SEGUNDA FEIRA
O ônibus balançava a cada buraco no asfalto, mas eu não me importava. Eu só queria ficar ali, preso no meu próprio mundo, com Adele cantando nos meus ouvidos e meu livro aberto no colo. Era o único jeito de esquecer que eu estava indo para a escola, o único jeito de fingir que o dia não ia ser como todos os outros.
"Nevermind, I’ll find someone like you…"
Fechei os olhos e deixei a melodia me envolver. Adele sempre conseguia traduzir tudo o que eu sentia sem precisar que eu dissesse uma única palavra.
Mas, assim que o ônibus parou na frente da escola, a realidade me puxou de volta.
Desci os degraus devagar, respirando fundo. Eu já sabia o que me esperava.
— Olha só quem chegou! O pão com ovo! — A voz de Arthur ecoou no pátio.
Ignorei. Sempre ignorei.
— Ei, tô falando com você! O que foi? Tá pensando em rola uma hora dessas ?
As risadas ao redor dele me acertaram como um tapa. Meu coração acelerou, mas continuei andando.
Não. Eu não ia reagir. Não valia a pena.
Mas Arthur nunca se contentava quando eu o ignorava. Ele avançou antes que eu pudesse sair dali e puxou meus fones com um único movimento brusco.
O silêncio invadiu meus ouvidos, e um frio subiu pela minha espinha quando vi o sorriso debochado dele olhando pra tela do meu celular.
— ADELE? Meu Deus, Pedro, você é uma piada ambulante! — Ele segurou o celular no alto, como se fosse um troféu. — O que vem depois? Você vai começar a cantar "Rolling in the Deep"?
Mais risadas. Mais vozes. Mais olhares.
Meu rosto queimou, e eu só queria desaparecer.
— Devolve...
Minha voz saiu mais baixa do que eu queria, mas Arthur ouviu. Ele riu de novo, ainda segurando meu celular.
— Se eu devolver, você promete que vai parar de ser uma bicha esquisita?
Ele achava que estava sendo engraçado. Os outros também achavam. Mas tudo o que eu conseguia sentir era um nó na garganta.
Arranquei o celular da mão dele e segui meu caminho, segurando com força o livro que ainda estava no meu braço.
Preciso sair daqui. Preciso sair daqui.
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Sempre amei matemática, sempre foi uma disciplina que gostei. Enquanto a maioria dos alunos revirava os olhos para as equações e ficava contando os minutos para o sinal tocar, eu me sentia confortável ali, entre números e fórmulas que faziam sentido. Diferente da vida fora daquelas quatro paredes, na matemática, tudo tinha uma lógica, um propósito.
— Alguém sabe me dizer qual é o valor de **x** nessa equação? — perguntou a professora, apontando para o quadro.
Silêncio. Alguns olhares vazios, outros desviando para o celular embaixo da mesa.
Levantei a mão.
A professora sorriu, já esperando por isso.
— Pedro, pode vir resolver no quadro?
Assenti, me levantando. Senti alguns olhares em mim, mas tentei ignorar. Peguei o giz e comecei a desenvolver a conta, linha por linha, com cuidado para não errar. Quando terminei, virei para a professora.
— Certíssimo! — ela disse, satisfeita. — Muito bem, Pedro! Alguém tem alguma dúvida sobre como ele resolveu?
Ninguém respondeu, mas percebi Arthur, lá no fundo da sala, cruzando os braços e revirando os olhos, claramente irritado.
**"Ótimo. Mais um motivo pra ele me encher o saco depois."**
Na aula seguinte, a professora de geografia entrou segurando uma caixinha cheia de papéis dobrados.
— Hoje vamos formar os grupos para o trabalho sobre impactos ambientais — ela anunciou.
Um burburinho começou na sala. Alguns alunos já tentavam negociar com os amigos para ficarem juntos. Mas eu sabia que a professora gostava de fazer sorteio.
**"Tomara que eu caia com alguém tranquilo."**
Ela começou a tirar os nomes. Um grupo, depois outro.
