçado qualquer.
Naquela mesma noite em que estive com Dante, Bartolli me chamou na sala dele. Sentado numa cadeira de veludo vinho, luxuosa, foi direto ao ponto.
— Quero te ver dançando nas terças. Você topa?
— Claro. Seria muito bom.
— Ótimo. Em duas semanas, você começa.
Na primeira terça-feira, lá estava ele.
Carlinhos.
Sentado ao fundo do salão, na penumbra.
Não estava sozinho.
Pereira, seu melhor amigo, bebia ao lado dele.
O destino tem um senso de humor cruel.
A música começou.
Me movi como se nada mais existisse, como se as luzes vermelhas do Rouge fossem minha única realidade.
Minha pele brilhava sob os refletores. O suor se misturava ao perfume barato da casa.
Deslizei pelo pole como se conduzisse um feitiço silencioso.
O olhar do meu marido queimava em mim.
Desta vez, não haveria calcinha para entregar.
Depois da apresentação, caminhei pelo salão.
Vestindo apenas um roupão de seda, passava entre as mesas com um sorriso leve nos lábios.
Deixava um beijo cair no cantinho da boca aqui, um elogio sussurrado ali.
Toques sutis. Uma mão no braço, outra escorregando pela cintura, como se não visse maldade.
Mas, no fundo, eu sabia exatamente o que eles queriam.
Brincava com olhares, deixava um rastro de perfume e promessa por onde passava.
Era como acender velas em um quarto escuro.
Cada gesto meu iluminava um desejo escondido.
Mas continuei andando.
Até eles.
Parei diante de Carlinhos e Pereira.
Silêncio.
Soltei o laço do roupão.
O tecido escorregou pelo meu corpo, me deixando completamente exposta.
Meu marido não desviou os olhos.
Sem hesitar, sentei no colo de Pereira.
De frente pra ele.
Suas mãos vieram instintivamente para a minha cintura, enquanto um sorriso sujo se formava no canto dos lábios.
O cheiro de uísque e cigarro se misturava ao cheiro do meu próprio corpo.
O olhar de Carlinhos estava cravado em mim.
Fixado. Ferido. Fascinado.
Pereira deslizou as mãos pelas minhas costas, descendo até a curva da minha bunda.
Abriu a calça sem cerimônia.
Senti seu pau rígido roçando minha intimidade.
Inclinei-me ao seu ouvido:
— Seiscentos.
O mistério, o corpo à meia-luz, os sorrisos sussurrados no escuro.
Mas naquela noite, eu não queria dançar.
Queria destruir.
Então, sem desviar os olhos de mim, ele virou-se para o lado:
— Meu camarada… seiscentos mangos, por favor. Nunca te pedi nada.
Meu marido tirou a carteira.
Colocou as notas no sofá.
Sem dizer uma palavra.
Deslizei a camisinha que Pereira me entregou por seu pau lentamente, como quem saboreia a provocação.
Eu sabia que Carlinhos estava olhando.
Sabia que não desviaria.
Então, montei em Pereira.
Cavalguei devagar.
Cada movimento, uma lâmina enterrada no orgulho do homem que ainda assinava meu sobrenome.
O safado do Pereira me segurava pelos quadris, arfando, deslizando as mãos pela minha pele nua.
Eu me movia no ritmo que escolhia.
No tempo que eu ditava.
Mas eu não estava ali por prazer.
Estava apenas para ver o olhar do meu marido morrer um pouco mais a cada investida.
E morreu.
Pior que não é que o cafajeste do Pereira me fez gozar.
Bem devagar, me levantei.
Peguei o meu roupão.
Vesti o roupão e fui embora como se fosse só mais uma noite, deixando o silêncio falar por mim.
***
Nos dias que se seguiram, dividi minhas refeições com Carlinhos como se nada tivesse acontecido.
Dormi na mesma cama. O mesmo lençol, o mesmo travesseiro, o mesmo corpo virado de costas.
Mas eu já não era a mesma.
Por dentro, tudo havia mudado.
Então tomei uma decisão.
Numa tarde, me despedi de Michele e Bartolli, lá na sala dele no Rouge. Foi engraçado... peguei os dois no flagra, transando sobre a mesa.
Entreguei a chave do meu camarim.
Bartolli apenas assentiu com a cabeça e disse:
— Quando quiser nos presentear com mais uma dança, o palco é todo seu.
Eu não queria me despedir de Carlinhos.
Não estava com paciência para despedidas fingidas, muito menos para desculpas que não mudariam nada.
Liguei para Dante.
Na terça-feira seguinte, no que seria, na cabeça de Carlinhos, mais uma noite de apresentação da Luna Lee, eu saí de casa como se ainda estivesse indo para o hospital.
Vestida como uma enfermeira comum.
Subi a rua até o Opala preto parado a duas quadras.
— Obrigada por vir, Dante — disse, entrando no carro.
— Está tudo bem?
— Vai ficar. Agora só falta isso pra resolver.
Vimos Carlinhos sair.
— Você devia ficar com o carro. Deu trabalho achar ele.
Troquei um olhar com Dante. Sorri com um sarcasmo leve, quase divertido.
Esperei o portão fechar. Quando ele sumiu na esquina, entramos na casa.
Peguei uma mala do armário e uma segunda debaixo da cama.
Roupas, documentos, algumas lembranças.
Uma vida inteira coube em duas malas.
Enquanto me livrava das roupas de enfermeira no banheiro, ouvi a voz de Dante:
— Mas atriz? Tem certeza?
— Tenho. Sabia que já fui a ninfa Calipso numa peça sobre a Odisseia?
Apareci no batente da porta, descalça, de jeans justo e uma blusinha de alcinha.
Vi o olhar de Dante se perder no meu corpo.
— Gostosa desse jeito, só podia ser Calipso mesmo.
Me aproximei.
— Seu cachorro... Fiz ela porque sou uma ótima atriz. Não porque sou gostosa.
Ele riu com aquele jeito maroto, debochado, e levou a mão ao meu rosto.
— Eu acredito.
Nos beijamos.
Eu tirei sua camisa, e ele me despiu com calma.
— Sabia que, se eu soubesse que ia acabar pelada, nem tinha me trocado.
Ele riu, abaixando a cueca e exibindo aquele membro majestoso.
Segurei. Como ele tinha um peso delicioso.
Dessa vez, fui eu quem o jogou na cama.
Subi sobre ele e cavalguei com firmeza, com vontade, com pressa de sentir tudo mais uma vez.
Gozei arfando, sentindo a respiração dele presa entre meus seios.
Antes de sair daquele quarto, escrevi um bilhete.
Coloquei dentro da minha caixinha de maquiagens, junto com a peruca vermelha de Luna Lee.
E então partimos.
A casa ficou cheia de silêncio e fantasmas.
Mas eu?
Eu estava livre.
Livre, viva e pronta para recomeçar.
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Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, locais ou eventos reais é mera coincidência. Este conto foi escrito por Vicente Braga. Todos os direitos são reservados. O plágio é crime e desrespeita o trabalho do autor. Se deseja compartilhar, sempre credite corretamente.