Capítulo 7: Um conto de duas cidades — Parte I

Um conto erótico de Novatinho
Categoria: Gay
Contém 7609 palavras
Data: 04/03/2025 00:46:13

PARTE 1/2

ONDE O CAOS COMEÇA

Caos.

Essa era a vida de Léo.

Enquanto isso, na capital, três amigos enfrentavam suas próprias revoluções internas.

Axel e Hiroshi estavam ocupados demais com suas próprias crises.

Davi, alheio a tudo, seguia a vida achando que estava tudo bem.

Mas Léo?

Léo estava afundando.

E ninguém parecia notar.

Ele já tinha sido um adolescente ansioso para ser adulto.

Agora, era um recém-adulto querendo voltar a ser criança.

Queria esquecer no que havia se tornado.

Léo e o trio da capital.

Seus caminhos corriam em direções opostas.

Mas a urgência era a mesma.

O destino já havia traçado o encontro inevitável.

E, quando isso acontecesse, o caos e a revolução se transformariam.

Inevitável.

BARGANHA

Ao voltar da capital, Léo conseguiu terminar os estudos.

Mas com a situação em casa desmoronando, não teve escolha: precisava ajudar.

O pai aposentado. A mãe exausta, fazendo bicos de faxina. Ainda assim, o dinheiro nunca bastava.

Aos 18, não teve escapatória.Pegou um emprego como motoboy. A correria era intensa. O perigo, constante. Mas o dinheiro entrava na casa. E a liberdade da moto...

Aquela velocidade...

Por um instante, dava a ilusão de controle.

Ilusão.

A vida tava mais desgovernada do que nunca. E o vazio continuava lá. A lembrança martelava. Aquele momento específico com Axel, sob efeito do álcool.

Léo nunca tinha cogitado ficar com homens. Mas, desde aquela noite... Aquilo nunca mais saiu da cabeça. Era um veneno lento, contaminando cada pensamento. O distanciamento de Axel virou culpa. Saber que o primo, criado no conforto, nunca entenderia o que ele sentia, só piorava tudo.

A solidão se tornou insuportável. E ele precisava achar um lugar para pertencer. Foi numa noite qualquer. No meio das entregas. O ronco da moto se misturava ao som das rodas no asfalto. Aos gritos de incentivo. Às risadas.

Não era só um grupo de skatistas e patinadores. Era um espaço onde ninguém parecia sozinho.

Aquela praça... Axel já tinha passado por ali, anos antes. Corria lá.

Léo pisava num lugar que Axel já tinha marcado. E isso mexeu com ele. Despertou uma vontade que ele nem sabia que existia.

Dias depois, ele voltou.

Observou.

Estudou.

O interesse virou curiosidade.

A curiosidade, vontade.

A vontade, necessidade.

Sem pensar muito, comprou um skate. Os primeiros dias foram frustrantes.

Quedas.

Desequilíbrio.

Escoriações.

Mas ele não desistiu. O skate virou parte da rotina. Um escape da realidade sufocante. Até que, numa noite qualquer, algo mudou.

***

Léo girava o skate sob os pés.

O grupo comentava sobre a reforma da praça.

Pelo tom de deboche, ninguém levava muita fé no projeto.

— A prefeitura só cagou a pista da última vez. Jogo de tinta e banco novo, pronto. — alguém resmungou.

Outro balançava uma prancheta.

— Estão levantando um abaixo-assinado pra impedir que destruam o espaço.

Léo nem conhecia aquela galera direito. Mas já sentia que aquele canto fazia sentido. Ele ainda se considerava novato. Mas perder aquele lugar parecia um desperdício.

— Se botarem banco novo, pelo menos nóis vai ter onde sentar sem parecer mendigo, né? — alguém soltou.

Risos gerais.

Léo cruzou os braços, sorrindo de canto. O ambiente era estranho de familiar. Então, alguém ergueu os olhos pra ele. O cabelo caía desleixado sobre os ombros. Sobrancelhas grossas. Olhar preguiçoso, mas atento. Postura largada, como se nada fosse urgente. Mas o jeito que analisava Léo era diferente.

— Já te vi por aqui antes.

A voz veio sem pressa.

Léo sustentou o olhar.

— Tô colando faz pouco tempo... Mas pelo visto, cheguei na hora certa, né?

O outro sorriu leve. Desencostou do corrimão.

— Caio.

Léo bateu na mão dele.

— Léo.

Caio: O abismo disfarçado de redenção. Ele abriria o caminho do pó para Léo. Ou, pelo menos, foi nisso que Léo acreditou por muito tempo.

Mas Léo ainda não sabia.

Aquela noite marcaria o início de algo novo.

Pra melhor...

Ou pra pior.

FRAGMENTAÇÃO

A amizade entre Léo e Caio cresceu rápido. Quase sem esforço. O tempo que passavam juntos era fácil. Mas, junto com a cumplicidade, vieram também os primeiros sinais. Os gestos. As palavras ditas. E, principalmente, as que Caio deixava no ar. No silêncio.

Léo via. Mas enterrava. Manter a amizade e afastar qualquer pensamento sobre Axel era prioridade. Então, Caio se afastou. Sem explicação.

Léo não entendeu. Até descobrir, por acaso, que Caio estava se envolvendo com programas. E viu nisso uma chance. Se aproximar de Caio de novo. Resolver seus próprios problemas financeiros.

Mas a vida não oferecia saídas fáceis. A prostituição não funcionou.

Mas a cocaína veio. E, com ela, as brincadeiras sexuais com Caio.

Momentos que davam a Léo uma falsa sensação de pertencimento. Algo que ele nunca sentiu na capital.

O sexo com Caio não foi sobre desejo.

Foi uma saída.

A cocaína virou sua fuga. O pó sufocava os pensamentos sobre Axel. A ausência do primo, depois do que aconteceu...

Era algo que a droga fazia esquecer. E, de algum jeito...

Se envolver com Caio era como se aproximar de Axel.

Como se, ao se vender, estivesse seguindo os passos de Hiroshi.

Como se, ao demonstrar paciência e empatia com Caio, estivesse se tornando um reflexo de Davi.

Léo não percebeu quando começou a enxergar nele a ponte que o ligava aos três.

Mas a mente não se fragmenta sem consequências.

E aquela ilusão...

Foi o que começou a destruí-lo mais rápido do que ele imaginava.

Especialmente quando se viu dentro do que ele e Caio conheceriam como... Grupo dos Tekados.

