Foi uma jornada prazerosa, em que pude ter todos vocês para compartilhar mais uma de minhas viagens criativas. Agradeço a minha parceira Id@ por toda a generosidade, amizade e conselhos. Aos meus fiéis leitores, os que comentam, e os anônimos, pois nada disso faz sentido sem a participação de vocês.
Muitas mudanças aconteceram na história desde a primeira parte até esse final. E se, para alguns de vocês, o título não faz jus ao relatado na obra, fica aqui o meu pedido de desculpas. Minhas obras acabam ganhando vontade própria, evoluindo e encontrando seu próprio caminho.
Sem mais delongas, boa leitura a todos.
{…}
Miguel:
Saí do quarto da minha filha com o sangue fervendo. Cada passo até o meu escritório era um esforço para manter o controle. Assim que entrei, fechei a porta com força e fui direto para minha mesa, pegando o celular sem hesitação. Disquei o número de dona Georgina e a raiva pulsava em cada toque de chamada. Assim que ela atendeu, soltei a primeira rajada:
— A senhora me deve uma explicação, dona Georgina! Eu sabia que essa aproximação rápida era um erro! Minha filha voltou triste, calada ... o que diabos aconteceu aí?
Do outro lado da linha, houve um breve silêncio antes da ex-sogra soltar um suspiro pesado.
— Miguel, você está muito enganado sobre o que aconteceu. Sei que sua filha voltou abalada, mas antes de tirar qualquer conclusão, você precisa ouvir o que eu tenho a dizer.
— Então fale! — Retruquei, impaciente.
Ela respirou fundo antes de continuar:
— Ontem à noite, Mina foi cuidadosa. Não forçou nada, deu espaço e tentou deixar tudo o mais natural possível. Mas sua filha estava fechada, quase hostil. Mesmo assim, Mina se manteve calma e paciente. Hoje de manhã, no café, quando Mina apenas disse um “bom dia”, o inferno começou.
Meu estômago revirou.
— O que aconteceu? — Perguntei, sentindo a tensão aumentar.
A voz de dona Georgina tremeu.
— Sua filha explodiu, Miguel. Disse que Mina era uma assassina, que sabia exatamente o que ela tinha feito e que tinha vergonha de ser sua filha.
Apertei o celular com força, a mandíbula travada.
— O quê? — Minha voz saiu mais baixa, carregada de choque e incredulidade.
— E ela foi além, Miguel ... disse que a única mãe que quer e precisa é a Carolina.
Fechei os olhos por um instante, absorvendo o peso daquelas palavras. Meu coração se apertou, eu estava surpreso com a reação da minha pequena.
— E então? O que aconteceu depois disso? — Perguntei, hesitante.
— Ernesto interveio antes que Mina reagisse. Levou sua filha de volta para você, enquanto eu tentava conter a fúria da Mina. Você conhece a minha filha, Miguel. Ela pode ter cometido erros imperdoáveis, mas sempre foi intensa e explosiva. E ouvir o que ouviu da própria filha … é um pouco demais.
Suspirei, resignado, coçando a nuca. Aquilo era um desastre anunciado, mas ainda assim, ouvir os detalhes me deixou completamente desnorteado.
— Miguel ... — A voz da ex-sogra soou quase suplicante. — ... Eu entendo sua raiva, mas precisamos conversar. Isso não vai acabar bem se não tivermos cuidado.
Eu sabia que ela estava certa. Mas, naquele momento, minha mente estava em outro lugar. Precisava falar com minha filha. Precisava entender o que realmente estava acontecendo dentro daquela cabecinha e, principalmente, precisava protegê-la. Custe o que custar.
Terminei aquela ligação sem muita enrolação e voltei para o quarto da minha filha, sentindo o peso da conversa que acabara de ter com Dona Georgina. Respirei fundo antes de bater de leve na porta.
— Posso entrar?
Nenhuma resposta. Abri devagar e encontrei minha filha sentada na cama, abraçando um travesseiro. Seus olhos estavam fixos no chão, e o jeito como seus dedos brincavam com a fronha, denunciavam sua inquietação.
— Princesa …
Ela suspirou, sem me encarar.
— Não quero falar, pai.
Me aproximei com calma e me sentei ao lado dela. Não insisti. Apenas fiquei ali, presente, deixando o silêncio existir entre nós. Foi ela quem o quebrou primeiro.
— Você conversou com a vovó, né?
— Sim. Ela me contou o que aconteceu. — Respondi, demonstrando paciência.