Então, ouvi meu nome.
— Pedro… e… Gabriel e Thales!
Senti um gelo na espinha.
Gabriel e Thales eram dois dos amigos de Arthur. Eles estavam sempre com ele quando ele fazia piada de mim, e as vezes eles mesmos me perturbavam!
Olhei para eles, que pareciam tão desanimados quanto eu com a escolha. Lucas suspirou alto, jogando a cabeça para trás.
— Ah, professora, sério?
A turma riu.
A professora nem piscou.
— Sim, sério. Trabalhar com pessoas diferentes é importante. E eu quero o trabalho pronto até a semana que vem.
Suspirei.
**"Ótimo. Isso vai ser um desastre."**
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O sinal do intervalo bateu, e eu fui para o pátio como sempre fazia: cabeça baixa, passos rápidos, tentando me misturar entre os alunos para não chamar atenção. Mas nada disso adiantava. Estava cruzando a pequena parte de grama, quando ouvir aquela maldita voz!
— E aí, Pedro? Já escreveu um poema sobre como ninguém gosta de você? — Arthur surgiu do nada, bloqueando meu caminho.
Os amigos dele riram, como sempre. Já eu, apertei o livro contra o peito e segui andando.
— Opa, opa, pra onde você vai? — Ele deu um passo na minha frente, me impedindo de passar. — Aposto que vai se esconder na biblioteca de novo. Ou melhor, vai ouvir música de corno no fone de ouvido?
Mais risadas. Meu coração martelava no peito, mas eu não ia reagir. Se eu reagisse, seria pior.
— Me deixa passar, Arthur.
Ele sorriu torto.
— E se eu não quiser?
Antes que eu pudesse desviar, senti o empurrão. Meus pés tropeçaram no próprio peso, e eu fui de encontro ao chão.
O impacto na grama molhada me pegou de surpresa, e meu livro escapou das minhas mãos, caindo aberto a alguns metros de distância. Ouvi as gargalhadas ao meu redor, os passos das pessoas passando sem se importarem.
Mas, no meio daquela confusão, um dos amigos de Arthur — um garoto chamado Matheus — deu um passo à frente.
— Já deu, Arthur — ele disse, com um tom diferente. Não era deboche. Era desconforto.
— Qual é, cara? Foi só uma brincadeira — Arthur riu. — O Pedro adora dramatizar.
Matheus hesitou, depois se abaixou ao meu lado.
— Tá tudo bem?
Levantei os olhos para ele, confuso. Ninguém nunca fazia isso.
Mas Arthur bufou, impaciente.
— Ah, pronto! Agora você vai ficar do lado dele?
Matheus ignorou. Pegou meu livro no chão e me estendeu a mão para ajudar a levantar. Eu demorei um segundo para aceitar, mas, quando segurei, ele me puxou de volta para os meus pés.
Arthur revirou os olhos.
— Vocês dois se merecem.
E foi embora, rindo com os outros.
Eu abaixei a cabeça, segurando firme o livro que Matheus me entregou.
— Valeu… — murmurei, sem saber o que dizer.
Ele apenas assentiu.
— Arthur as vezes pode ser um babaca.
Não respondi. Eu já sabia disso há muito tempo.
Mas, pela primeira vez, alguém parecia saber também.
O dia passou como uma tortura lenta. A cada intervalo, lá estava Arthur. Esbarrando em mim no corredor. Derrubando meus cadernos. Rindo do jeito como eu segurava meus livros.
— Você dorme abraçado com isso, Pedro?
Eu fingia que não ouvia.
Na sala, enquanto a professora falava, eu apertava o livro no colo e tentava mergulhar nas palavras. A leitura era o único lugar onde Arthur não podia me alcançar.
Quando finalmente cheguei em casa, joguei a mochila no chão, deitei na cama e coloquei meus fones de volta.
Adele começou a cantar, e eu fechei os olhos.
Um dia, tudo isso vai passar. Um dia, eu vou sair daqui.
E Arthur?
Ele vai ser só uma sombra num corredor do passado.
Continua...
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