SÍNDROME DE ÍCARO

Com o tempo, as gravações de Léo com Caio ficaram mais frequentes. Mas, por mais que ganhasse... O dinheiro nunca parecia suficiente.

O que ele não sabia era que Caio estava nos bastidores, garantindo que ele recebesse mais do que imaginava. Caio desviava parte do dinheiro dos programas para inflar os cachês de Léo. Tudo acertado com o líder do esquema (Luis).

Léo nunca desconfiou. O dinheiro continuava chegando. E Léo achava que só estava sendo bem pago. Mas, quanto mais ganhava... Mais Caio se afastava.

Léo sentia.

Sentia o silêncio.

Sentia o afastamento crescer.

Antes, era risada fácil, cumplicidade sem esforço.

Agora, Caio era um muro.

Intransponível.

Ele queria estar perto.

Mas Caio se mantinha longe.

***

Foi numa festa no sítio do organizador do esquema que Léo se viu preso ao fim da noite.

O silêncio pesava. O vazio que surgia quando tudo se dispersava. Cada um seguia seu rumo. Mas ele... Ficava.

Caminhou pelo sítio.

Cada passo era um borrão. A droga pesava nos músculos.

Mas a cabeça flutuava. Quando parou diante do quarto, já sabia o que encontraria.

Caio estava lá dentro. Como sempre. Afundado entre pó, fumaça e garrafas vazias. Léo entrou sem pensar.

Na mesa ao lado, carreiras espalhadas.

Pegou o canudo metálico e buscou o escape.

Precisava sentir tudo ao mesmo tempo...

Até não sentir mais nada.

Se sentou na beira da cama.

Observou Caio de relance.

O peito exposto.

A respiração lenta.

O olhar perdido.

Caio parecia intocável.

Alguém que não precisava de ninguém.

Mas Léo...

Léo precisava. Queria estar ali. Queria que Caio o enxergasse. Queria que, por um instante... Ele fosse suficiente.

E, no fim...

Caio não o afastou. Léo se aproximou. Atravessou a linha que nunca quis cruzar.

Não por curiosidade.

Não por desejo.

Mas porque não queria voltar para a solidão. E quando deu por si...

O pó empurrou a solidão para longe.

E puxou Léo direto para o lado que dizia que nunca ia cruzar.

E o sexo veio.

Dessa vez, ele ficou por baixo.

O QUE ESTÁ FEITO, ESTÁ FEITO

O sexo trouxe a Léo o mesmo conforto passageiro que a droga.

Por instantes, tudo parecia certo.

Mas quando a lombra passou...

O vazio voltou.

E voltou mais fundo.

O dia seguinte chegou carregado de paranoia e autodesprezo.

Ele não se sentia mais hétero.

Ou talvez...

Nunca tivesse sido.

Sua masculinidade parecia quebrada.

Queria culpar a droga.

Queria culpar Caio.

Queria culpar qualquer coisa, menos a si mesmo.

Mas nada bateu tão forte quanto ver a câmera no quarto.

Ali começou a espiral mais intensa de autodestruição.

Léo desmoronava rápido demais.

Caio percebeu.

E precisava segurá-lo.

Mantê-lo por perto.

Mas, ao mesmo tempo...

Sabia que Léo nunca foi verdadeiramente seu.

Nunca seria.

A cocaína tinha sido a ponte entre os dois.

E Caio entendia que, sem ela...

Nada daquilo existiria.

Ainda assim...

Havia empatia.

Havia compaixão.

Foi aí que Caio tentou, aos poucos, convencer Léo de que o pó não era o caminho.

Mas também sabia que precisava mantê-lo por perto.

Queria evitar que ele caísse ainda mais fundo.

Mas recusava qualquer gesto de carinho.

Qualquer aproximação seria mais dolorosa.

Criar, dentro dele, um desejo de afastamento tanto da droga quanto de si mesmo...

Era impossível.

Então, reprimiu seus sentimentos.

Fez de tudo para que Léo o odiasse.

Para que criasse distância.

Mas...

Nunca o deixou ir longe demais.

Caio carregava um fardo maior do que podia suportar.

E sabia que, no fim...

Isso o destruiria também.

EXÔDO

O vazio entre as noites, envenenado de pó, trouxe uma ideia... Que só fazia sentido sob o efeito da droga.

Numa dessas madrugadas... A mente girava entre paranoia e coragem artificial. O coração acelerado pelo pó. As mãos inquietas.

Talvez precisasse voltar para a capital.

Talvez lá tudo fizesse sentido de novo.

Talvez Axel o acolhesse.

Se olhou no espelho. Totalmente nu. A mente turva.

O sangue calibrado pelo pó. E então veio a lembrança.

A tatuagem.

Hiroshi.

A carta.

Diferente de Axel, Léo leu apenas a que era para ele. A ideia brotou... Com a naturalidade perigosa de uma obsessão. A dose estava na medida certa para uma ligação. Pegou o celular. Discou para Hiroshi. A conversa fluiu fácil.

Léo e Hiroshi tinham uma intimidade que não combinava com o jeito fechado do tatuador. No meio do papo, soltou a novidade:

Queria ir para a capital. Queria fazer uma tatuagem permanente.

Hiroshi se empolgou. Mas então...

Do nada...

Veio a quebra de expectativa.

— Cara, vou precisar de um lugar aí.

E é melhor o Axel não saber que tô indo, fechou?

Silêncio.

Hiroshi ficou mudo por um segundo.

A cabeça queimando. Mas não discutiu. Só respirou fundo.

E aceitou o segredo.

— Relaxa. Tem um lugar pra tu ficar.

Léo desligou. A empolgação bateu. Mas veio junto com as perguntas.

"Será que Hiroshi desconfiou?"

"Será que ele sacou alguma coisa na minha voz?"

Hiroshi não sabia.

E agora...

Léo voltaria para a capital diferente.

E encontraria um Hiroshi modificado pelo tempo também.

Mas nenhum dos dois...

Sabia o que isso realmente significaria.

***

PARTE 2/2

CURA OU VENENO?

O ônibus chacoalhou antes de parar.

Léo respirou fundo.

O corpo latejava, os dedos trêmulos, o suor frio escorrendo pela nuca.

Ele sabia o que era aquilo.

Abstinência.

Puxou o celular do bolso e desbloqueou a tela trincada.

Hiroshi (14:32): Tô aqui na frente, me avisa quando descer.

Léo demorou alguns minutos para responder.

Léo (14:46): Cheguei.

Ajeitou a mochila no ombro, engolindo em seco. Precisava segurar a onda. Precisava disfarçar.