— Então você sabe o que eu disse para … para aquela mulher. — Havia uma pitada de ira em seu rosto.
Aquela mulher. Não mãe. Minha filha tinha feito questão de apagar o título. Meu peito apertou, mas me mantive firme.
— Sei. Sei também que você estava muito magoada quando disse aquilo. Mas eu preciso entender. Você nunca quis falar sobre sua mãe antes … Por que agora?
Ela finalmente me olhou, e a revolta em seus olhos me pegou desprevenido.
— Porque eu sei a verdade, pai! Sei tudo! Sei que ela foi presa porque mandou matar aquele homem, o amante dela, o marido da tia Vivi. Sei que ela mentiu, que fez coisas horríveis. Sei que ela destruiu nossa família!
Minha respiração falhou por um segundo.
— Como você soube?
Ela bufou, cruzando os braços.
— Eu sei usar o Google, pai.
Fechei os olhos por um momento, tentando digerir o que ela havia me dito. Eu achava que estava protegendo minha filha ao esconder os detalhes mais sórdidos do passado da mãe dela. Mas a verdade sempre encontra um jeito de vir à tona.
— Filha …
— Eu não sou mais uma criança boba, pai. — Ela me interrompeu. — Você não faz ideia de como a escola é uma guerra!
Ela levantou e começou a andar pelo quarto, agitada.
— Os adolescentes são cruéis. Desde pequena, eu ouvia comentários sobre minha mãe. Sempre teve gente cochichando, mas agora … agora todo mundo sabe. Todo mundo fala. Eles apontam pra mim! Falam sobre o que ela fez, fazem piadas, cochicham quando eu passo! Eu não aguento mais!
Meu coração se despedaçou ao vê-la tão vulnerável. Me levantei e segurei seus ombros com gentileza, esperando que ela me olhasse. Quando nossos olhos se encontraram, vi lágrimas brilhando nos dela.
— Eu estou aqui, princesa. Eu te protejo. Sempre.
Ela se jogou nos meus braços e eu a segurei com todo o amor do mundo, passando a mão pelos seus cabelos enquanto sentia seus pequenos soluços contra meu peito.
— Você não precisa carregar esse peso sozinha.
— Eu só queria que as pessoas esquecessem dela. — Ela disse, o pranto mais pesado.
— Eu sei. Mas você não precisa ter vergonha de nada. Você não é sua mãe. Você é incrível, forte e cheia de luz. Nada do que ela fez define quem você é.
Ela soluçou contra meu peito, se acalmando, mas não disse mais nada. Fiquei ali com ela até sentir seu corpo relaxar. Quando finalmente soltou um longo suspiro e se afastou um pouco, enxugando os olhos, eu sabia que, por ora, era o suficiente.
Ela voltou a se deitar, finalmente se entretendo com vídeos engraçados no celular.
Saí do quarto e fechei a porta com cuidado. No corredor, encontrei Dona Lúcia, minha governanta, que havia ouvido pelo menos parte da conversa. Nos encaramos por um momento antes de ela dizer:
— Fique tranquilo, eu vou intensificar os cuidados com a pequena.
Eu agradeci e disse.
— E eu terei uma conversinha com a direção da escola.
{…}
Mina:
A noite caiu na casa dos meus pais, e o peso da expectativa se alojou em meu peito como um bloco de concreto. Eu esperava frieza, talvez até indiferença, mas nada me preparou para a barreira de gelo que minha filha ergueu entre nós assim que chegou.
Ela entrou sem me olhar. Mal respondeu ao meu "oi, princesa" e caminhou direto para o quarto de hóspedes, onde sempre ficava nos finais de semana em que visitava meus pais. Eu quis me aproximar, tentar iniciar uma conversa, mas o olhar de alerta da minha mãe me parou. Ela sabia, e me disse apenas com o olhar, que, se eu forçasse qualquer coisa, perderia o pouco que ainda poderia existir entre nós.
Passei o jantar em silêncio, observando-a interagir normalmente com os avós, mas sem me dirigir uma única palavra sequer. Cada riso que ela dava para o avô, cada resposta carinhosa para minha mãe, era um estilhaço cravado no meu peito. Eu queria dizer tanta coisa, pedir perdão, tentar reconstruir um vínculo, mas percebi que, naquela noite, nada funcionaria.
No meu quarto, horas depois, me sentei na cama e respirei fundo. O teto branco parecia girar. Fiz coisas terríveis. Destruí minha família, magoei o homem que me amava, fui mandante e cúmplice de crimes imperdoáveis. Minha filha tinha razão em me odiar. Mas ela ainda era minha. Eu ainda era sua mãe. Ninguém poderia tirar isso de mim.
