Maria Alice:
Alguns anos depois.
Voltar para casa, depois de meses na faculdade, sempre trazia aquela sensação de nostalgia misturada com expectativa. As luzes de Natal brilhavam pelas ruas e eu sentia um calor no peito ao saber que, em poucas horas, estaria com meu pai, Carolina e Viviane. Minha família.
A viagem de volta pareceu mais longa do que realmente era, talvez pela ansiedade. Mas, daquela vez, não era só por rever minha família. Eu tinha uma surpresa. Uma que ninguém esperava.
— Nervosa? — perguntou Monique, apertando minha mão suavemente.
Sorri, ansiosa, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.
— Um pouco. Meu pai nunca desconfiou de nada. Carolina e tia Vivi também não. Vai ser novidade para todo mundo.
Monique me olhou com carinho. Seus olhos tinham aquele brilho de compreensão que sempre me fazia relaxar. Desde que nos conhecemos na faculdade, ela nunca me pressionou para nada. Nossa conexão foi natural, leve. E trazer Monique para casa, apresentá-la para a minha família, era o passo que eu precisava dar.
O carro parou em frente à casa do meu pai. Respirei fundo, sentindo o cheiro familiar do jardim, o brilho das luzes piscando pela varanda. Um lar de verdade.
Antes que eu pudesse tocar a campainha, a porta se abriu e meu pai surgiu com aquele sorriso largo que sempre fazia eu me sentir segura. Carolina apareceu logo atrás dele, vibrante como sempre e Viviane, não demorou a se juntar a eles. Era a cena que eu mais sentia falta nos meses longe de casa.
— Princesa! — Meu pai exclamou, me puxando para um abraço apertado.
Fechei os olhos por um segundo, absorvendo o momento. Então, me afastei e segurei a mão de Monique. O olhar de meu pai pousou sobre nós e aquele breve segundo de surpresa passou rápido demais para se transformar em qualquer outra coisa além de acolhimento.
— Minha menina! — A voz de Dona Lúcia ecoou antes que eu pudesse dar outro passo.
Virei-me a tempo de vê-la se aproximando apressada, os braços já abertos para me envolver. Ela estava bem velhinha, mas ainda muito lúcida e ágil. Me aninhei em seu abraço como fazia quando era criança, sentindo o cheiro familiar de lavanda.
— Ah, como senti sua falta, meu amor! — Ela disse, segurando meu rosto com as mãos quentes e cheias de carinho.
— Eu também, babá. Muito mesmo.
Meus avós logo vieram na sequência, com minha avó me apertando contra o peito e meu avô me dando aquele abraço firme que sempre me fazia sentir pequena outra vez.
— Está mais bonita do que nunca! — Minha avó elogiou, segurando minhas mãos e me analisando dos pés à cabeça.
— Faculdade faz bem, hein? — Meu avô brincou, lançando um olhar divertido para Monique, que sorriu de volta, meio sem jeito.
Antes que eu pudesse responder, uma risada grave veio do outro canto.
— Já podemos considerar o Natal oficialmente iniciado? Ou preciso abrir um vinho primeiro?
O Sr. Antônio, pai de Carolina, meu avô por consideração, se aproximou com sua presença sempre calorosa, me puxando para um abraço forte.
— Bem-vinda de volta, garota! — Ele disse, dando um tapinha leve nas minhas costas antes de olhar para Monique com curiosidade. — E quem é essa jovem?
Troquei um olhar com meu pai antes de respirar fundo e puxar Monique mais para perto.
— Essa é a Monique … minha namorada.
O silêncio que se seguiu durou um segundo a mais do que eu gostaria, mas logo se quebrou em sorrisos e acenos calorosos. Meu pai foi o primeiro a reagir, estendendo a mão para Monique com naturalidade.
— Seja bem-vinda à família.
O resto da casa seguiu o exemplo e, em poucos instantes Monique já estava envolvida em cumprimentos e abraços. Observei a cena com o coração aquecido. Estava em casa.
O olhar de Carolina passou do meu pai para mim, depois para Monique e logo um sorriso caloroso tomou seu rosto.
— Seja bem-vinda, Monique! — Carolina disse, estendendo a mão antes de puxá-la para um abraço.
Tia Vivi riu baixinho, me lançando um olhar cúmplice.
— Você sempre foi cheia de surpresas, hein, Maria Alice? Muito prazer, Monique. Entre, a casa é sua.