Desceu as escadas sentindo as pernas bambas. O corpo gritava por alívio, mas ele forçou um sorriso antes de erguer o olhar.

Hiroshi já estava ali.

Léo se aproximou e puxou um abraço. Sentiu Hiroshi enrijecer no primeiro segundo, mas não recuou. Diferente de Axel e Davi, Léo era quem conseguia esse tipo de aproximação. Desde aquela vez no motel, quando Hiroshi desenhou a tatuagem temporária nele, as barreiras tinham mudado.

Mas Hiroshi nunca tomava a iniciativa. Nem mesmo com Léo.

Depois de um breve suspiro, Hiroshi bateu de leve nas costas dele. Um gesto curto, mas sincero.

— Caralho, mano, olha só você! — Léo riu, soltando o abraço.

Hiroshi assentiu, um meio sorriso discreto no canto da boca. Ajustou os óculos.

— Esse bigodinho fininho aí, hein...

— Sei que tu curte, nem disfarça.

Ele revirou os olhos, rindo baixo, e destravou o carro.

Léo jogou a mochila no banco de trás e entrou. Hiroshi não era do tipo que enchia os ouvidos dos outros com perguntas, e Léo agradeceu por isso.

O carro arrancou sem pressa.

O caminho foi preenchido por conversa.

Hiroshi falou sobre Axel, dizendo que ele andava tentando melhorar o jeito de falar, se polindo um pouco mais. Léo só ouvia, respondia com monossílabos, a mente pulsando num único pensamento: aguentar.

Depois, Hiroshi comentou sobre Davi ainda estar com Ulisses. Entre risadas, contou como o cara conheceu Ulisses e, sem querer, o pegou no flagra antes de engatarem o romance. Léo sorriu antes de comentar.

— Quem sabe um dia eu arrumo um rolê igual ao Davi… com uma punheta atrás da porta.

A conversa seguiu leve, mas a mente de Léo girava, tentando se fixar em algo concreto.

Hiroshi quebrou o silêncio depois de alguns minutos.

— Quer comer alguma coisa?

Léo riu.

— Quero é beber.

— No apê tem cerveja.

— Então bora logo.

***

O apartamento era pequeno, mas longe de ser desconfortável. Um vão único, sem divisórias, bem aproveitado.

Logo na entrada, a cozinha americana ocupava a lateral esquerda, compacta e bem organizada. Nada de louça acumulada, nem bagunça aparente. Do outro lado, à direita, uma porta discreta levava ao banheiro.

De frente, na parte principal do ambiente, o espaço era dividido entre o sofá, a cama e a poltrona bem acolchoada no canto. A TV ficava na parede, sobre uma mesinha de apoio, onde um hack estilo cômoda segurava algumas tralhas.

O chão era limpo, quase sem marcas de uso. Um tapete escuro preenchia parte do espaço, absorvendo os poucos passos que ecoavam no ambiente. A iluminação fria deixava o clima mais neutro, sem aquela pegada aconchegante demais.

Mas o que mais chamava atenção eram os detalhes pequenos que entregavam quem era Hiroshi de verdade.

Algumas action figures e pôsteres discretos na parede quebravam o minimalismo do lugar, trazendo um pouco da cultura pop misturada ao seu mundo particular. Não era um apartamento cheio de personalidade, mas também não era um espaço qualquer.

No fim, era o tipo de lugar onde alguém como Hiroshi se sentiria à vontade.

Léo entrou sem cerimônia, jogou a mochila num canto e observou o ambiente. O lugar tinha um ar de refúgio para ele.

Foi até a geladeira e pegou duas cervejas. Jogou uma para Hiroshi.

— Cê mora aqui agora? — perguntou, puxando a lingueta da lata.

— Não né, Léo? No cabaré. Aqui é mais pra quando quero ficar de boa.

Léo franziu a testa e riu.

— "Ficar de boa"?

Hiroshi tomou um gole antes de responder, jogando o corpo contra o balcão.

— Quando quero... tocar uma… ter paz.

Léo quase cuspiu a cerveja.

— Vai tomar no cu, mano! Tu aluga um apê só pra socar uma punheta?!

Hiroshi só deu de ombros e sentou-se no sofá.

— Aquele lugar não tem sossego, cara. Tenho um quarto só meu, mas tipo... é estranho, saca? Alguém pode me atrapalhar.

Léo riu ao sentar, batendo a mão na coxa, comentou sobre finalizar a tatuagem que eles desenvolveram na ultima visita de Léo. Hiroshi ria achando que era brincadeira de Léo, mas prometeu fazer.

O clima entre os dois já não era tão tenso. Hiroshi tinha mudado. A rotina no cabaré quebrou algumas barreiras, mas ele ainda era o cara que evitava abraços e afeto demais.

Hiroshi ajustou a bandana e terminou a cerveja. Pegou as chaves do carro e se levantou.

— Tenho que resolver umas paradas no cabaré. Mas à noite passo aqui pra gente fechar isso.

— Fechou.

A porta se fechou.

O silêncio caiu sobre o apartamento.

Léo ficou ali, parado.

Os dedos formigavam.

A mochila estava a poucos passos.

Ele tentou ignorar.

Tentou sentar, relaxar, beber o resto da cerveja.

Não adiantou.

O peito apertou, os músculos travaram.

O corpo inteiro pedia.

Sem pensar duas vezes, abriu a mochila e enfiou a mão no compartimento interno.

O toque do plástico contra a pele fez sua respiração acelerar.

Puxou o saquinho com pressa, rasgando com os dentes.

O ritual era automático.

Nem precisava pensar.

Jogou o pó em um prato, alinhou a carreira com um movimento rápido dos dedos.

Baixou a cabeça, encostou o canudo no pó e aspirou forte.

A dormência bateu rápido.

O alívio veio.

Temporário. Mas veio.

RITUAL DE PASSAGEM

A noite já tinha caído quando Hiroshi girou a maçaneta e entrou no apartamento.

O cheiro de cerveja misturado com cigarro bateu de cara. Ele franziu o cenho, mas não comentou nada. Só empurrou a porta até o final.

Léo estava de pé, andando de um lado pro outro no espaço apertado, a latinha de cerveja girando nos dedos.

A camisa fina colava no peito suado, os olhos um pouco mais arregalados que o normal. Quando viu Hiroshi, parou na hora.

— Aê, demorou, porra! — Abriu um sorriso torto. — Já tava achando que tinha esquecido de mim.

Hiroshi largou a mochila perto do balcão e soltou um "hm", ajeitando os óculos.

