Ainda sem obter resposta, foi em direção ao quarto dela e o que viu o deixou chocado. Cíntia agora estava completamente nua, mas virada de costas para ele. Ela parecia olhar algo em sua cama, que ele identificou como roupas na sequência, mas que não sabe como fez, pois seus olhos não conseguiam desviar das curvas daquela beldade. Distraída, Cíntia se virou, indo em direção ao banheiro de sua suíte e quase teve uma síncope ao ver Ricardo parado sob o batente da porta, encarando-a quase como um predador. Aliás, o efeito foi causado em ambos, pois no momento em que ela se virou, Ricardo pode ver toda a plenitude daquele belíssimo corpo, de seios siliconados empinados, duros e ousados, cintura fina, quadris largos, com a púbis depilada, findando em uma… pica!?
[CONTINUANDO]
Ricardo ficou boquiaberto e arregalou os olhos, congelando, afinal, ele nunca soube que Cíntia não nascera mulher. Cíntia ao ver Ricardo aturdido com uma verdade que ela preferia ter contado de uma forma mais leve, suave, quiçá divertida, cobriu-se envergonhada, braço horizontalmente sobre os seios, mão verticalmente sobre o resquício maior da sua “vergonha”:
- O que você está…
- Cíntia, eu… Poxa! - Ricardo cobriu os olhos e se virou de costas, gaguejando: - Eu… Desculpa! Eu não queria, eu… Poxa!
- Sai, por favor!
Constrangido ao extremo, ele saiu, retornando ao quarto de hóspedes. Ali, confuso, perdido, começou a se vestir, intencionado em procurar um buraco qualquer para se atirar de cabeça, quem sabe sumir de vez, mas certamente bem longe dali. Não teve tempo de concluir nada, pois Cíntia veio logo ao seu encontro, agora vestida num robe preto de cetim:
- Desculpa, eu não tinha o direito… - Ele repetiu.
- Eu acho que a gente deveria conversar. - Ela disse num tom suave, conciliador, apesar de ter a face ainda ruborizada.
- Poxa, Cíntia…
- Por favor, vamos tomar um café? A gente conversa com calma. É só o que eu te peço.
Mesmo constrangido, Ricardo concordou, pois negar-lhe um pedido seria uma afronta naquele instante. Foram até a cozinha planejada de estilo americano e ele se sentou numa banqueta, enquanto ela adentrou aquele recinto e começou a servir pãezinhos, um bolo e acompanhamentos. Foi então até o fogão e colocou água em sua cafeteira mocca, o pó e a levou até o fogão, colocando também um pouco de leite para amornar:
- Você deve estar surpreso, não é? - Perguntou ainda de costas para Ricardo.
Ele estava, mas não queria ser indelicado. Sentia-se pisando em ovos, pois não queria magoar os sentimentos da única pessoa que lhe apoiou em sua recente crise:
- Olha, Cíntia, eu… Quem sou eu para fazer juízo de alguém?
- Foi uma resposta?
- De certa forma… - Ele contemporizou, mas decidiu ir além, com suavidade: - Eu só não esperava te encontrar nua.
- Não é sobre isso que imaginei que estivéssemos conversando…
- É!? Não, não é. Acho que não…
Cíntia trouxe a leiteira e colocou sobre a bancada. Depois, ouvindo o som da pressão sair de sua cafeteira que aparentava expelir apenas o ar, voltou ao fogão e transferiu um café expresso forte, encorpado, sem açúcar, para uma garrafa térmica, trazendo-a para o balcão:
- Eu te devo uma explicação… - Ela disse.
- Não me deve nada! Eu é que te devo desculpas por ter sido tão invasivo.
Ela o olhou brevemente e suspirou, tentando abrandar um pouco a sua tensão que parecia quase querer transbordar por seus olhos:
- Leite? Café? - Ela perguntou.
Ele assentiu com a cabeça e indicou os dois. Ela serviu um pingado para ele numa xícara ricamente decorada com motivos orientais. Depois fez o mesmo para si mesma. Cada um adoçou a seu gosto: ele com açúcar, ela com stevia. Beberam os primeiros goles em silêncio.
Depois ela se sentiu na obrigação de falar um pouco de sua vida e contou que nascera Sinval, mas nunca se reconheceu no sexo que sua biologia determinava. Foi assim que passou uma infância insatisfeita, incompleta, escondendo de todos o desejo de brincar de boneca e casinha. Aliás, de casinha ela até brincou, simulando ser a dona da casa, enquanto um primo seu, Roberval, fingia ser o marido. Aliás, ele fora o seu primeiro “homem”, embora ele tivesse somente os seus 16 anos de idade.
Cíntia sorria com as lembranças que, para alguns, poderia ser um claro exemplo de abuso, mas que, para ela, eram doces, suaves, perfeitas na sua visão romântica de casal:
- Meu primeiro beijo na boca foi com ele, sabia? Mas ele não sabia beijar bem, Ricardo, o bobo nem sabia que se usa língua para isso.
