Para aproveitar melhor a história, você pode ler as aventuras de Paulo do início. Um abraço e boa leitura.
Entrar na minha própria casa, depois de quase ter arrumado briga com a vizinha, foi a minha primeira experiência como adulto total. Não que eu fosse irresponsável, nada disso, mas viver com seus pais e, no meu caso, com a família inteira basicamente, não te dá a sensação de que você se tornou adulto de forma completa.
Ser adulto, olhar cada cômodo da casa e tendo noção do todas as responsabilidades que eu teria dali para frente me fizeram desabar no sofá de dois lugares amarelo que ficava na parede na pequena sala. O apartamento em si era todo pequeno, mas estava tão bem arrumado que parecia que as coisas deixavam tudo maior.
O casal de estudantes que morava no apartamento antes era de arquitetura, então provavelmente aplicaram os conhecimentos do curso no lugar e vou dizer fizeram um bom trabalho.
Escolhi meu quarto e desfiz as malas. Senti na cama e chorei. Não sabia muito bem o motivo de estar chorando, mas chorei. Tomei um banho e quando dei por mim estava na hora de almoçar, ou melhor, já tinha passado da hora do almoço e não tinha um grão de arroz na casa.
Resolvi pedir ajuda ao meu vizinho japa, o cara parecia ser gente boa e, não vou fingir que não percebi a olhada, quando tirei a camisa, então no mínimo a gente poderia ter uma amizade interessante.
Alan me explicou todos os lugares úteis do condomínio e foi comigo na maioria deles, meio que de forma instantânea a gente já ficou amigo. Confesso que eu fiquei surpreso, porque não imaginava fazer uma amizade tão cedo, mas a companhia dele era muito divertida e ele estava sendo muito prestativo.
Uma das coisas mais legais, e que me deixou mais feliz, que o Alan me mostrou foram os caminhos que davam na universidade. Entre o condomínio e a universidade tinha uma faixa de mata virgem com algumas trilhas, a trilha principal levava à universidade em uns quinze minutos era bem frequentada, porque a maioria dos estudantes que morava no condomínio usava ela, e muito bonita. A saudade que pensei que ia sentir da natureza seria aplacada todo os dias no caminho.
O segundo caminho era contornando o condomínio e era mais usado em dias de tempo ruim, porque a estrada das trilhas na mata era de terra e não podia ter muita intervenção por conta da natureza.
O terceiro era uma trilha diferente, que tinha uma subida íngreme e uma descida acentuada. Por ela levava dez minutos para chegar na universidade, mas raramente era usada e por isso a mata no caminho era um pouco mais fechada.
No primeiro dia de aula acordei um pouco atrasado e me bati com Alan na saída do prédio.
- Acordou agora também? Ele me perguntou com cara de sono.
- Cara, não ouvi o despertador, espero não chegar atrasado na primeira aula, o professor vai marcar minha cara pelo resto do curso.
Alan deu uma boa risada da minha cara, algo comum e que no lugar de me deixar chateado, nas nossas conversas, me fazia rir também.
- Relaxa nerd. A gente consegue chegar na hora, vamos pela trilha da ladeira. É só correr.
- Cara não é perigoso, não?
- A donzela está com medo de quê? Não falou que era da roça e tudo mais.
- Vamos!
A trilha era uma beleza, o tempo estava ótimo e o céu estava lindo. Provavelmente faria aquela trilha muitas vezes só pelo silêncio e pela calmaria. A ladeira era ruim e a gente precisou de atenção com algumas pedras, mas foi tranquilo.
- Vai ficar fazendo cara de besta toda vez que a gente passar pela mata, Alan?
- Ah cara, me deixa, é saudades de casa!
- Só tem uma semana que você chegou, daqui um mês arma um acampamento aqui na trilha.
A companhia de Alan era muito boa e divertida, de uma piada em outra e com passos rápidos chegamos a tempo das nossas aulas.
Eu estava ligeiramente suado e entrei na sala de aula sem muito tempo para pensar. A primeira aula era de bioquímica e eu estava muito feliz e empolgado com tudo que acontecia comigo.
Fizemos as apresentações e o professor, um homem alto e magro, com cara de poucos amigos, separou a turma em duplas para um primeiro trabalho que deveríamos entregar nos próximos dias.
A minha dupla era um ruivo de um metro e noventa. Franco tinha um aparelho nos dentes que acho que não deixavam que ele parasse de sorrir por muito tempo ou ele realmente gostava de sorrir. Era um sujeito com vinte anos e, aparentemente, uma energia bem legal. Acho que tive sorte de fazer dupla com ele.
O único professor que fez aula com conteúdo foi o de bioquímica, os outros fizeram apresentações e tudo foi algo mais leve.
Fora a quantidade de informações, eu estava em êxtase. A última aula acabou perto de meio dia e fui almoçar no restaurante universitário. A refeição a um real era o principal atrativo, porque agora que eu era adulto tinha que gerir as contas da casa também.
Combinei de almoçar com Alan e fui ao local perto da entrada que ele falou que estaria me esperando. Quando cheguei perto percebi algo estranho no ar. Um rapaz loiro e que devia ter mais ou menos um metro e oitenta falava muito próximo de Alan que estava claramente constrangido. Achei que deveria falar com eles e tentar ajudar meu amigo de algum jeito a sair da situação aparentemente embaraçosa.