Olhou rápido o ambiente. As latas de cerveja vazias tinham se multiplicado, e o cinzeiro estava entupido. Tudo indicava uma ressaca pesada. Mas Léo...

Nada de moleza nos olhos. Nada de embriaguez no tom de voz.

Hiroshi franziu a testa. Pelo que lembrava, Léo nunca foi tão resistente à bebida assim.

Mas deixou passar.

— Peguei uns dias de folga. Vou ficar por aqui contigo.

Léo riu pelo nariz, deu um gole longo na cerveja.

— Tá dizendo como se eu fosse problemático, menor.

Hiroshi ergueu a sobrancelha de leve, mas nem respondeu.

Abriu a mochila, pegou um estojo pequeno e largou no balcão.

Se jogou no sofá enquanto Léo ocupava a poltrona, se esticando todo, inquieto.

— Trouxe o material da tattoo.

Léo coçou o queixo, meio que enrolando na resposta.

— Deixa essa porra pra depois, Japa. Cê vai ficar por aqui mesmo, não precisa dessa pressa.

Hiroshi só deu um "hm" de novo, sem contrariar.

O papo começou com trivialidades. Trabalho. O skate.

Hiroshi achou engraçado. Nunca imaginou Léo nessa. Mas havia algo ali.

O jeito que ele falava. O tom carregado de algo não dito.

Ele se levantou e pegou uma cerveja na geladeira.

— Bora beber então.

Léo girou a própria latinha nos dedos, como se fosse uma moeda.

— Já começou falando minha língua.

Os dois beberam entre risadas, brincadeiras, por algumas horas.

O calor pesava no ambiente, mas a conversa fluía leve.

Nada forçado. Nada demais.

Só dois amigos largados, bebendo sem pressa. Aos poucos, sem perceber, descobrindo uma nova percepção sobre a amizade deles.

Algo estável, mas aberto a mudanças.

Mas isso...

Nem eles sabiam que estavam descobrindo.

***

Entre muitas idas ao banheiro, em uma delas, Léo pegou o celular antes de sumir lá dentro, fechando a porta rápido demais. Hiroshi não deu muita atenção.

Mas então ouviu. O ruído seco da aspiração.

O corpo enrijeceu na hora. Conhecia aquele som. Conhecia bem.

Ficou ali, imóvel, os olhos fixos na porta fechada.

Segundos depois, a maçaneta girou. Léo saiu limpando as mãos na camisa, casual demais para ser natural. Não precisou de muito para confirmar. O vestígio branco logo abaixo do nariz dizia tudo.

Já tinha visto esse olhar antes. Não só em Léo. Em vários caras que se perdiam na brisa. Mas não queria pensar nisso. Hiroshi apenas pegou uma lata de cerveja e tomou um gole.

Léo sentou-se, batendo os dedos na lata, inquieto.

Esperava que Hiroshi não tivesse percebido. Talvez um comentário estragasse o momento de liberdade que sentia.

Mas Hiroshi só soltou um "hm". Sem pretensão, sem encarar. Um som jogado no ar.

Só que, pra Léo, aquilo foi o suficiente.

A mente já ruidosa demais pra arriscar que aquele "hm" virasse algo mais.

Precisava desviar a conversa.

— Bora aproveitar logo pra tu me tatuar, Japa.

Hiroshi ergueu os olhos, tomando mais um gole.

— Cê tem certeza que quer fazer essa merda agora, mano?

— Agora? Agora é a hora certa, fi.

Hiroshi suspirou e balançou a cabeça.

— Beleza. Vai ser onde?

Léo deu um passo pra trás, segurou a barra da bermuda e puxou pra baixo, deixando a peça cair no chão.

Ficou só de cueca boxer, apontando pro baixo ventre com um sorrisinho malandro.

— Aí, ó. Bem aqui.

Hiroshi olhou de canto de olho. Veio a lembrança.

Léo tava falando sério mais cedo.

Deu uma risada curta.

Léo percebeu.

— Que foi, porra?

— E essa tatuagem… tu tá querendo fazer pra jogar ideia pra quem mesmo?

Léo revirou os olhos, rindo junto.

— Pura zoeira, mano. Não me fala que tu pensou que era pro Axel?

Hiroshi tomou mais um gole.

— Sei lá… da última vez era pra isso, né? Nada me surpreende mais.

Léo balançou a cabeça, fingindo desdém.

— Já te falei. Essa porra é só pela resenha.

O silêncio se instalou por alguns segundos antes de Hiroshi soltar um riso sutil.

Léo franziu o cenho.

— O que tá pegando, doido?

Hiroshi pegou mais uma cerveja e abriu com calma, antes de finalmente responder:

— Só tava lembrando… foi essa arte que me colocou no corre.

Léo arqueou a sobrancelha.

— Que corre?

Hiroshi girou a latinha na mão e deu um gole.

— A arte que eu fiz pra tu… foi com ela que consegui algumas coisas lá no cabaré.

Léo riu, se jogando na cama e virando de lado pra olhar Hiroshi.

— Então, bora, porra. Quero ver se tu ainda tem mão firme.

Hiroshi balançou a cabeça, mas já puxava um pufe pro lado da cama.

Sentou, abriu o estojo e começou a preparar o material.

Colocou as luvas devagar, os olhos fixos na pele de Léo.

O barulho da maquininha preencheu o silêncio do quarto.

E, sem perceberem, a linha entre brincadeira e realidade começou a se desfazer.

O SOM, A TINTA E A CARNE

Léo parecia cada vez mais inquieto.

Apesar de estar praticamente nu, tendo apenas a camisa regata fina cobrindo o membro, o calor do cômodo era potencializado pela necessidade do pó.

Um sorriso torto veio.

— Menor… essa parada tá ardendo...

Hiroshi riu pelo nariz.

— Ué, tu queria o quê? Segura mais um pouco aí que tá perto.

O zumbido do ventilador no teto cruzava cada vez mais com o som da máquina. O excesso de luz no ambiente fazia seus olhos piscarem.

Hiroshi estava totalmente focado nos traços, enquanto as latas vazias de cerveja se acumulavam no chão, perto do sofá.

Léo trincou os dentes, tamborilou os dedos no colchão. A inquietação veio forte.

O zunido da máquina parecia amplificar tudo. O calor. O suor na pele. A pulsação acelerada.

Por um instante, pensou em justificar, mas demoraria mais tempo até ele conseguir se aliviar.

Então, veio o pensamento de desistir de esconder.