O amanhecer trouxe esperança. Achei que, com a noite para processar tudo, as coisas seriam um pouco mais fáceis. Eu só precisava de paciência. Mas a esperança durou pouco.
— Bom dia, meu amor. — Arrisquei, entrando na cozinha onde ela tomava café com meus pais.
Minha filha levantou os olhos para mim, e ali, naquele instante, tudo desmoronou.
— Você não tem o direito de me chamar assim. Você não é minha mãe.
O choque me atingiu como um tapa. Papai largou a xícara sobre a mesa e minha mãe arregalou os olhos. Mas a menina não parou. Seu rosto estava vermelho de raiva, sua voz trêmula, carregada de desprezo.
— Você é uma assassina. Eu sei o que você fez! Sei de tudo! Eu tenho vergonha de ser sua filha!
A bile subiu na minha garganta. Meu corpo congelou. Meu mundo ruiu diante daquela declaração. Mas o golpe final veio logo depois, com palavras que rasgaram meu coração de uma forma irreparável:
— A única mãe que eu quero e preciso é a Carolina.
Era aquela a verdade que eu temia. Minha filha não apenas me odiava, também havia me substituído. Ela tinha uma nova mãe, alguém que ocupava o lugar que deveria ser meu.
— Não fala assim com sua mãe! — Minha mãe tentou intervir, mas a garota não cedeu.
— Ela não é minha mãe! Eu quero ir embora! Por favor, vovô, me leva para casa. Eu não quero mais ficar aqui!
Meus pais trocaram um olhar e, sem muita opção, meu pai assentiu e levantou-se.
— Eu levo você, querida. Vai pegar suas coisas.
Minha filha saiu quase correndo, como se aquele lugar a sufocasse. Minha mãe pousou uma mão no meu ombro, tentando me acalmar, mas eu estava paralisada. A porta se abriu e se fechou. E então, o silêncio. Um silêncio que gritou mais alto do que qualquer briga.
Tentei segurar as lágrimas. Respirei fundo e me fiz de forte. Minha mãe me abraçou, murmurando palavras de conforto. Fingi que aquilo me acalmava, fingi que poderia superar. Mas assim que subi para meu quarto e tranquei a porta, o fingimento acabou.
Me joguei na cama, a dor se transformando em algo mais profundo. Algo mais afiado. Um pensamento perigoso começou a se formar na minha mente, um pensamento venenoso, envolto em raiva e humilhação: Carolina. Quem diabos ela pensa que é? Quem deu a ela o direito de roubar minha filha?
Aquilo não ia ficar assim.
{…}
Miguel:
Os dias passaram e eu fiz exatamente o que prometi. A direção da escola foi receptiva à minha reclamação e garantiu que investigaria qualquer prática de bullying contra minha filha. Suas sessões de terapia foram intensificadas e, tanto Dona Lúcia quanto Carolina, se mantiveram vigilantes, atentas a qualquer sinal de recaída.
A rotina começou a tomar um novo ritmo, mas a paz era apenas aparente. Minha filha começava a se abrir aos poucos, mas o trauma do encontro com Mina ainda pairava sobre ela como uma sombra.
No entanto, aquela sombra se tornava cada vez mais real e ameaçadora. Comecei a notar sinais estranhos. Primeiro, foram as ligações. Números desconhecidos que ligavam e desligavam assim que eu atendia. Depois, mensagens vazias, sem sentido, como se alguém quisesse me lembrar de que estava por perto. Viviane tentou rastrear os números, mas eram descartáveis, impossíveis de rastrear.
As coisas escalaram quando Carolina mencionou que vira um carro estacionado perto da academia onde treinava todas as manhãs. O mesmo modelo, a mesma cor, dias seguidos. Viviane, que sempre foi mais atenta, percebeu uma mulher de óculos escuros observando a entrada do prédio da startup. Quando perguntei como ela tinha tanta certeza, Viviane respondeu com um tom seco:
— Porque eu conheço a maneira como Mina costuma agir.
O estopim veio da escola da minha filha. Recebi um telefonema da diretora, informando que Mina havia aparecido nos portões, tentando levar a menina sem qualquer autorização. Felizmente, a escola estava bem orientada e não permitiu que ela se aproximasse. Mas a mera tentativa foi o suficiente para gelar meu sangue.
