[Ler os outros contos vai ajudar a entender o contexto.]
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A chegada na rodoviária fez Paulo ficar mais ansioso do que imaginava que ficaria. Era tudo grande o suficiente para passar a impressão de que se perderia. Demorou alguns minutos para achar a saída, mas logo estava com suas malas debaixo de um sol para cada pessoa que passava no local.
Ele até tinha feito pesquisas sobre como chegar na casa nova de transporte público, mas a ideia de pegar três ônibus com malas pesadas não pareceu um bom negócio. Chamou um Uber e logo estava grudado na janela do carro, porque o bagageiro era ocupado por um conjunto de gás.
- Ah, você tá indo pro Jardim Universitário, né? Perguntou o motorista, um senhor de meia idade com pouco cabelo.
- Isso! Acabei de chegar por aqui, começo na universidade essa semana.
- Coisa boa, meu filho! Eu queria que meu menino fizesse faculdade também, mas ali não quer saber de estudo, já tentei de tudo, mas nem porrada ajudou.
O motorista era um senhor engraçado e serviu de guia turístico improvisado apontando e dando nomes para todas as coisas que ele achava legal no caminho até o conjunto de apartamentos.
- Esse Jardim Universitário foi construído pra trabalhador, mas aí depois fizeram a universidade e virou tudo casa de estudante e funcionário.
A descida da ladeira mostrava todos os vinte blocos do condomínio, cada um com uma cor e um nome de uma planta diferente.
- Ó, não vou poder deixar você na porta do prédio, agora não deixam Uber entrar no condomínio. Antes deixavam, mas alguém arrumou confusão.
- Obrigado, não tem problema, o meu prédio é o amarelo, não é tão longe da entrada.
Paulo foi arrastando suas malas e praticamente se arrastando, porque a viagem foi bastante cansativa. Encontrou algumas pessoas no caminho, cumprimentou todos. Sorrir e dar bom dia para pessoas estranhas estava sendo o primeiro exercício pra tentar vencer a timidez. Paulo sabia que morar sozinho iria exigir que ele fosse um pouco mais aberto, senão era capaz de passar 5 anos sem fazer um amigo na cidade nova.
Chegar no bloco margarida, o amarelo, não foi um desafio pela distância, mas pelo sol, que parecia que ia derreter tudo. O segundo desafio para Paulo seria subir as escadas com as malas, não tinha elevador e ele moraria pelos próximos 5 anos no quinto andar.
Tudo corrida relativamente bem, até o quarto andar, quando uma das malas acabou caindo da escada e batendo na porta de um dos apartamentos. A mala não quebrou, mas arranhou e acabou arranhando a porta. Com o barulho a porta logo se abriu e saiu de lá uma senhora, que devia ter mais ou menos a idade da mãe de Paulo.
- Que desgraça, isso é jeito de bater na porta de alguém? Quase morri de susto!
Paulo quase infartou com o susto e a vergonha, tudo ao mesmo tempo, mas foi rápido em pedir desculpas.
- Perdão! É que tentei levar tudo de uma vez e acabei derrubando. Desculpa mesmo!
- Quando coisa de uma vez, menino, capaz de cair e quebrar um braço. Não quebra minha porta mais!
A vizinha deu um grito chamando Alan, que apareceu alguns segundos depois achando que tinha acontecido alguma coisa.
- O que foi, mãe?! Quem morreu?
- Deixe de besteira e ajude aqui o vizinho novo, que inventou de levar as malas todas de uma vez e quase derrubou minha porta.
Alan era um rapaz magro, com traços asiáticos e cabelo preto cortado baixinho. Ele pegou a mala que tinha batido na porta e foi ajudar Paulo que ainda estava parado no meio na escada enquanto tudo acontecia.
- Muito obrigado e desculpa de novo, não precisava se preocupar.
- Por nada! E precisava, senão você ia derrubar as portas dos outros vizinhos também.
Emendou a vizinha com uma gargalhada enquanto entrava no apartamento e fechava a porta.
Poucos degraus depois, e a porta da próxima morada por mais 5 anos estava lá.
- Alan, né? Muito obrigado cara e desculpa pelo susto, pede desculpas pra sua mãe de novo, por favor.
- Relaxa, cara. Dona Joana é assim com qualquer coisa, nem se preocupa. Mas e aí, novo no prédio? Veio pela faculdade também, né? Essa temporada de começo de aula é sempre cheia de mudança.
- Isso, começo essa semana na faculdade, vou fazer veterinária. E você?
- Minha mãe trabalha na universidade tem alguns anos, mas viemos pra mais perto porque esse ano eu começo a estudar aqui, como somos só nós dois fica mais barato e mais fácil.
A conversa acontecia na porta do apartamento e Paulo se deu conta que não tinha entrada na sua casa ainda. Colocou as malas para dentro e perguntou se Alan não queria entrar.
- Ainda não posso te oferecer nada, porque não sei nem se tem água na casa, mas fica à vontade e obrigado pela ajuda.
Alan deu um sorriso fofo com a gentileza, mas estava ocupado demais em casa para ficar de papo.
- Obrigado, mas não se preocupe, já estou voltando.
Paulo nem tinha se dado conta, mas por causa do calor e do esforço com as malas a sua camisa estava toda suada e grudada o que o fez, num gesto reflexo, tirar a camisa na sala, enquanto Alan ainda estava parado na porta. Só depois de tirar a camisa, se deu conta de tinha tirado a camisa na frente do vizinho recém conhecido e ficou com vergonha.
Ficou com mais vergonha ainda quando percebeu que Alan o olhou dos pés à cabeça depois que tirou a camisa.
- Desculpa cara, estava com muito calor.
- Bobagem, você tá na sua casa, né.
Alan deu outro sorriso, mas esse não era muito fofo, parecia ter algo a mais ali.
- Vou descendo, vou deixar você se arrumar aí, mas se quiser posso te apresentar o condomínio mais tarde. Salva meu contato.
Paulo salvou o número e mandou um oi.
- Pronto, tá salvo também: o vizinho da mala.
Os dois caíram na risada e Paulo fechou a porta logo depois de Alan desaparecer descendo as escadas. Foi a primeira vez que parou para olhar, efetivamente, o seu novo lar.
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[continua]