Meu pai demorou um segundo a mais, mas apenas porque sua expressão estava carregada de emoção. Ele não disse nada de imediato. Apenas abriu os braços e me puxou para um novo abraço, desta vez incluindo Monique no gesto.
— Se minha filha está feliz, eu também estou. — Ele disse, com a voz carregada de sinceridade.
Foi ali, naquele instante, que percebi que nunca precisei ter medo. Minha família sempre esteve comigo, não importava o que acontecesse. E aquele Natal seria o primeiro de muitos com Monique ao meu lado.
O Natal passou como um sopro e logo estávamos todos nos preparando para o réveillon. Mais uma vez, a casa do meu pai se tornou o ponto de encontro da família e a energia era leve, quase nostálgica. Eu adorava aquele período, cercada por pessoas que amava, mas algo me chamou a atenção naquela semana.
Havia algo diferente na dinâmica entre meu pai, Carolina e minha tia Vivi. Por anos, a relação entre eles foi pautada na amizade e cumplicidade, mas agora ... havia um tom, sutilmente diferente. Pequenos toques, olhares trocados, uma intimidade que parecia extrapolar a amizade convencional. Carolina e Vivi estavam mais próximas, de um jeito que eu nunca tinha notado antes. E meu pai ... ele também não parecia deslocado naquela dinâmica. Pelo contrário, parecia completamente à vontade.
Na noite de Ano Novo, estávamos todos reunidos na varanda, esperando a queima de fogos. Eu segurei a mão de Monique, minha namorada e me permiti apenas observar. Meu pai tinha o braço ao redor da cintura de Carolina, enquanto Vivi estava ao lado dela, rindo de algo que meu pai sussurrou. Era sutil, mas estava ali.
Não era apenas amizade. Não mais. Monique percebeu meu olhar atento e me cutucou de leve.
— O que foi? — Ela perguntou baixinho.
Balancei a cabeça, rindo.
— Nada ... só acho que minha família também tinha algumas surpresas guardadas.
Ela sorriu.
— E você não gosta de surpresas? — Monique sorria para mim.
Olhei para meu pai novamente, vendo a forma cálida com que ele olhava para Carolina e Vivi. Diferente, mas cheio de carinho.
— Se deixam as pessoas felizes, por que não?
Monique me olhou com ternura, apoiando a cabeça no meu ombro por um breve momento antes de sussurrar:
— Você é abençoada, sabia? Ter uma família assim … que te aceita, que te ama de verdade.
Havia algo em sua voz que fez meu peito apertar. Eu sabia do que ela estava falando. Virei-me para encará-la, vendo a mistura de admiração e uma pontinha de tristeza em seus olhos. Passei os braços ao redor dela, puxando-a para um abraço apertado.
— Ei … — Sussurrei baixinho, só para ela ouvir. — Você não tem culpa do preconceito dos outros.
Ela soltou um suspiro trêmulo e eu segurei seu rosto entre as mãos, olhando-a nos olhos.
— Se seus pais não conseguem enxergar a pessoa maravilhosa que você é, o problema está neles, não em você.
Os olhos de Monique brilharam e um sorriso genuíno apareceu em seus lábios.
— Aqui, você não precisa se sentir sozinha. — Continuei. — Se quiser, essa também pode ser a sua família.
Ela piscou algumas vezes, absorvendo minhas palavras e então sorriu de verdade, aquele sorriso que fazia meu coração disparar.
— Eu quero.
Abracei-a de novo, sentindo seu corpo relaxar contra o meu.
Lá fora, os sons da festa continuavam, risadas e vozes misturadas com a música ao fundo. Mas ali, naquele momento, éramos só nós duas. E aquela noite foi excepcional. Eu sabia que Monique finalmente se sentia em casa. Nós pertencíamos uma à outra.
Acordei no meio da noite com a garganta seca. O silêncio da casa contrastava com o burburinho do jantar, das risadas e dos brindes que ecoaram, até pouco tempo atrás. Ainda meio sonolenta, saí do meu quarto e caminhei até a cozinha para pegar um copo de água. O piso frio sob meus pés descalços me despertou um pouco mais e, ao beber a água gelada, senti um alívio imediato.
No caminho de volta, algo me chamou a atenção. Um som abafado vindo do quarto do meu pai e da Carolina. No começo, ignorei, mas conforme me aproximei, percebi que os ruídos não eram normais. Risadas baixas, sussurros interrompidos por suspiros, um gemido contido. Franzi a testa, intrigada.