A ideia virou decisão num segundo.

— Foda-se.

Ele afastou a mão de Hiroshi, pedindo uma pausa.

Se sentou, passando as mãos pelo colchão, procurando o calção.

Os olhos varreram o quarto rápido, o corpo inquieto.

— Cadê essa porra...?

Se inclinou pra um lado, pro outro, remexendo os lençóis, mas nada do calção. No movimento, a camisa que cobria o membro escorregou um pouco, mas ele nem percebeu.

Até que largou de mão.

O fôlego saiu pesado pelas narinas quando ele olhou pro chão e viu a bermuda embolada perto do balcão.

Se esticou, puxando o pano e enfiou a mão no bolso sem pressa.

O toque no pacote de plástico fez o peito inflar num respiro profundo.

Ficou ali por um segundo. Só sentindo o peso do bagulho nos dedos. O coração martelava na caixa torácica.

A fissura veio num estalo.

Sem cerimônia, ele levantou da cama e foi direto pra bancada da cozinha.

A camisa deslizou ainda mais, mas ele nem ligou.

Pegou um prato limpo da pia e voltou pro quarto sem pressa, jogando o bagulho em cima.

Hiroshi acompanhava cada movimento, acreditando sem acreditar.

Ele já sabia.

Mas não conseguia processar a falta de cerimônia de Léo.

Léo rasgou o pacotinho com os dentes e despejou o pó na porcelana branca.

A luz fria do apartamento realçou os cristais, brilhando feito um tesouro recém-descoberto.

O cartão já tava na mão antes mesmo do pensamento processar.

Com movimentos rápidos e precisos, deslizou as bordas, alinhando tudo num risco perfeito.

O corpo dele parecia responder sozinho.

Abaixou a cabeça e puxou forte.

O baque veio rasgando a espinha, acendendo cada célula do corpo.

O peito inflou num suspiro longo. As pupilas dilataram de uma vez. Ele fungou fundo, limpou o nariz no dorso da mão e voltou pra cama do mesmo jeito que saiu.

O silêncio pesou.

Por uns instantes, Léo esqueceu de se cobrir de novo.

Mas Hiroshi não transparecia julgamento.

Apenas focado na arte. Em um breve olhar, Léo percebeu um calor inchando o volume de baixo.

Pegou a camisa numa velocidade suspeita e a cobriu.

O tecido caiu sobre as coxas, cobrindo o essencial, mas não escondendo o suficiente.

A pele quente marcava cada detalhe. O pau pulsava discretamente sob a fina camada de pano.

Léo percebeu.

Hiroshi não olhou. Continuou o traço.

— Caralho… esse bagulho me deixa todo errado.

A risada saiu nasalada, mas o desconforto era real. Mas não era só sobre o efeito da cocaína. O comentário veio mais como um teste. Uma tentativa de extrair alguma reação de Hiroshi, de ver até onde ele o enxergava de verdade.

Dessa vez, a situação era diferente. Na última vez em que os dois estiveram assim, Hiroshi tremia. Léo brincava com a situação, instigando o amigo a olhar, mas sabendo que nada aconteceria.

Agora… Hiroshi não parecia mais nervoso. Não tremia.

Não desviava o olhar. E Léo não estava tentando provocar.

Aquilo não era mais um jogo.

Era sobre como Hiroshi o veria dali em diante.

Hiroshi fez uma pausa breve, pegou a lata de cerveja e tomou um gole. Léo o observou.

Talvez Hiroshi estivesse tão tranquilo porque curtia um pó de vez em quando. Afinal, ele trabalhava e vivia em um cabaré.

— Se quiser dar um teko, só encostar, fi. O prato tá na pista.

Hiroshi balançou a cabeça, rindo curto.

— Relaxa… eu sou mais do beck.

Léo ergueu a sobrancelha, rindo de canto.

— Ahhh, então tu é dos que só viaja na brisa, né?

Hiroshi não respondeu de cara. Ficou ali, terminando o traço da tatuagem. Depois de alguns segundos, afastou a máquina e esticou as costas.

— Vou acender um.

Puxou o beck do bolso, girou entre os dedos, acendeu. A primeira tragada veio longa, arrastada.

O cheiro forte da erva se misturou com o leve cheiro de pele queimada pela tatuagem.

A tensão saiu dos ombros dele devagar.

Agora sim.

Tudo parecia normal.

Mas não era.

Entre eles, algo estava nascendo.

Um dilema silencioso.

Que nem eles percebiam.

***

Hiroshi deslizou a agulha com precisão pelos últimos traços, os olhos cravados na tatuagem.

A pele de Léo tava quente sob a luva, avermelhada, mas ele já tava calejado disso.

O último traço.

A máquina se calou.

— Já era.

Léo piscou devagar, o olhar perdido antes de focar no desenho recém-finalizado.

— Caralho, mano… já?

Hiroshi pegou um pano úmido e limpou a pele irritada.

Léo continuou largado na cama, o braço esticado como se já fizesse parte do colchão.

Sentiu o toque frio da pomada sendo espalhada na pele nova.

Riu pelo nariz.

— Na moral… parece que tu tá passando gelo na minha alma.

Hiroshi espalhava o produto com cuidado, os dedos deslizando sem pressa pelo traço ainda inchado da tatuagem.

— Não esfrega muito não, menor… — murmurou Léo, soltando um riso curto, mas sem se mover.

Hiroshi afastou a mão.

— Tá reclamando, mas bem que tá quietinho.

O papel filme veio logo depois, deslizando rente à pele antes de ser pressionado no lugar.

Os dedos de Hiroshi passaram por cima, um pouco além do necessário.

Léo percebeu.

Mas não disse nada.

Hiroshi pressionou o filme plástico na pele tatuada, os dedos ainda deslizando pra fixar.

Léo resmungou, passando a mão no rosto. O suor grudava no plástico.

A pele quente, pulsando com o incômodo.

— Porra, cê demora demais, mano…

Léo puxou a camisa que cobria a virilha e jogou de lado antes de se levantar.

Mas antes de qualquer coisa, pegou o pino e bateu um risco curto na palma da mão.

O pó entrou rápido, seco. O corpo respondeu no mesmo instante. Uma onda morna subiu pelas têmporas, relaxando os ombros e esquentando o peito. Só então pegou o espelho de mão e virou o corpo de lado, testando os ângulos da tatuagem sob a película transparente.

— Oxi… e aí, tá certo isso?

Franziu a testa, mas já sorria de canto.

Hiroshi acendeu o beck, tragou fundo e soprou a fumaça devagar.