Cansado e sem mais paciência, liguei para dona Georgina, sem rodeios.
— Vocês precisam controlar a Mina … — Eu disse, impaciente. — … Se ela continuar com essa loucura, vou impedir até vocês de verem minha filha. Não vou arriscar que ela apareça do nada e a leve. Isso não vai acontecer!
O silêncio do outro lado da linha me deixou inquieto. Então, dona Georgina revelou.
— Miguel ... Mina sumiu.
Meus músculos ficaram tensos.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que há duas semanas ela desapareceu. Não está mais em casa, não atende ninguém e, pior, não está se apresentando ao oficial da condicional.
Um arrepio percorreu minha espinha. Se Mina estava sumida e ainda assim conseguia fazer tudo aquilo ... significava que ela não estava sozinha. Alguém a estava ajudando. E, se ela tinha cúmplices, a situação era muito mais perigosa do que eu imaginava.
Meu instinto gritava uma única coisa: aquilo estava começando a ir longe demais outra vez.
Com o final de semana se aproximando, e sem que eu soubesse antecipadamente, Viviane sugeriu uma tarde das garotas: SPA, cinema e fast food no shopping. A ideia foi recebida com empolgação pela minha filha e Carolina e, logo após o almoço, naquele sábado, as três saíram animadas. Só tomei conhecimento horas depois, quando as três já tinham saído.
Frustrado, preocupado, aproveitei para me focar nos novos rumos da distribuidora. Eu não podia simplesmente mandar que todas voltassem, que vivessem com medo constantemente. Mesmo assim, enchi Carolina de mensagens.
Com a expansão da distribuidora, eu agora também importaria e revenderia maquinário hospitalar e, não apenas, medicamentos e insumos. A papelada era intensa, mas eu gostava do desafio. O trabalho me absorveu por completo, e apesar da preocupação, quando olhei para o relógio, já passava das dez da noite.
As meninas ainda não tinham voltado, mas Carolina havia me mandado uma mensagem dizendo que iriam assistir a um último filme antes de voltarem para casa.
Foi quando meu celular tocou. Um número desconhecido apareceu na tela. Franzi a testa, hesitando por um segundo antes de atender.
— Alô?
O silêncio do outro lado durou tempo suficiente para me deixar alerta. Então, uma voz conhecida e indesejada invadiu minha audição.
— Oi, meu amor. Há quanto tempo, não?
Meu corpo inteiro ficou tenso. Era Mina. Agarrei o celular com mais força, sentindo a irritação subir pelo meu peito.
— O que você quer? — Rosnei, sem paciência para jogos.
Ela riu baixinho, como se minha hostilidade fosse um mero detalhe.
— Assim você me magoa, Miguel. Achei que podíamos conversar como adultos.
— Conversar? Depois de tudo o que você fez?
Houve um breve silêncio antes que Mina respondesse.
— Eu não fiz nada, Miguel. E agora, até minha filha está me atacando. Eu sou a mãe dela, e mesmo assim, ela me tratou como um monstro. Você a envenenou contra mim.
Meu sangue ferveu.
— Não coloque essa culpa em mim, Mina! Eu nunca precisei dizer nada. Você se enterrou sozinha.
Ela soltou um suspiro tenso.
— Isso não pode continuar assim. Ela é minha filha também, Miguel. Você não pode simplesmente me apagar da vida dela.
— Ninguém precisa apagar você, Mina. Você já fez isso quando decidiu destruir nossa família.
Ela ficou em silêncio por um momento, e eu podia imaginar a expressão dura em seu rosto. Mina nunca gostou de ser confrontada. Nunca aceitou bem quando as coisas fugiam do seu controle.
— Se você pensa que isso acabou, Miguel, está enganado. Eu vou reconquistar minha filha. Ninguém vai me impedir disso. Nem você. Nem aquelas duas.
Meus punhos se cerraram.
— Carolina e Viviane não tem nada a ver com isso, sua maluca. — Me excedi, cutucando a onça com vara curta.
— Ah, Miguel, elas têm tudo a ver, sim. Você acha que eu vou aceitar que aquela mulher roube minha filha de mim? Ela não é a mãe dela. Eu sou.
Antes que eu respondesse, a linha caiu. Mina tinha desligado.
Fiquei ali, segurando o celular, sentindo a fúria borbulhar dentro de mim. Eu já esperava que ela não aceitasse a situação facilmente. Mas uma coisa era certa: Eu conhecia aquela sensação. Mina estava prestes a cruzar um limite sem volta. Outra vez.
