ALGUNS DIAS DEPOIS
O sol estava alto naquela tarde, e o calor que se espalhava pela horta da fazenda parecia ser mais intenso do que o normal. Eu estava agachado, mexendo na terra, tentando manter a mente ocupada com as tarefas da fazenda.
Foi quando ouvi o som familiar das botas de Túlio chegando. Ele estava vindo em nossa direção, e, ao ver seu semblante, percebi imediatamente que algo estava errado. Algo pesava em seus ombros, algo que ele não estava conseguindo esconder. Miguel, que estava ao meu lado, também percebeu, e sua postura mais alerta indicava que ele já sabia que a situação não seria boa.
Túlio chegou até nós, sem pressa, mas com a expressão fechada. Ele olhou para nós dois, como se estivesse procurando algo no ar antes de falar.
— Acho que preciso falar com vocês. — A voz dele estava diferente, mais tensa, como se cada palavra fosse um esforço.
Miguel, sempre o mais observador, se aproximou mais um pouco, colocando as mãos sobre os quadris, mas sem dizer nada. Eu, por outro lado, já sabia que era melhor deixá-lo falar.
— O que aconteceu, Túlio? — perguntei, tentando manter a calma. Por mais que eu quisesse saber o que estava acontecendo, sabia que ele precisava de tempo para se abrir.
Túlio engoliu em seco, o olhar vago, como se estivesse tentando encontrar uma maneira de explicar o inexplicável.
— Eu... fui traído. — Ele parou por um instante, como se aquelas palavras tivessem um peso que ele ainda não conseguisse carregar completamente.
Miguel franziu a testa, e foi como se ele estivesse esperando aquelas palavras. Eu, por outro lado, fiquei em silêncio por um momento, sentindo o impacto da revelação.
— Como assim, Túlio? — perguntei, tentando entender. — Traído? Por quem?
Túlio não conseguiu segurar o peso da frustração que estava acumulado. Ele olhou para o chão, claramente desapontado consigo mesmo.
— A Isabela... — Ele disse, a voz falhando um pouco. — Eu achava que a gente estava bem, que as coisas estavam indo certo, mas... mas ela me traiu. Vi com meus próprios olhos. Não tem como voltar atrás.
Eu fiquei em silêncio por alguns segundos, processando as palavras dele. Não sabia o que dizer. Túlio era durão, sempre com uma atitude de que nada poderia derrubá-lo, mas eu sabia que, por trás dessa fachada, ele também era humano. Todos nós éramos.
Miguel, que até então estava quieto, se aproximou de Túlio, como que sentindo que ele precisava de algum apoio, mas sem pressioná-lo. Ele colocou a mão nas costas de Túlio, suavemente, e, sem dizer uma palavra, começou a acariciar seus cabelos, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Túlio pareceu tenso no início, mas logo seus ombros relaxaram um pouco. Ele fechou os olhos por um momento, permitindo que o gesto de Miguel o acalmasse, mesmo que por pouco tempo. Eu observei tudo em silêncio, o coração apertado. Eu sabia o quanto Túlio gostava de Isabela, e ver a dor estampada em seu rosto me fazia sentir uma mistura de empatia e impotência.
— Ela... foi com outro cara, André — continuou Túlio, já sem forças para esconder a dor. — Eu vi. Não tem explicação. Eu... eu acreditei nela.
Miguel não retirou a mão de Túlio, pelo contrário, continuou a acariciar seus cabelos com a mesma suavidade, como se estivesse tentando amenizar a dor que ele sentia. Não era uma situação fácil, e nem Miguel nem eu sabíamos o que falar. Às vezes, o silêncio e o carinho eram tudo o que uma pessoa precisava.
— Não tem como voltar atrás, né? — Túlio perguntou, mais para si mesmo do que para qualquer um de nós.