Olhou sem olhar.

— Sei lá, cê que tem que gostar.

Léo virou um pouco mais o quadril, esticando a pele pra avaliar melhor o desenho.

— Mas tu que fez, né? Quero saber se tu curtiu a arte.

Hiroshi deu mais um trago e finalmente encarou a tatuagem.

E olhou de verdade dessa vez.

A resposta veio num tom neutro.

O olhar voltou pro beck como se nada demais tivesse acontecido.

— Ficou foda.

Léo segurou a observação por mais um segundo antes de finalmente pegar a cueca da cama e vestir num movimento despreocupado.

Os dedos passaram pelo elástico, ajustando o tecido contra o papel filme.

Pensou em tomar banho, mas Hiroshi alertou que não podia agora.

Então…

Tudo que restava era a bebida.

O calor.

E a madrugada abafada da capital.

O DILEMA DO PRISONEIRO

Hiroshi sentia um tipo de tranquilidade nova. Ter Léo ali, sem a presença de Axel, era diferente.

Era como se, pela primeira vez, ele fosse o centro das atenções.

E, talvez por isso, fazia questão de deixar Léo confortável.

Não que esperasse algo além da amizade. Não via aquela noite caminhando pra um outro terreno.

Mas, ao mesmo tempo…

Aquela necessidade de manter Léo ali, de fazer com que ele se sentisse livre, era uma forma de autoproteção.

Se Léo se sentisse à vontade, não teria motivo pra ir embora.

Do outro lado, Léo sentia que tava sendo tratado bem demais pra alguém como ele.

A solidão dos últimos tempos, as drogas, a exposição, a masturbação… tudo aquilo fazia ele se ver de um jeito distorcido.

Então estar ali, sem amarras, sem julgamento, fazia ele sentir que talvez… tivesse encontrado um lugar onde pudesse apenas ser.

De vez em quando, olhava pra Hiroshi com um carinho contido.

O amigo, que antes nutria um desejo evidente por ele, agora parecia não querer se aproveitar daquele momento a sós.

Nada de fagulha, nada de tensão.

Apenas cuidado e respeito.

E aquilo era reconfortante.

As reações que a droga costumava trazer não estavam tão intensas.

Porque, dessa vez, não havia clima pra isso.

Léo estava só de cueca. Mas não tava sendo estimulado.

Hiroshi parecia um amigo sem desejo sexual.

E por um momento, Léo percebeu que ele também não enxergava Hiroshi como um exibicionista clássico para os clientes.

Talvez fosse a mesma coisa ao contrário.

Talvez Hiroshi também não conseguisse imaginar o que Léo era capaz de fazer quando estava sozinho.

A percepção entre eles sempre foi uma barreira.

Mas, naquela madrugada, essa barreira tava se dissolvendo.

As conversas ficavam mais profundas.

As presenças, mais naturais.

Léo tava largado no sofá, completamente esparramado.

Uma perna jogada pro lado, a outra caída no chão.

O corpo inteiro relaxado, mas inquieto ao mesmo tempo.

Hiroshi tava sentado na poltrona, o beck entre os dedos, observando o copo de cerveja girar na outra mão.

A mesinha entre os dois segurava o kit de Léo, já pronto pro próximo risco.

Léo virou o corpo um pouco, puxando a cueca pra aliviar o aperto.

Se mexia a cada minuto, incapaz de ficar parado.

— Porra, mano… tá quente demais.

Hiroshi olhou de canto, tragando e rindo.

— Cê já falou isso umas dez vezes.

Soltou a fumaça e completou:

— Tira logo a cueca.

Léo bufou, passando a mão pelo rosto.

Mas travou por um segundo.

Era uma indireta?

Hiroshi ainda queria ele daquele jeito?

Ou tava só falando de boa?

A cabeça trabalhou rápido:

"Será que devo fazer isso?"

"Ele disse isso mesmo? Ou só quis testar minha reação?"

"Mas eu tô com calor... se eu tirar, vai ser só por isso. Só isso."

Hiroshi notou a demora na resposta.

E se pegou se perguntando se…

"Será que ele vai perceber que eu tô carente? Que tô deixando ele livre demais aqui dentro?"

"Talvez eu devesse mostrar que isso é normal pra mim."

Léo não respondeu.

Mas não tirou os olhos do que realmente importava.

Inclinou-se com o canudo.

O pó entrou seco, direto.

O corpo respondeu no mesmo instante.

Uma onda morna subiu pelas têmporas, relaxando os ombros e esquentando o peito.

A mente acelerou.

Ele ficou ali, largado no sofá, sentindo a fissura se transformar em uma sensação de controle.

Como se tivesse tempo pra decidir.

Tirar a cueca?

Ficar assim?

Era só uma roupa.

Só calor.

Nada demais.

Foi quando Hiroshi riu.

— Rapaz… tu parece muito confortável nessa parada aí, viu?

Léo piscou devagar, como se voltasse pra realidade.

— Hein?

Hiroshi deu um gole na cerveja, ainda rindo.

— Sei lá, cê tem um jeito todo… técnico com o pó.

Léo riu curto, jogando o cartão na mesa.

Mas, ao olhar pra Hiroshi… percebeu o suor.

A testa molhada, o brilho na pele.

— Cê tá suando, menor.

Hiroshi passou a mão na testa, franzindo a sobrancelha.

— Sério?

Léo tomou um gole da cerveja e olhou de canto.

— Fica à vontade aí. Se quiser tirar a roupa também, tanto faz.

Hiroshi piscou, hesitando.

A ideia não parecia absurda.

"Será que devo fazer isso?"

"Acho que sim… ele vai se sentir mais à vontade."

O ambiente tava quente. Léo parecia bem com aquilo.

Hiroshi pensou por um segundo a mais. Até que Léo se levantou.

Sem cerimônia, puxou a cueca pra baixo e a jogou no sofá, indo direto pra geladeira.

Hiroshi seguiu o movimento com os olhos.

***

Hiroshi passou os dedos pela testa úmida e desamarrou a bandana, jogando o tecido no sofá.

Os cabelos caíram soltos, finos, um pouco grudados pelo suor. Ele ajeitou com a mão, empurrando os fios pro lado, mas o calor ainda incomodava.

O óculos escorregou no nariz, as lentes embaçadas. Sem pensar muito, tirou de vez. Em seguida a camiseta.

Léo, ao se virar com as cervejas, piscou devagar.

Era a primeira vez que via Hiroshi tão à vontade.

Sem a bandana.