E então, uma foto chegou por mensagem: Carolina e Viviane amarradas, num quarto vazio qualquer. Me senti tão mal, que cheguei a vomitar ao entender o que aquilo significava.
{…}
Carolina:
O dia havia sido perfeito. Desde o momento em que Viviane sugeriu uma tarde entre garotas, eu percebi como minha enteada ficou animada. A menina, que ainda carregava traumas e cicatrizes emocionais do último encontro com Mina, parecia finalmente se permitir relaxar.
O SPA foi o primeiro destino, e eu sorri ao ver a pequena escolher seu esmalte com entusiasmo e se deliciar com os mimos do salão. Viviane, sempre atenta, também parecia se divertir genuinamente, apesar de sua constante vigilância.
Durante o lanche no fast food, já dentro do shopping, meu celular não parava de vibrar. Miguel … outra vez, e outra, e mais uma ... Ele já havia mandado algumas mensagens durante o dia, cheias de preocupação:
"Vocês já estão voltando?", "Evitem lugares muito abertos", "Tem certeza de que ninguém está seguindo vocês?".
Eu entendia o lado dele, claro. Desde que Mina fora solta, Miguel estava em estado de alerta. Mas tanto eu, como Viviane, achávamos que ele estava exagerando. Era um shopping lotado, com segurança por todo lado. Mina não seria louca de tentar alguma coisa ali. Além disso, desde a soltura de Mina, Viviane nunca saía sem um segurança particular à paisana por perto.
Eu respondi:
"Estamos bem. Relaxa. Vamos entrar agora no cinema e logo estaremos em casa. Eu te amo”.
O filme terminou por volta das vinte e duas horas. Quando saímos do cinema, eu sentia o coração leve. As risadas da pequena enchiam meus ouvidos e até Viviane parecia um pouco mais tranquila. Mas a leveza desapareceu no instante em que chegamos ao estacionamento.
Uma van preta freou bruscamente à nossa frente, e antes que pudéssemos reagir, homens encapuzados surgiram de ambos os lados. Tudo aconteceu rápido demais. Eu tentei puxar minha enteada para trás de mim instintivamente, querendo protegê-la, mas um dos homens agarrou meu braço com força brutal. Ao lado, Viviane lutava contra outro sequestrador, mas fomos rendidas rapidamente.
— Corre! — Conseguiu gritar para a pequena antes de sentir um golpe seco na lateral do corpo. O impacto tirou meu ar, e minha visão ficou turva.
Quando recuperei o fôlego, percebi que estávamos dentro da van, espremidas na parte traseira.
Minha enteada chorava, agarrada ao meu braço, enquanto Viviane olhava ao redor, provavelmente calculando uma saída. Mas não havia para onde ir. Os homens eram fortes, armados. O veículo rodou por quase uma hora, e então, de repente, estacionou em um local deserto. Uma estrada de terra.
Meu coração quase parou quando vi um dos sequestradores pegar a menina.
— Não! — Eu gritei, tentando me soltar. — Pelo amor de Deus, não levem ela!
Viviane também se debatia, mas um dos homens pressionou a arma contra sua cabeça.
— Se mexam e alguém morre agora mesmo. — A voz dele era fria, sem emoção.
A menina gritava, se agarrando a mim, mas foi arrancada de meus braços como se fosse uma boneca. Seus gritos foram abafados pelo barulho do motor de outro carro ligando e partindo, levando-a para longe.
— Não! NÃO! — O desespero me consumia. — Não façam isso!
Mas era tarde. A van voltou a se mover e, alguns minutos depois, chegamos a uma chácara afastada. O lugar era escuro, sombrio, e a sensação de perigo era sufocante. Fomos arrastadas para dentro da casa e amarradas em cadeiras de madeira no meio de um cômodo vazio.
E então, Mina apareceu.
Vestida com um longo casaco preto, os cabelos alinhados como se estivesse indo para um jantar sofisticado, ela exalava uma serenidade que só tornava tudo ainda mais assustador. Seu olhar encontrou o de Viviane primeiro.
— Você achou que eu não sabia, não é? — Mina murmurou, cruzando os braços. — Achou que poderia roubar meu dinheiro e escapar ilesa? Eu quero tudo de volta. Agora!
Viviane, mesmo amarrada, ergueu a cabeça, em desafio, sem um pingo de medo.
— Esse dinheiro não era seu. Era do Miguel. Você roubou dele.
O estalo da bofetada foi seco. Mina respirou fundo, como se tentasse conter a própria raiva.