Por pura curiosidade – e talvez por um instinto tolo – encostei o ouvido na porta, tentando entender melhor o que estava acontecendo. Meu coração acelerou quando reconheci não apenas a voz do meu pai e da Carolina, mas também a da tia Vivi.
— Você gosta assim, amor? — Carolina perguntou, sua voz rouca e cheia de algo que eu não queria identificar.
— Hum … vocês duas me deixam louco … — Meu pai respondeu, a respiração pesada.
Meu sangue gelou. O que diabos estava acontecendo ali dentro?
— Ah, Miguel … que gostoso … — Viviane sussurrou. — Segura firme, quero sentir tudo …
Senti meu rosto arder e dei um passo para trás, o coração martelando no peito. Eu não deveria estar ouvindo aquilo. Aliás, eu não queria estar ouvindo aquilo!
Arregalei os olhos, tentando processar o que acabara de acontecer. Respirei fundo e, com cuidado, caminhei de volta para meu quarto, fazendo o máximo de silêncio possível. “Meu Deus … sério, pai?”.
Me deitei na cama, olhando para o teto iluminado pelo luar, tentando entender tudo aquilo. As trocas de olhares, a proximidade … tudo fazia sentido agora. Fechei os olhos, ainda chocada, mas não pude evitar um pequeno sorriso. Meu pai estava feliz, Carolina e Vivi também … e, no fundo, não era isso o que mais importava?
Monique, acordada, percebeu o sorriso malicioso no meu rosto e se aproximou, curiosa.
— O que foi? — Ela perguntou, sua voz baixa e intrigada.
Eu hesitei por um momento, mas o sorriso persistia em meu rosto. Respirei fundo e decidi contar, tentando manter um tom leve.
— Bem, eu acho que descobri o segredo da felicidade da minha família. — Disse, com um tom de humor.
Monique arregalou os olhos, ansiosa para saber mais.
— Qual é? — Ela perguntou, sua voz agora mais animada.
Inclinei-me para ela, sussurrando:
— Parece que meu pai, Carolina e Vivi têm um segredo bem especial. E não é apenas amizade. — Eu disse, tentando conter o riso.
Monique franziu a testa, confusa, mas logo seu rosto se iluminou com uma compreensão súbita.
— Ah, entendi … — Seu tom estava mais sério, mas com um toque de curiosidade. — E como você descobriu?
Eu ri, sentindo um pouco de vergonha por ter espiado, mas Monique apenas sorriu, encorajando-me a continuar.
— Bem … digamos que eu ouvi coisas que não deveria ter ouvido, quando passava pelo corredor. — Admiti, corando levemente.
Monique riu baixinho e me puxou para um abraço.
— Pelo menos todos estão felizes. — Ela disse, sua voz cheia de compreensão.
Eu concordei, afinal, a felicidade da minha família, por mais inesperada que fosse, era o que realmente contava. E, com Monique ao meu lado, eu sabia que tudo ficaria bem.
Senti aquela mão abusada invadindo minha camisola, subindo pela minha barriga e finalmente apertando carinhosamente o meu seio.
— Que isso, sua louca? — Repreendi Monique.
— Tô com saudade, ora-bolas. Desde que chegamos aqui, não tivemos um único momento só nosso.
A outra mão invadiu minha calcinha, dedilhando meu grelo.
— Ahhhh … covardia isso … — Gemi.
— Relaxa, eu prometo que vou devagar, bem carinhosa, para ninguém nos ouvir. — Monique prometeu.
Eu também estava subindo pelas paredes, cheia de saudade e fui presa fácil no jogo que ela propôs.
— Desce mais, Monique ... Ah, sim! Isso, assim ... — Eu gemi mais alto, sentindo sua respiração quente na minha pele.
Monique já estava de joelhos entre as minhas pernas, sua língua habilidosa explorando cada centímetro da minha buceta. Eu me arqueava na cama, os dedos entrelaçados nos seus cabelos cacheados, puxando levemente cada vez que ela acertava o ponto certo.
— Você tá com a xoxota toda meladinha, Maria ... Que delícia … — Ela murmurou, levantando o rosto por um instante para me olhar com aqueles olhos castanhos cheios de malícia.
Eu gemi, ofegante.