Sem os óculos.

Sem camisa.

E totalmente relaxado.

Os olhos meio baixos pela brisa do beck, o rosto mais limpo, mais exposto. Sem o peso da armação fina, os traços ficavam mais nítidos, mais presentes.

Léo nem percebeu que tava encarando.

Ou talvez não tenha feito questão de disfarçar.

Hiroshi notou. Mas não se incomodou. Pegou o beck de novo, tragou fundo e soltou a fumaça devagar.

— Tá olhando o quê, Léo?

Léo puxou um gole da cerveja, os olhos ainda presos em Hiroshi, e soltou com um sorrisinho sacana:

— Rapaz… tu sem essa porra de óculos e bandana até que não é de se jogar fora, hein?

Hiroshi riu.

Se perguntou se era uma brincadeira casual, mas, mesmo assim, tirou a bermuda.

— Ah é? Foi uma cantada?

Léo sorriu. Por um instante, apenas olhou.

Hiroshi de cueca.

O volume que ele já desconfiava agora era evidente.

A luz fria do quarto criava sombras na pele pálida, desenhando os contornos precisos do corpo.

Nada volumoso.

Mas forte.

Bem desenhado.

A pele lisa, sem pelos excessivos, a musculatura não exagerada, mas definida.

Cada curva e linha do corpo bem proporcionada, como se esculpida no equilíbrio certo. Sem apelação escultural.

Mas o que mais chamava atenção era a forma que tudo se encaixava nele.

E então, um outro pensamento tomou forma.

"O cara tá aqui. Comigo. Sem nem precisar."

"Banca tudo. Divide o espaço. E nem cobra nada, porra."

E, de algum jeito, Léo sentiu que deveria retribuir.

Não porque devia.

Mas porque queria.

— Talvez seja uma cantada, sim.

Léo tentou olhar discreto.

Mas era impossível não ver Hiroshi de outra forma.

A cueca escura marcava o contorno grosso e bem proporcionado.

O encaixe harmônico do corpo tornava tudo ainda mais chamativo.

Foi aí que Hiroshi notou o olhar.

— Qual foi, cara? Tá me secando por quê?

Léo deu um risinho curto, mas não desviou.

— Sei lá, mano… você tem um corpo legal, sabia?

Hiroshi se olhou pra baixo.

Nem tinha parado pra reparar.

Mas percebeu que tinha despertado alguma coisa.

— É, tá meio justo…

Léo se aproximou.

Entregou a outra cerveja a Hiroshi.

"Por que ele tá tão perto assim?"

"Não posso me afastar… ele tem que saber que pode ficar à vontade."

— Então tira, pô. Fica à vontade.

Hiroshi riu pelo nariz, tragando de novo.

— Ah, cê quer que eu tire – gaguejou Hiroshi.

Léo arqueou as sobrancelhas, o sorriso de canto acompanhando a fala.

— Ué… tu que tá desconfortável. Ou cê gosta de ficar se apertando aí?

Hiroshi soltou a fumaça devagar. Pegou a cerveja.

O calor tava pegando. A pele grudava no tecido.

Sem pensar muito, deixou a peça cair no chão.

Não viu problema nenhum naquilo.

Exceto quando percebeu que os corpos muito próximos esquentavam..

Hiroshi sentiu o momento mudar no ar.

Mas não soube dizer exatamente como.

Léo ainda segurava a cerveja, o corpo relaxado, mas a presença mais forte ali.

O membro dele, antes meio largado, já engrossava sutilmente com o calor do momento.

Léo largou a cerveja, a ereção compartilhada agora era impossível de ignorar.

A frase veio antes do pensamento.

— Se quiser, eu te ajudo, menor.

Hiroshi pisou devagar.

A frase não bateu de imediato.

"Ajuda?"

O beck queimava devagar entre os dedos.

Ele tragou fundo. Segurou o ar por mais tempo do que devia.

"Ajudar como?"

O olhar escorregou pra baixo sem querer.

Léo tava ali.

Nu.

Confortável demais.

Relaxado demais.

O estômago apertou.

Não de desconforto.

De dúvida.

Se dissesse não…

Seria por ele ou por Léo?

Ele sabia como Léo era.

O orgulho camuflado no jeito folgado. A confiança misturada com a necessidade de ser aceito. Se recusasse, seria como negar a presença dele ali.

E, no fundo, ele não queria que Léo se sentisse um peso.

O beck girou nos dedos.

As pernas afastaram um pouco mais.

Hiroshi soltou o ar devagar.

Ele precisava ter certeza de que Léo não estava apenas brincando como sempre.

— Sei lá, mano… nunca fiz...

Léo riu de canto, passando a língua nos dentes.

— E daí? Ninguém vai saber.

Hiroshi tragou outra vez.

Mas o olhar ficou.

Parado ali, onde não deveria.

Mas agora…

O volume crescia de verdade.

E crescia muito.

O quarto ficou em silêncio.

O olhar trocado foi preciso.

O corpo cedeu antes da mente.

Ou talvez ao mesmo tempo.

Tanto faz.

Foi nessa hora que a respiração presa rompeu o silêncio.

As mãos se perderam.

Os olhos pesavam.

Mas a mente flutuava.

As amarras foram rompidas.

E foi assim que aconteceu.

ERVA DANINHA

Os dias que seguiram foram intensos. Em questão de dias, o contato se tornou natural. As conversas fluíam soltas. Os olhares se prolongavam. Os toques já não eram tão acidentais.

Acordavam tarde, ressaca pesando no corpo. Hiroshi saía pra buscar comida enquanto Léo ficava largado, se recuperando da noitada.

Voltava com o rango, e os dois comiam sem pressa, rindo de besteiras sem sentido. A rotina se estabeleceu rápido.

Álcool.

Fumaça.

Carreiras de pó.

Toda noite, o mesmo esquema.

Cerveja gelada.

Cigarro queimando devagar entre os dedos de Hiroshi.

Léo cheirando, largado no sofá.

O apartamento absorveu essa nova dinâmica.

As formalidades foram se dissolvendo.

E, com o tempo, o pudor também.

As primeiras noites ainda tinham um certo limite. Um resquício de controle. Mas bastou o calor e a brisa tomarem conta pra tudo ficar mais à vontade.

Não demorou para virar costume. As roupas foram ficando escassas.

Andavam só de cueca pelo apartamento, sem cerimônia.

Hiroshi largava a camisa no meio da noite, reclamando do calor.

Léo nem se preocupava em vestir algo depois do banho.

Natural.