— Eu estou sendo muito generosa te dando essa chance, Viviane. Me devolve o que é meu e talvez eu te deixe sair daqui inteira.
Viviane cuspiu no chão, o rosto queimando com a dor do tapa. Ela encarou Mina novamente, a desafiando outra vez, com olhar zombeteiro.
— Você já perdeu, Mina. Desista.
Os olhos da mulher brilharam com fúria, e antes que Viviane pudesse continuar, Mina puxou um pano e amordaçou sua boca. Então, seus olhos frios se voltaram para mim.
— E você … — Mina inclinou a cabeça, estudando-me com desprezo. — Achou mesmo que poderia roubar minha vida? Meu marido? Minha filha? Já se olhou no espelho, criatura? Acha mesmo que pode competir comigo?
Senti suas palavras perfurarem minha alma, mas o medo me impediu de reagir. Mina não parecia apenas com raiva. Ela estava insana.
— Você não tem nada. Nada! E quer saber? Você nunca vai ter. — Mina aproximou-se e apertou meu rosto com força. — Você é um erro. Uma sombra insignificante. Mas agora, você vai aprender a não mexer com o que é meu.
Com um movimento rápido, Mina também me amordaçou. Ela pegou o celular, ajustou a câmera e tirou uma foto nossa. Com um sorriso frio, discou um número no celular e colocou no viva-voz.
— Oi, meu amor. Há quanto tempo, não?
Eu ouvi a voz de Miguel do outro lado da linha, carregada de tensão e ódio. Tentei gritar, alertá-lo, mas a mordaça abafou qualquer som. O jogo de Mina estava apenas começando.
{…}
Miguel:
Eu estava em desespero, pois havia me preparado para qualquer situação. Não imaginava, mesmo receoso, que Mina conseguiria superar as barreiras que eu tinha colocado em seu caminho.
Meu telefone vibrou novamente, mas eu reconheci imediatamente quem ligava. Atendi furioso.
— Diz que isso não é verdade, Peçanha. Não pode ser.
O silêncio do outro lado durou um segundo a mais do que minha paciência podia suportar.
— Infelizmente, patrão, ela conseguiu nos enganar. Mas eu ...
— Porra, Peçanha! — Interrompi, sentindo o sangue ferver. — Eu pago uma pequena fortuna para vocês! Como deixaram isso acontecer?
Peçanha manteve a calma, mas sua voz carregava um peso grave.
— Ela foi ousada, patrão. Agiu dentro do shopping, mas estamos na cola dela. Toda a equipe e alguns freelancers estão atuando nesse exato momento. O único problema ...
— Ainda tem mais? Tá de sacanagem comigo? — Minha voz saiu em um rugido, meu coração martelando contra o peito.
— Ela separou sua filha da madrasta e da tia. Precisamos ser cautelosos e agir com prudência.
Minha visão escureceu por um instante, e a raiva explodiu de vez.
— Vai tomar no cu, Peçanha! Eu quero todas de volta, o mais rápido possível!
Houve um instante de silêncio, seguido pela voz firme e controlada do guarda-costas.
— Senhor Miguel, eu preciso que acione as autoridades. Isso vai acabar mais rápido do que você pensa. Eu garanto a minha equipe. Sua filha, sua mulher e a dona Viviane estarão de volta mais rápido do que você imagina.
A respiração saía pesada, descompassada. Eu queria gritar, quebrar alguma coisa, mas precisava me manter racional. Mina cruzou um limite que eu jamais imaginei. Agora, era guerra.
{…}
Carolina:
Mina nos encarava com puro rancor nos olhos. Ela voltou a falar com Viviane:
— Presta atenção, sua biscate traiçoeira. Estou trazendo um técnico melhor do que você. Se tem amor à sua vida, diga tudo o que ele precisa saber. Eu quero o meu dinheiro.
Viviane tentou retrucar, mas a mordaça a impedia. Mina riu, desvairada. Uma gargalhada sinistra. Ela, então, se virou para mim novamente:
— E você, mãe postiça … invejosa do que os outros têm, saiba que não existe salvação para você. Quando chegar no inferno, mande um abraço para o Leandro. Diga que eu estou com saudade.
Mina sorria de forma quase doce naquele momento, mas seu olhar carregava um brilho insano.
— Tenho um encontro inadiável agora. Minha filha me espera. Fora da influência de vocês duas, eu, ela e Miguel podemos recuperar os laços perdidos e reconstruir o amor ...