— É porque você sabe muito bem o que faz comigo, safada.
Monique sorriu, deslizando dois dedos para dentro de mim enquanto sua língua voltava a brincar com meu grelo. Eu soltei um gemido mais alto, cobrindo a boca com a mão para não chamar atenção. A casa estava cheia, mas nem todos dormiam. Eu sabia que não podíamos arriscar.
— Não se segura, amor, — Ela pediu, aumentando o ritmo dos dedos. — Quero ouvir você gemer, quero sentir você gozar na minha boca.
Eu mordi o lábio, tentando me controlar, mas era impossível. Monique sabia exatamente como me levar ao limite e eu estava prestes a explodir.
— Amor ... Eu ... Ahhhhhh! — Me engasguei, sentindo o orgasmo me atingir em ondas de prazer intenso.
Meu corpo estremeceu, meus músculos se contraindo ao redor dos dedos dela, enquanto ela continuava a me chupar, suave, mas insistente, prolongando o prazer até eu quase não aguentar mais.
Quando ela finalmente parou, eu procurei seus carinhos, exausta, mas completamente satisfeita. Monique se deitou ao meu lado, me puxando para um abraço e eu senti o cheiro do meu próprio prazer no hálito dela.
— Você é incrível! — Eu disse, beijando sua boca.
— E você é minha deusa. — Ela respondeu, rindo baixinho. — A noite ainda não acabou.
Eu olhei para ela, sentindo o calor voltar ao meu corpo.
— O que você tem em mente?
Ela sorriu, aqueles olhos brilhando maliciosamente.
— Agora é a sua vez de me fazer me sentir assim.
Seu olhar percorreu meu corpo e ela mordeu os lábios com intenção.
— Sabe como eu curto você de quatro, né? — Eu pedi, já puxando Monique para a posição. — Agora é o momento perfeito para isso.
— Segura minha bunda com vontade, amor. — Monique me instruiu, enquanto levantava sua camisola para que eu pudesse ver sua xoxota molhada por inteiro.
Eu balancei a cabeça afirmativamente, toda a ansiedade sendo substituída por prazer puro. Enquanto eu a segurava pelos quadris, ela continuou me suplicando.
— Me chupa, sua safada. Enfia essa língua em mim.
Sem que ela percebesse, peguei nosso amigo de borracha que estava na gaveta do criado mudo, mas apenas o deixei em espera. Dei um beijinho carinhoso naquela xoxotinha pequena e delicada, passei a língua por toda a extensão, e finalmente dei batidinhas no grelo dela com o caralho de brinquedo.
— Ah, Maria … vai me foder gostoso? Vai meter em mim? Pega a cinta … — Ela gemeu, sua voz trêmula de desejo.
Eu sorri, sentindo o poder daquele momento.
— Claro que vou, sua putinha. Adoro quando você me implora.
Encaixei a cinta peniana na minha cintura, ajustando as alças com cuidado. Monique ficou deitada na cama, pernas abertas, bunda arrebitada, pescoço virado para trás, olhando para mim com aqueles olhos cheios de luxúria. Ela sabia o que estava por vir.
— Pronta, amor? — Perguntei, segurando o brinquedo com uma mão enquanto a outra acariciava sua coxa.
— Mais que pronta. Me fode, por favor. — Ela respondeu, sua voz um misturando súplica e provocação.
Eu me posicionei, a ponta daquele pau artificial poderoso já pressionando suavemente sua entrada.
— Tá molhadinha, hein? Já tá me esperando. — Comentei, provocando.
— Sim, amor. Tô louca por você. — Ela gemeu, arqueando as costas.
Com um movimento firme, mas sem brutalidade, empurrei o brinquedo dentro dela, sentindo as vibrações que vinham da borracha para o meu ventre.
— Isso, abre bem pra mim, sua safada. — Eu murmurei, começando a mover minha cintura em um ritmo constante.
— Ahhhh, Maria … assim mesmo. — Monique gemeu, suas mãos agarrando os travesseiros atrás dela.
Eu aumentei o ritmo, cada movimento mais intenso que o anterior.
— É assim que você gosta, safada? Da nossa pica bem dura dentro de você? — Eu perguntei, provocando, sabendo a resposta antes mesmo de ouvi-la.
— Adoro, Maria. Você me fode tão bem. — Ela respondeu, seus olhos fechados em êxtase.