Noites e mais noites daquele jeito.

Até que, numa dessas noites…

Algo quebrou a rotina.

O SEGUNDO TRAVESSEIRO

Naquela noite, essa liberdade trouxe um peso novo.

Algo que Hiroshi temia.

Com esse destrave, veio o desconforto.

Léo parecia o mesmo de sempre.

Ria. Zoava. Puxava papo como se nada tivesse acontecido.

Mas Hiroshi sentia a diferença.

Uma tristeza surda.

Que só crescia.

Porque agora, ele sabia.

Não era só a brisa do momento.

Não era só curtição.

Léo estava viciado.

O jeito que pegava o prato. A precisão dos dedos separando o pó. A rapidez quase inconsciente de preparar tudo. A necessidade de comprar mais.

Aquilo não era coisa de quem fazia "de vez em quando".

E isso doía mais do que Hiroshi queria admitir.

Porque apesar de toda a intensidade da noite, nada disso importava no outro dia.

Quando Léo queria repetir todo o ciclo.

Os dois foram ao banheiro após mais um prazer canalizado pelas drogas. O desejo daquela noite ainda queimava nele.

Mas vinha carregado de outra coisa.

O chuveiro morno escorria. Levava embora o suor, o álcool e os resquícios do que tinham feito.

Mas não levava a tensão.

Léo tinha usado antes de irem pro banheiro. Apressou o banho. Precisava sair antes de Hiroshi. Não aguentava segurar muito tempo.

Hiroshi ficou ali. A água batendo nas costas. Os olhos fixos no azulejo. A mandíbula travada.

Respirou fundo e fechou o chuveiro.

Pegou a toalha.

Secou-se rápido.

Saiu.

No vão do apê, Léo estava na geladeira. Bebendo um copo d’água. Hiroshi passou os olhos pelo ambiente.

O prato ainda estava ali.

A fileira recém-puxada.

O canudo largado ao lado.

Suspirou baixo.

Mas não disse nada.

Léo virou de lado, apoiando o braço na geladeira, brincando:

— Tu conseguiu perder a vergonha, hein, mano?

Hiroshi já vestindo uma camisa, sentou-se no sofá.

O olhar pousou em Léo.

Ficou ali um segundo a mais do que o normal.

Então, riu fraco.

— É impossível não perder… depois dessa semana.

Léo soltou um riso curto.

Mas se calou.

Virou outro gole d’água.

Foi pra poltrona.

Hiroshi o observou por um instante.

Pegou uma cerveja.

Abriu.

O silêncio pesou.

Não era mais só brincadeira.

E pela primeira vez, Léo sentiu que talvez tivesse passado dos limites. Mas só talvez.

Léo girou a latinha de cerveja na mão. Tentando dissipar o que quer que fosse aquilo entre eles.

O efeito do pó ainda circulava no sangue.

Mas a onda começava a baixar.

O olhar de Hiroshi estava fixo no nada.

Pensativo.

Léo arqueou a sobrancelha, forçando um sorriso.

— Que foi, Japa? Se arrependeu da sacanagem hoje?

Hiroshi não respondeu de imediato.

Bebeu um gole. Pousou a latinha.

— Léo… senta aí.

Preciso falar contigo.

Léo soltou um riso anasalado. Se jogou no sofá.

— Que foi, mano? Quer tocar mais uma ou… vai me pedir em casamento?

Hiroshi ergueu os olhos.

Léo travou.

O brilho úmido na linha d’água entregava.

Não era brincadeira.

Hiroshi respirou fundo.

Apertou os próprios dedos. Como se segurasse algo dentro dele.

— Não, cara… eu gostei de tudo hoje, ontem e... Todos os dias. A gente é parceiro mesmo, mas…

Léo franziu o cenho. Riu baixo.

— Ihhh… que cara de enterro é essa, fi? Cê tá querendo que eu assine um termo de responsabilidade agora, é?

Hiroshi sustentou o olhar.

— Porque eu sinto que tu precisa confiar em mim... E me dizer como posso te ajudar a sair dessa.

O peito de Léo apertou. Mas ele disfarçou na hora.

— Que viagem é essa, Japa? Tá doidão? Eu só faço essa porra de vez em quando... Não tô na nóia, não.

Hiroshi calou. Mas o olhar dele não.

Léo girou a latinha na mão. Tentou rir de novo.

— Para de ficar me olhando assim, mano. Tô de boa, fi.

Hiroshi não reagiu.

Não disse nada.

Só ficou ali.

Vendo Léo tentar mentir pra ele.

O riso morreu na garganta de Léo.

A cerveja esquentou nos dedos.

O peito começou a arder.

A língua passou nos lábios.

A respiração mudou.

— Que foi? Por que tu calou?

Hiroshi ergueu o queixo devagar.O maxilar travado.

Os olhos pesados de quem já sabe a verdade. Mas tá esperando a confissão. Então, disse. Curto.

— Léo. Para de mentir. Tu tá viciado.

A porra do peito de Léo desmoronou.

O corpo endureceu.

A boca abriu.

Mas nada saiu.

O barulho do ventilador girando no teto ficou alto demais.

A cerveja deslizou pelos dedos suados.

A cabeça tombou pra frente antes mesmo de perceber.

Os olhos ardiam.

O ar ficou denso.

Hiroshi não disse mais nada.

Mas, então, aconteceu.

O impossível.

Léo sentiu.

O calor.

O peso.

O movimento no canto da visão.

Hiroshi se levantou da poltrona.

Os passos foram lentos, mas certos.

Ele cruzou o espaço sem hesitação.

E então…

Os braços de Hiroshi envolveram Léo. O abraço veio firme.

Forte. Mas sem apertar.

E foi aí que Léo entendeu a gravidade da coisa.

Hiroshi nunca foi de toque.

Nunca.

Se teve alguma aproximação antes, sempre partiu de Léo.

E sempre com drogas ou desejo no meio.

Mas agora…

Estava ali.

Abraçando ele.

Isso queria dizer algo.

Isso queria dizer tudo.

Léo segurou o ar.

Os olhos ardiam mais.

As mãos tremiam nos joelhos.

Ele não queria ceder.

Não queria fraquejar.

Mas o abraço ficou ali.

E não foi embora.

Então, Léo fechou os olhos.

E, sem perceber…

Soltou o ar que segurava há tanto tempo.

Hiroshi apertou de leve o ombro dele.

E murmurou, baixo:

— E aí? Agora vai confiar em mim?

.

Por R. Rômulo (Novatinho)

***

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