Eu não sabia o que dizer para fazer a dor de Túlio desaparecer. Não existiam palavras para curar uma traição. Eu sentia a angústia de ver o amigo naquele estado, mas também sabia que ele precisaria de tempo para lidar com o que estava acontecendo. Não adiantaria dizer que tudo ficaria bem — eu sabia que não seria assim tão simples.
— Eu sei que você está sofrendo, Túlio — disse, finalmente, tentando encontrar algo reconfortante para dizer. — Não sei o que aconteceu com a Isabela, mas você tem que se dar tempo. A dor vai passar, mas você precisa se permitir sentir isso. A gente vai estar aqui para você, não importa o que aconteça.
Miguel, ao ouvir minhas palavras, pareceu concordar com um leve movimento de cabeça. Ele continuava a acariciar os cabelos de Túlio, como um gesto de carinho que transcendia qualquer palavra. Eu sabia que esse tipo de apoio, silencioso, poderia ser mais eficaz que qualquer conselho vazio.
Túlio, ainda com o olhar perdido, finalmente se afastou um pouco, como se tentasse se recompor. Ele olhou para nós com um sorriso forçado, uma tentativa de esconder a dor que ainda o consumia.
— Valeu, vocês dois — disse, tentando controlar a voz trêmula. — Sei que não é fácil, e sei que não sou fácil de lidar. Mas... obrigado por estarem aqui.
Miguel, com sua calma habitual, apenas respondeu com um leve sorriso, ainda mantendo a mão no ombro de Túlio.
— Você não está sozinho, Túlio. Vai passar, você vai ver.
__________________________________________
Era final da tarde, e eu estava na varanda da casa, tentando acalmar minha mente após a conversa com Túlio e Miguel. O cenário tranquilo da fazenda parecia não ter o mesmo efeito em mim. Estava claro que todos ali estavam lidando com seus próprios demônios, e eu, por mais que tentasse, não conseguia escapar das minhas próprias inquietações.
Foi quando meu celular tocou, quebrando o silêncio. Olhei para a tela e vi o nome de Feh, meu melhor amigo de longa data. Fiquei alguns segundos apenas olhando para a tela, hesitando.Feh e eu sempre fomos próximos, mas as coisas tinham mudado muito desde que eu vim para a fazenda. As demandas do trabalho, as complicações com Eduardo, e toda a mudança de vida acabaram criando uma distância que eu não sabia como preencher. E agora, parece que Feh sentia exatamente isso.
Atendi a ligação, tentando esconder o nervosismo.
— André, finalmente! — a voz de Feh soou com uma mistura de indignação e preocupação. — Onde você estava, bicha? Eu não estou acreditando que você me sumiu desse jeito, sem dar nenhuma notícia!
Eu fechei os olhos por um momento, sentindo um peso na consciência. Eu sabia que estava errado, mas não tinha realmente pensado em como isso o afetaria.
— Feh, me desculpa, velho — comecei, tentando me justificar. — Eu... a vida aqui tem sido mais complicada do que eu imaginava. A fazenda, o trabalho, tudo... E eu acabei me distanciando. Não era minha intenção, de verdade.
Ele bufou do outro lado da linha, claramente frustrado, mas também preocupado.
— Complicada? Você sumiu bicha! Eu fiquei meses sem saber de você, sem um sinal sequer. Você sabe o quanto eu estava preocupado, né? — Feh estava realmente chateado, e eu podia ouvir a mágoa em sua voz.
Eu sabia que tinha perdido o contato, mas não sabia que isso o afetava tanto. Eu sempre fui meio avesso a manter contato constante, mas Feh era diferente. Ele sempre foi o tipo de amigo que precisava estar por perto, saber o que estava acontecendo, e eu devia isso a ele.
— Eu sei que devia ter ligado, Feh — respondi, com sinceridade. — As coisas mudaram muito por aqui, e eu... Eu acabei me deixando levar pela rotina. Não é uma desculpa, eu sei. Eu falhei, e vou tentar compensar.