Eu me inclinei para frente, trançando a mão em seus cabelos, enquanto continuava a movimentar minha cintura.
— Quero te ver gozar, putinha. Quero sentir você tremer toda pra mim. — Eu provoquei, puxando seus cabelos, trazendo seu rosto próximo ao meu.
— Eu vou, Maria … eu vou … — Ela gemeu, suas pernas fraquejando ao sentir o êxtase que chegava.
Eu senti seu corpo começar a tremer e levei a mão livre até seu grelo, que pulsava, inchado de tesão.
— Isso, minha putinha. Goza pra mim. — Eu incentivei, acelerando meus movimentos.
Monique gritou, seu corpo sacudindo com as ondas de prazer que a atravessavam. Eu continuei a mover minha cintura, prolongando seu orgasmo ao máximo.
— Isso mesmo … goza, safada ... goza pra sua mulher … — Eu mantive as provocações, sentindo-a se afundar na cama, exausta.
Quando ela finalmente relaxou, diminuí o ritmo, mas não parei.
— Ainda não acabou … — Eu disse, um sorriso provocante nos lábios.
Monique olhou para mim, seus olhos ainda embaçados de prazer.
— Maria … você não cansa, né? — Sua voz estava fraca já.
Eu ri, me posicionando de novo entre suas pernas.
— Cansar? Nem pensar. Agora, vamos ver quantas vezes você aguenta. — Eu disse, pronta para satisfazer minha parceira mais uma vez.
{…}
Miguel
Depois da agitação do réveillon, da casa cheia e do riso solto que preenchia cada canto, finalmente tive um momento a sós com minha filha. Maria Alice sempre foi perceptiva, sensível aos pequenos detalhes e, desde que chegara para as festas, notei que algo pesava em sua mente.
Sentados na varanda, uma cerveja nas mãos, apenas nós dois, ela respirou fundo antes de falar.
— Pai ... — Sua voz era cautelosa, como se tivesse receio de tocar no assunto. — Você tem notícias daquela mulher?
Era a primeira vez em anos que ela mencionava Mina sem raiva ou mágoa explícita. Havia apenas curiosidade seguida de tristeza, talvez um desejo de encerrar um capítulo interno.
Relaxei a postura, buscando as palavras certas.
— Tenho, sim. — Respondi, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas antes de te contar, quero entender ... por que a pergunta?
Maria Alice baixou o olhar por um instante, brincando com os dedos no gargalo da garrafa Long neck.
— Não sei bem … — Ela admitiu. — Acho que é só ... por desencargo de consciência. Não quero vê-la, nem falar com ela … não é isso. Só queria saber se ... sei lá, se ela ainda está viva.
Soltei um suspiro cansado. Eu entendia. Por mais que Mina tivesse sido um furacão destrutivo em nossas vidas, ela ainda era a mulher que a trouxe ao mundo. Um vínculo biológico que, por mais enfraquecido que estivesse, não podia ser apagado.
— Sim, ela está viva … — Comecei. — Mas a verdade é que a saúde mental dela só piora. Os médicos não têm muitas esperanças. O quadro psiquiátrico dela é severo. O tempo só agravou tudo. Os surtos são cada vez mais frequentes. Às vezes, ela passa dias completamente desconectada da realidade, outras vezes, acredita que ainda está no passado, como se nada tivesse acontecido.
Maria Alice me observava atentamente, absorvendo cada palavra.
— Então ... ela nunca vai sair de lá, né? — Sua voz saiu num sussurro, sem qualquer traço de esperança, apenas constatação.
Balancei a cabeça, confirmando.
— Não. Ela perdeu qualquer condição de reintegração à sociedade. Os médicos dizem que, se fosse apenas um transtorno tratável, talvez houvesse alguma chance. Mas ela ... ela nunca aceitou o tratamento completamente. Sempre lutou contra, resistiu … E agora, já é tarde demais. O estado dela é irreversível.
O silêncio se instalou entre nós. Maria Alice olhou para o céu escuro, onde ainda restavam alguns vestígios de estrelas entre o céu nublado.
— Engraçado ... eu achava que, quando esse dia chegasse, eu sentiria alguma coisa. Raiva, pena, qualquer coisa. Mas não sinto nada, pai. Nada.