Ricardo apenas sorria e assentia com a cabeça, olhando-a curioso e a deixando à vontade para se abrir:
- Mas era um safado também! Podia não saber beijar direito, mas sabia bem pegar a minha mão para tocar uma punheta para ele. Há! Punheta… Isso foi só no início, porque logo ele me fez chupar o seu pau e vou te contar, adorei! Fingi ter ficado ofendida na primeira vez, mas, na verdade, eu adorei. A sensação daquela coisinha que mais parecia uma salsicha dando pulinhos na minha boca enquanto eu lambia e chupava, era demais.
- Mas ele te obrigou?
Cíntia olhou para Ricardo que parecia realmente preocupado e o desarmou:
- Que nada… Bem, até foi, mas só na primeira vez porque eu fiquei assustada, depois, eu fazia com gosto. - E olhando que Ricardo estava atento, ainda explicou: - Mas beber o gozo dele, levou um bom tempo. Eu tinha nojo, mas depois das primeiras vezes, quem cobrava a mamada, era eu.
Ricardo ficou surpreso com tanta honestidade e ela, vendo a sua cara, começou a rir e lhe deu um tapa no ombro, fazendo-o rir também, mesmo que ele não entendesse bem o porquê. Mais descontraído, Ricardo até brincou:
- Aposto que ele foi também o seu primeiro aí? Atrás…
Ela tomou uma xícara e o encarou séria:
- Já está sendo indiscreto, né, Ricardo! Que coisa mais feia…
Ricardo ruborizou e ela gargalhou alto, alisando rapidamente sua mão:
- Estou brincando, seu bobo. É claro que ele foi o meu primeiro. Acha mesmo que só meus boquetes iria satisfazê-lo? Claro que não! Quando ele viu que eu estava curiosa, disposta a aprender, fez questão de me ensinar, embora ele também não soubesse merda alguma do que estava fazendo.
- Já estou imaginando… Ele não sabia te preparar, te relaxar e comeu com tudo, a seco.
Ela sorriu, escondendo a boca atrás da xícara e balançou afirmativamente a cabeça:
- Pois é…
Após um gole e uma pausa estratégica, Cíntia continuou:
- O filho da puta só via o lado dele. Ele queria me comer e ponto! E as primeiras vezes foram barra mesmo, mas quando o ameacei de acabar com o nosso “casamento”... - Falou, fazendo aspas com os dedos: - Ele viu que estava errando e depois de conversarmos melhor, conseguimos chegar num meio termo. Acho que, no fim, eu acabei ensinando mais ele do que ele a mim.
- E transavam sem camisinha? Ele gozava dentro de você? - Perguntou Ricardo, absorvido pela conversa.
Cíntia sorriu vendo que a curiosidade era genuína, demonstrando até uma certa preocupação e zelo de Ricardo com ela. Ela então explicou:
- Éramos dois moleques, Ricardo, ele um pouco mais velho do que eu, mas moleques no final das contas. Então, era tudo pele com pele. Depois de umas primeiras vezes bem dolorosas e meio sujas, aprendi a me preparar antes de nossas brincadeiras e ele a me relaxar com os dedos. Daí, a gente fazia e deixava acontecer. Às vezes, ele não gozava dentro, mas no meu rosto, só que era raro.
- Cara…
Nesse momento, Ricardo tomou um gole de sua xícara e num gesto inconsciente, ajeitou o pau dentro da bermuda, notando que o membro estava duro. Cíntia não via o membro do amigo de onde estava, mas o movimento a deixou em estado de alerta. Ricardo disfarçou, Cíntia disfarçou e a conversa prosseguiu.
Cíntia também contou que, ao adentrar na puberdade, ela acabou conhecendo e conseguindo a ajuda de uma psicóloga militante de uma causa GBLT+, que explicou para a sua mãe que seu sexo mental era diferente do físico. Apesar de assustada com a novidade, sua mãe não a recusou. Entretanto, quando sua mãe e a psicóloga tentaram explicar o mesmo para o seu pai, este não aceitou e acabou indo embora, abandonando ambas às sortes do destino.
Foi assim que, em sua adolescência, com o apoio quase isolado da mãe, que contava apenas com as orientações da psicóloga, de menino passou a se vestir e a se portar como uma menina-moça e o brilho que emanou dela a partir de então, serviu para mostrar a todos ao seu redor que aquele era o caminho certo. Contou mais algumas breves passagens de sua adolescência e juventude, da dificuldade para namorar, das perseguições e “bullying”, mas a menina-moça Cíntia se mostrou forte e se tornou uma linda e feliz jovem:
- E esta sou eu hoje, uma simples diretora de fotografia, mas já em meu terceiro longa-metragem…
- Não seja modesta, Cíntia! - Ricardo a interrompeu: - Você é uma das melhores profissionais na praça atualmente. Não sei até como ainda não foi convidada para fazer algum filme em Hollywood.