- Ei cara! Finalmente te achei estava rodando e não achava a entrada do refeitório. Exagerei um pouco.
O loiro levou um susto com a minha aproximação, eles estavam meio escondidos atrás de uma árvore grande.
- Então eu pego meu jogo com você essa semana, japa. O loiro falou, acenou com a cabeça para mim e sumiu.
- Tá tudo bem, Alan? Perguntei, porque meu amigo estava meio pálido.
- Tudo bem, Paulo, Cauã queria só um jogo emprestado. Alan respondeu depois de uma leve gaguejada.
- Ah, você está meio pálido, isso tudo é fome? Falei tentando quebrar o clima estranho.
- Pode crer, vamos comer, a fila vai ser gigante hoje, divulgaram no grupo que hoje teremos lasanha meu caro!
O almoço foi ótimo e meu amigo aparentemente estava mais tranquilo, eu nunca tinha comido um almoço tão barato e tão bom. Tudo era devidamente fotografado e enviado para o grupo da família, fazia parte da minha rotina de matar saudades e deixar todo mundo sabendo do que se passava na minha vida nova.
À tarde, depois de chegar em casa, foi bastante cansativa. Mesmo a casa tendo móveis, eu precisava comprar coisas que nunca me passou pela cabeça que iria comprar. Papel higiênico. Sim, papel, sempre foi algo que apareceu magicamente em casa, nunca tinha precisado eu mesmo comprar e minha tarde e noite foram de dono de casa.
Terminei o dia estudando para o trabalho de bioquímica e depois de um banho apaguei na cama.
Acordei no dia seguinte, mais uma vez atrasado. Vi que tinha algumas mensagens de Alan no celular: “Cara, você dorme demais, bati na sua porta e você não acordou, vou na frente, você vai atrasar desse jeito.”.
Dei um pulo da cama e tomei o banho mais rápido da minha vida. A aula era de bioquímica de novo e eu queria muitas coisas na vida, mas me atrasar para a aula daquele professor, não era uma delas.
E lá ia eu pela trilha curta, mais uma vez.
Andei o mais rápido que a trilha permitia e fui devagar apenas na ladeira. Próximo do final da ladeira ouvi um barulho que prendeu minha atenção e me fez parrar, como se algo tivesse caído ou sido jogado no chão. Por instinto fui em direção ao barulho. Antes de chegar ao local, pude distinguir vozes.
- Caralho, japa, você vai mamar! A frase fez meu pau pulsar e ao mesmo tempo me deixou tenso. O que inferno estava acontecendo ali?
- Não, cara, me deixa sair daqui! Claramente era a voz de Alan e isso fez meu coração acelerar, o que estava acontecendo com meu amigo. Ele estava em perigo?
- Deixa sair uma porra, você ficou de papinho nas mensagens e agora vai arregar? Não vai, não! Eu já tinha ouvido aquela voz, mas não conseguia identificar quem era.
O volume das vozes aumentava e eu tentava desesperadamente encontrar onde eles estavam, mas o tamanho das árvores e a quantidade de galhos e folhas no chão não ajudava.
- Para, me solta! Eu queria ficar contigo, mas não quero fazer mais nada.
- Ajoelha por bem, japinha!
A mochila de Alan estava jogada perto da árvore à esquerda. Alan estava ajoelhado e preso entre uma árvore grande e a mão esquerda do loiro, que reconheci ser o mesmo do refeitório. Enquanto forçava Alan a ficar ajoelhado, ele tentava baixar as calças, mas o cinto o atrapalhava.
Eu nunca fui inclinado a brigas ou violência, mas aquela cena fez com que o pior de mim viesse à tona.
- Larga ele! Eu falei com tanta raiva que os dois me olharam. No susto o loiro soltou Alan e fechou as calças apressado, enquanto meu amigo desequilibrado caía de lado, batendo a testa numa raiz.
- Sai de perto dele, seu filho de uma puta! Você tem um minuto para sumir daqui, senão você nem sai mais daqui, vaza! Eu falava e me aproximava deles com mais raiva do que eu já imaginei sentir na vida.
- Calma cara, não tem nada de errado não, a gente só estava junto. Fala pra ele, japa!
- Cala a boca, eu ouvi! Sai de perto dele! Vaza!
A nossa diferença de altura era compensada pela minha raiva. O loiro correu em direção à trilha e assim que garanti que ele não estava mais nas proximidades, fui ajudar Alan.
- Caralho, velho! O que foi isso!?
Ele não conseguia me olhar nos olhos, um filete de sangue corria da sua testa e lágrimas dos seus olhos.
Ajudei ele a se levantar, tirei minha camisa, limpei o corte como deu e amarrei na cabeça dele, peguei sua mochila e voltamos juntos para casa.
Alan chorou boa parte do caminho de volta para casa e não me falou uma palavra. Quando estávamos perto do nosso prédio, ele me olhou e pediu com a voz baixa:
- Paulo, não conta pra ninguém o que aconteceu, por favor! E, obrigado, obrigado por me salvar.
- Vamos cuidar desse corte e depois a gente conversa.
[continua...]