Seu olhar encontrou o meu, buscando algum tipo de confirmação. Eu entendia. Passei anos esperando sentir alívio, revolta, até mesmo compaixão por Mina. Mas, no fim das contas, tudo que restava era um vazio, uma ausência de qualquer sentimento verdadeiro. Ela simplesmente não fazia mais parte de nossas vidas.
Segurei a mão de Maria Alice e apertei de leve.
— E tá tudo bem não sentir nada. — Eu disse, o olhar firme, mas empático. — Você seguiu em frente. Eu segui em frente. Nós não devemos mais nada a ela.
Ela assentiu, um suspiro escapando de seus lábios. Por fim, deu um meio sorriso, pequeno, mas verdadeiro.
— Obrigada por me contar.
— Pelo menos, seus avós maternos são pessoas decentes, que sempre lutaram e exigiram estar ao seu lado. Ao menos isso, aquela mulher tem de positivo.
Ela sorriu, satisfeita, encerrando de vez aquele assunto e trouxe sua cadeira para mais perto, deitando a cabeça no meu ombro.
A história de Mina terminava ali, não com um grande confronto, não com um gesto de redenção, mas com a simples e inevitável verdade: ela não tinha mais espaço em nossas vidas. E, finalmente, aquilo não doía mais.
Ficamos em silêncio por alguns instantes. Maria Alice parecia perdida em pensamentos. Eu sentia que havia mais em sua mente, algo que ela talvez quisesse dizer, mas não sabia como começar.
— Posso te perguntar uma coisa? — Arrisquei, tentando manter o tom leve.
Ela ergueu os olhos para mim, curiosa.
— Claro.
— Quando você percebeu que gostava de meninas? — Perguntei sem rodeios, mas com toda a cautela que a situação exigia.
Maria Alice arregalou os olhos, surpresa. Depois, sorriu e finalmente soltou uma risada baixa.
— Eu acho que sempre soube … de certa forma. Mas demorou para eu aceitar.
Eu apenas ouvia, incentivando-a a continuar. Meu instinto paternal queria entender mais sobre a jornada da minha filha, não por qualquer julgamento, mas porque queria conhecê-la ainda mais.
— Quando eu era mais nova, achava que era só admiração … — Ela confessou, olhando para a garrafa de cerveja, como se buscasse ali as palavras certas. — … Eu via algumas meninas e ficava encantada, mas dizia a mim mesma que era coisa da minha cabeça. Afinal, a gente cresce ouvindo que vai encontrar um príncipe encantado, não uma princesa, né?
Eu sorri, sentindo uma mistura de orgulho e ternura por sua honestidade.
— Imagino que não tenha sido fácil.
— Não foi. — Ela admitiu. — Mas com o tempo, comecei a entender que não era apenas admiração. Meu coração acelerava, minhas mãos suavam … era como nas histórias de amor, só que com meninas. Tentei me convencer do contrário algumas vezes, mas, no fundo, eu sabia. Foi na faculdade que eu realmente aceitei. Conheci outras pessoas como eu, e tudo passou a fazer sentido.
— E a Monique? Como foi com ela? — Perguntei, curioso sobre o que ela sentia pela namorada.
Maria Alice sorriu, dessa vez mais abertamente.
— A Monique … ah, pai, ela foi uma surpresa. Eu já tinha me aceitado há tempos, mas não procurava ninguém. Aí ela apareceu, com aquele jeito meio debochado, meio intenso … e foi diferente. Ela me fez rir, me fez pensar. E quando vi, já estava completamente envolvida. Nunca senti nada assim antes.
Seu olhar brilhava de um jeito que só um coração apaixonado poderia explicar. E naquele momento, tudo fez sentido para mim. Minha filha tinha encontrado alguém que a fazia feliz. No fim das contas, não era isso o que realmente importava?
— Sabe, filha … — Comecei pousando minha mão sobre a dela. — … A única coisa que sempre quis para você é que você fosse feliz. Não importa com quem, desde que essa pessoa te faça bem, te respeite e te ame de verdade.
Os olhos de Maria Alice brilharam levemente e um sorriso emocionado se formou em seus lábios.
— Obrigada, pai. De verdade.
— Não por isso, princesa.
Busquei mais uma cerveja para nós e percebi que, novamente, ela evitava olhar nos meus olhos. Algo a incomodava. Eu conhecia minha filha bem demais para não perceber. Ela mordeu o lábio inferior, como se estivesse debatendo consigo mesma sobre o que queria dizer. Até que, finalmente, soltou:
— Pai, posso te perguntar uma coisa também? — Sua voz saiu mais baixa do que o normal, como se já se arrependesse antes mesmo de terminar.