Minha pele gelou. O desespero tomou conta do meu peito. Mina estava mesmo convencida de que tudo correria de acordo com sua insanidade.
Mas, antes que eu pudesse gritar qualquer coisa, um estrondo ecoou do lado de fora. Tiros. O barulho metálico das balas ricocheteando contra a estrutura da chácara fez Mina se sobressaltar. O sorriso dela desapareceu no mesmo instante.
— O que está acontecendo? — Ela correu até a porta.
Os homens que a acompanhavam tentaram reagir, sacando armas, mas foram surpreendidos. Explosões curtas de tiros vieram das janelas e a porta da frente foi derrubada com um impacto violento. Tudo aconteceu rápido demais. Em questão de segundos, o lugar estava tomado por homens armados, ágeis, precisos, vestindo roupas táticas escuras. Um clarão de luz, acho que uma granada, me cegou completamente.
— Todo mundo no chão! — Um deles gritou.
Mina, desorientada, tentou correr, mas um dos homens a interceptou com um golpe certeiro. Ela gritou em fúria e se debateu, mas foi imobilizada e algemada rapidamente.
O caos se instaurou, enquanto minha visão voltava lentamente. Os capangas dela foram derrubados, um a um. Em meio à confusão, senti mãos firmes soltando as cordas que prendiam meus pulsos. Quando olhei para cima, vi um homem já sem a máscara, com sua expressão determinada e olhar gentil.
— Acabou, senhora. Você está segura agora.
Viviane, ao meu lado, também livre das amarras, o agradeceu:
— Obrigado, Charles. Eu sabia que vocês viriam. Onde está o Peçanha?
Ele respondeu:
— Resgatando a criança, senhora. Deu tudo certo.
Minhas pernas estavam bambas, mas consegui me erguer com sua ajuda. Viviane já estava de pé ao meu lado, esfregando os pulsos e lançando um olhar mortal para Mina, que agora estava caída no chão, sendo vigiada por dois homens.
A porta da frente se escancarou novamente minutos depois e Miguel entrou, junto com a polícia. Ele estava ofegante, suado, como se tivesse corrido quilômetros. Quando seus olhos me encontraram, vi o alívio mesclado com fúria. Corri para ele sem pensar duas vezes, e ele me segurou com força, me envolvendo em um abraço apertado.
— Meu Deus, Carolina … Eu pensei que … — sua voz estava embargada.
— Estamos bem, Miguel. Estamos bem — Viviane o acalmou.
Viviane permaneceu ao nosso lado, forte como sempre, mas havia um brilho intenso em seu olhar. Ela trocou um olhar silencioso com Miguel, e ele sorriu. Estávamos a salvo.
Mas ainda não tinha acabado. Meu coração ainda palpitava forte no peito, pois a pessoa mais importante ainda não estava ali. Como se lesse meus pensamentos, Miguel se afastou ligeiramente, virando-se para um dos homens, o Charles.
— E minha filha? Cadê o Peçanha?
Antes que alguém pudesse responder, ouvimos um barulho vindo da entrada. Viramos na direção do som, e meu coração quase parou quando vi Peçanha surgindo com a filha de Miguel nos braços. Ela soluçava, o rostinho vermelho de tanto chorar, agarrada ao pescoço dele.
— Papai! — a voz dela cortou o ar, cheia de angústia.
Miguel correu até eles, pegando a filha nos braços como se sua vida dependesse daquilo. Ela se agarrou a ele, enterrando o rosto em seu pescoço, chorando descontroladamente. Viviane e eu nos aproximamos, e ela nos abraçou apertado, como se tivesse medo de nos soltar.
— Eu achei que nunca mais ia ver vocês. — Ela soluçou.
— Estamos aqui, meu amor. Eu prometo que nunca mais vai acontecer nada com você — Miguel murmurou, segurando-a firme contra o peito.
A adrenalina ainda corria em meu sangue, mas naquele momento, ali nos braços de Miguel, com a pequena segura entre nós, soube que havíamos vencido. Mina estava derrotada, e eu sabia que aquilo era o fim. Não tinha mais volta. O olhar dela, enquanto era arrastada pelos policiais, ainda carregava algo sombrio, uma loucura incapaz de ser contida.
Naquele momento, tudo o que importava era que estávamos juntos novamente. E nada, nem mesmo Mina, poderia mudar aquilo.