Ele fez uma pausa do outro lado da linha, respirando fundo. Podia sentir que ele estava tentando controlar a raiva, ou talvez o desapontamento.
— Eu sei que você tem seus próprios problemas, André, mas você não pode simplesmente desaparecer assim. Não é só sobre você, entende? Você tem amigos que se importam, e eu me senti completamente deixado de lado. — A voz dele estava mais calma agora, mas ainda havia um tom de tristeza.
Eu sabia que ele estava certo. Eu tinha me envolvido tanto nos meus próprios conflitos e na vida da fazenda que me esqueci de dar atenção às pessoas que realmente importavam. A distância que criei entre mim e Feh era injusta, e eu precisava fazer algo para corrigir isso.
— Eu entendo, e vou fazer melhor, Feh. Me desculpa de verdade. Quero recuperar o tempo perdido, te contar tudo que aconteceu. Pode ser? — Eu tentei ser o mais sincero possível, desejando que ele aceitasse minhas desculpas.
Feh ficou em silêncio por alguns segundos. Finalmente, ele suspirou.
— Eu sei que você tem suas razões, André. Eu só... me senti sozinho, cara. Não sabia o que pensar. — Ele estava mais calmo agora, e parecia que a mágoa estava diminuindo. — Eu estava começando a me perguntar se você ainda me via como amigo, sabe? Mas, tudo bem. Só não me deixe no vácuo de novo.
Eu sentia um alívio por ele estar começando a entender. Mas sabia que havia um trabalho a ser feito para reconquistar a confiança que eu tinha perdido.
— Prometo que não vai acontecer de novo, Feh. Eu sou um péssimo amigo, eu sei. Mas, por favor, me dê outra chance. — Minha voz estava mais suave agora, tentando transmitir a sinceridade do que eu estava sentindo.
— Tá bom, André. Eu vou te dar outra chance, mas quero ouvir tudo sobre essa história de fazenda, Eduardo, e todo esse tempo que você passou aí se escondendo. — Feh disse, com uma leve risada. — Não vai escapar de mim dessa vez. E outra, espero que você tenha umas boas histórias para me contar, porque eu tô morrendo de curiosidade.
Eu soltei uma risada, sentindo o peso no peito começar a diminuir. Feh sempre teve essa capacidade de transformar até mesmo os momentos difíceis em algo mais leve.
— Ah, você vai ter todas as histórias, pode deixar. — Eu sorri para o celular, mais aliviado. — Mas a gente vai precisar de um bom tempo para colocar a conversa em dia. Eu não tenho como te contar tudo por telefone.
Feh deu uma risadinha.
— Claro, claro, André. Mas fica tranquilo. Vou te dar esse tempo. E, por favor, da próxima vez, manda uma mensagem, qualquer coisa. Só para eu saber que você ainda está vivo. — Ele estava se divertindo, e eu sentia que a tensão entre nós tinha diminuído. Mas eu sabia que precisaria ser mais presente.
— Pode deixar, Feh. — Eu respirei fundo. — Vou fazer isso.E venha me visitar !
A conversa seguiu por mais alguns minutos, mas a sensação de alívio foi ficando mais forte a cada palavra que trocávamos. Eu sabia que tinha muito a corrigir, mas pelo menos agora, eu tinha a chance de fazer isso.
Quando desliguei a ligação, ainda havia uma sensação de culpa, mas também de esperança. Feh havia me dado a oportunidade de corrigir meu erro, e eu não ia desperdiçar isso. Agora, precisava tentar resgatar o tempo perdido e estar mais presente para as pessoas que realmente importavam.
Era estranho, mas ao mesmo tempo, muito bom, sentir que tudo não estava perdido. Que eu ainda tinha a chance de recomeçar algumas coisas.
Continua ...
https://chat.whatsapp.com/FKdxVOBwKhM5uCk3lcFRtu
Instagram: eu_alexlima0