— Claro, minha pequena. — Respondi, tomando um gole da cerveja. — O que foi?
Ela respirou fundo e olhou para mim com curiosidade, mas também, com constrangimento.
— Você, a Carol e a tia Vivi ... vocês são um trio?
Eu quase me engasguei. Tossindo, deixei a garrafa de cerveja na mesa e encarei minha filha. Eu sabia que aquele momento chegaria, mas não esperava que fosse tão cedo. Ou tão direto.
A curiosidade em seu olhar era genuína, mas também havia um resquício de nervosismo, como se estivesse com medo da resposta.
— Então é disso que se trata? — Levantei uma sobrancelha. — Você está muito observadora para o meu gosto.
Ela arregalou os olhos e corou instantaneamente.
— O quê? Não! Quer dizer … — Ela tentou se defender, balançando as mãos no ar. — Não foi de propósito! E que eu percebi … Quer dizer, talvez tenha sido um pouco ... Aí, droga, isso tá ficando pior, né?
Soltei uma risada baixa, me divertindo com o embaraço dela.
— Relaxa, filha. Eu entendo a sua curiosidade. — Respirei fundo antes de continuar. — Mas, sim, Carolina, Viviane e eu estamos juntos. De um jeito diferente do que você está acostumada, mas juntos.
Maria Alice desviou o olhar por um instante e, para minha surpresa, soltou uma risada curta.
— Putz ... Então eu tinha razão. Achei que estava viajando na maionese, mas eu estava certa! — Ela apontou um dedo para mim, ainda rindo. — Vocês estavam muito ... conectados naquela noite de Natal. Tipo, de um jeito diferente. Mas, sei lá ... É meio estranho pensar nisso. E no Ano Novo, passando pelo corredor … desculpe, é realmente estranho pensar nisso …
— Estranho, como? — Cruzei os braços, curioso pela perspectiva dela.
Ela deu de ombros.
— Sei lá. É que, na minha cabeça, pais são essas figuras monogâmicas e certinhas. Daí, de repente, descubro que meu próprio pai tá vivendo ... um romance a três! — Ela fez um gesto amplo com as mãos, dramática. — Você tem noção do quanto isso bagunça a minha visão de mundo?
Ri novamente e balancei a cabeça.
— A vida nem sempre segue os padrões que a gente espera, filha. Mas o importante é que estamos felizes. Não é algo forçado ou escondido. Carolina, Vivi e eu encontramos algo que funciona para nós.
Maria Alice ficou pensativa por alguns segundos e, então, suspirou.
— É, faz sentido. Desde que ninguém esteja sendo enganado ou forçado a nada, quem sou eu pra julgar, né? — Ela me olhou com um sorrisinho. — Além disso, é meio cômico que eu tenha me preocupado tanto em contar sobre minha sexualidade e, no fim, você que tem um relacionamento "diferente". Parece até piada do universo.
A abracei, sorrindo.
— A vida tem um jeito engraçado de surpreender a gente, não é?
Ela riu, balançando a cabeça.
— Bom, pelo menos agora, eu sei de onde vem minha mente aberta. — E então, estreitou os olhos para mim. — Mas, pelo amor de Deus, pai, coloca uma música ou algo assim da próxima vez. Minha audição inocente não merece isso!
Soltei uma gargalhada e ela me acompanhou. Era um momento inesperado, mas um dos mais honestos e leves que já tivemos. Minha filha não era mais uma criança e, perceber aquilo de uma forma tão clara, me encheu de orgulho.
— Fechado. Mas, olha, melhor você começar a se acostumar. Porque esse é só o começo. — Pisquei para ela, divertido.
Ela revirou os olhos, ainda rindo e pegou sua garrafa de cerveja.
— Sério, pai, eu já ouvi mais do que gostaria. Me deixa manter alguma ilusão, por favor.
Rimos juntos e, naquele momento, percebi: nossa relação estava mais forte do que nunca. O tempo passava, tudo mudava, mas o que realmente importava continuava ali. Sempre.
Fim!!!
Deixo aqui registrado o meu muito obrigado para as meninas do Ménage Literário, por intermédio da minha parceira Ida, que me ajudaram a construir e desenvolver a Maria Alice adulta, apresentada neste epílogo.