{…}
Miguel:
Os meses passaram, e a vida começou a encontrar um equilíbrio que eu já não acreditava ser possível. Minha filha, antes tão assombrada pelo que viveu, agora corria pela casa com o brilho nos olhos de uma criança feliz. As sessões de terapia surtiram efeito, e ela parecia mais segura, mais confiante, dormindo sem medo, sem pesadelos. Meu coração finalmente descansava ao vê-la assim.
Minha relação com Carolina se fortaleceu de um jeito que eu nunca imaginei. Depois do que passamos juntos, nosso vínculo se tornou inquebrável. Ela era mais do que a mulher que eu amava; era minha parceira, minha rocha, a mulher que esteve ao meu lado em todos os momentos sombrios. E agora, podíamos viver a luz do dia sem olhar por cima do ombro.
Judicialmente, as coisas também caminharam a meu favor. Consegui a guarda unilateral da minha filha, e Mina perdeu os direitos parentais. Depois do que ela fez, ninguém mais no tribunal teve dúvidas: ela representava um risco, não só para a filha, mas para todos ao seu redor. Não havia argumentos, recursos ou advogados habilidosos o suficiente para reverter o óbvio.
Mina foi considerada mentalmente incapaz. Os laudos psiquiátricos confirmaram o que muitos já suspeitavam: transtorno de personalidade narcisista com traços antissociais, além de um quadro severo de transtorno obsessivo compulsivo voltado ao controle e à manipulação. Somado ao histórico de psicopatia leve e impulsividade extrema, ficou claro que Mina não só não poderia conviver com nossa filha, como jamais poderia ser reintegrada à sociedade, sem um controle rigoroso.
O juiz não hesitou. Reincidente, fugitiva, criminosa, ela perdeu qualquer chance de uma nova liberdade condicional. Acabou sendo internada em uma unidade prisional de saúde mental de segurança máxima, onde permaneceria por tempo indeterminado. Não houve lágrimas ou despedidas. Apenas um alívio profundo ao saber que ela não poderia mais nos atingir.
Já cumprindo a nova pena na unidade prisional de saúde mental, Mina finalmente confessou como conseguiu a ajuda necessária para orquestrar seu plano. Durante seu tempo na prisão comum, antes da primeira soltura, ela havia conquistado a simpatia de uma detenta influente, uma verdadeira rainha do tráfico, que se tornou sua protetora e amante.
Essa mulher, dona de uma rede criminosa ainda ativa fora da prisão, forneceu os capangas para Mina em troca de uma promessa: uma vez livre e com acesso ao dinheiro que Viviane desviara, Mina dividiria os fundos, e as duas fugiriam juntas para recomeçar a vida em qualquer país sem acordo de extradição com o Brasil.
Aquele sonho, aquele acordo, no entanto, nunca se concretizou. Sem dinheiro e sem aliados, Mina agora estava sozinha, presa em um destino que ela mesma traçou.
Viviane, por sua vez, seguiu sua vida sem olhar para trás. Depois do que Mina tentou fazer com ela, a antiga conexão virou apenas um nome enterrado no passado. Ainda assim, ela se reergueu com a força que sempre teve. Voltou para sua rotina com confiança, e nos tornamos mais do que amigos e sócios; éramos uma verdadeira família.
Naquela noite, enquanto assistíamos a um filme juntos, Carolina aninhada ao meu lado no sofá e minha filha adormecida no colo da tia Vivi, senti algo diferente: paz. Não aquela paz forçada, cheia de receios e preocupações. Mas uma paz verdadeira, conquistada.
Carolina, agora minha noiva, se virou para mim e sorriu. Um sorriso cheio de promessas, de futuro. Beijei sua boca, sentindo a certeza de que nada mais nos tiraria aquilo.
— O que foi? — Ela perguntou, estreitando os olhos.
— Nada … — sorri de volta. — Só estava pensando em como tudo mudou.
Ela riu baixinho.
— Mudou para melhor. — Carolina segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos. — E vai continuar mudando …
Seus olhos tinham um brilho diferente. Um brilho que me deixou curioso. Mas antes que eu perguntasse, ela desviou o olhar e voltou a assistir ao filme. Não insisti.
Mas algo me dizia que Carolina tinha algo a mais para me contar. E aquela incerteza não me assustava, apenas me intrigava. Eu sabia que ainda tínhamos um último assunto pendente.
Mas isto vai ficar para o epílogo.
Obrigado a todos que acompanharam e prestigiaram essa obra cheia de mudanças e trocas de caminho. Sem vocês, nada disso faria sentido.
Fim!!!
Texto: Lukinha
Revisão e consultoria: Id@