- Pois é… Profissionalmente, não posso reclamar; mas já a vida amorosa… Ó… - Cíntia fez o sinal de positivo de cabeça para baixo.
Ricardo calou-se por um momento, mastigando uma fatia de um bolo bem amarelinho que ela havia lhe servido e disse, balançando a cabeça em negação:
- Cíntia, eu… nunca imaginaria isso…
- Pois é! Minha vida não foi fácil.
- Não mesmo, mas eu me referi a você. Olhando… assim… - Ele correu os olhos por ela, pigarreando: - Você é mais bonita que quase todas as mulheres que eu já conheci na minha vida…
- Mas eu sou mulher, Ricardo! - Ela o interrompeu, sorrindo: - Só venho com um acessório a mais. Ah, e outro a menos. Mas estou criando coragem para corrigir isso e será logo.
- Você vai… VAP!? - Perguntou Ricardo com um movimento imitando uma tesoura com os dedos indicador e médio.
- Por Deus, Ricardo… - Ela começou a rir e disse após se controlar: - Eu espero que não seja assim… VAP! Espero que o médico seja um pouco mais delicado.
- Não, claro, lógico… Eu sou uma besta mesmo! - Ricardo começou a rir também.
Eles riram juntos por algum tempo e depois voltaram a se alimentar, em silêncio. Após algum tempo, Cíntia falou:
- Agora é que perdi toda e qualquer chance com você, né?
- Ah, Cíntia, se fosse fácil resolver essas questões do coração…
- Não foi isso que eu quis dizer, mas eu também entendi a sua situação. Aliás, o que você está pensando em fazer agora?
- Então… Fazer ou não fazer, ou melhor, o que fazer? Eis a questão!
Cíntia sorriu suavemente, sabendo que pisava em um terreno espinhoso e falou:
- Quer um conselho? Vou dar do mesmo jeito… Procure a Bruna e converse. Acho que tomar uma decisão, sem entender o que causou aquela trai… Hã… Enfim, acho que você entender primeiro para decidir depois, ou se resolver com ela. Sei lá…
Ele concordou com um meneio de cabeça e decidiram mudar o foco da conversa para terminarem bem aquele começo de dia. Assim, terminaram o café, conversando, rindo, sorrindo e mais do que isso, se conhecendo e respeitando.
Antes de sair da sua casa, Ricardo não se conteve e conversou um pouco mais sobre hipóteses que brotavam na sua cabeça, sendo ouvido e aconselhado novamente por ela.
Na porta do apartamento de Cíntia, antes de sair, ele se voltou para agradecê-la. Nesse momento, ele a tomou em seus braços e lhe deu um abraço forte, apertado, cheio de gratidão, fazendo o pau de Cíntia reagir rapidamente, constrangendo-a com a mesma velocidade. Ela tentou se afastar, mas Ricardo não deixou e ainda disse:
- Nada mudou. Continuo gostando muito de você e mais agora por ter compartilhado esse seu segredo comigo, mesmo que inesperadamente.
Ela beijou a sua face e agradeceu a gentileza. Ele então afastou-se um pouco e ainda brincou com ela:
- Bem, melhor saber que você se excita comigo do que me ignora.
Ele então saiu, deixando-a para trás com um sentimento misto de vergonha, alívio e um pau meia bomba. “Você não imagina o quanto me excita, Ricardo, nem de perto…”, pensou enquanto o via entrar no elevador e sumir de sua vista.
Ricardo tomou o Uber que havia chamado quando ainda estava no apartamento de Cíntia e rumou para a sua casa, onde esperava ter uma conversa definitiva com Bruna. No trajeto, um medo, uma sensação ruim, o fez mudar de ideia, pedindo ao motorista que o deixasse num hotel 4 estrelas no centro. Ali ele se hospedou, pois pensou que seria melhor organizar suas ideias antes de ter uma conversa que poderia ser a última com a mulher que um dia elegeu para ser a sua companheira de vida, mas ainda assim uma dúvida passou por sua cabeça: “Como pode ser tão gostosa?”
[...]
Num apartamento confortável num bairro não tão central da capital, Bruna suspirava pela enésima vez, tentando imaginar uma saída para aquele beco em que havia se enfiado. Sabia que Ricardo, seu marido, era um homem de mente aberta, quase um liberal, mas também sabia o quanto ele dava valor à fidelidade, regra que ela sentia não ter infringido, mas que também sabia não seria o entendimento do marido. Ela passou a noite em claro, apenas cochilando rapidamente, pois a consciência não a deixava dormir, sinal de que talvez a sua conclusão sobre fidelidade fosse a errada.
Bruna olhou para o seu celular sobre o criado mudo e o pegou, na esperança de que Ricardo tivesse lhe mandado uma mensagem. Porém, nada! Nada de mensagem dele, nem de resposta às mensagens que ela havia lhe enviado durante a madrugada. Nesse momento, uma lágrima correu por sua face, ligeira demais para que ela conseguisse evitar a sua fuga. Suspirou novamente e tentou uma ligação para ele, sem qualquer esperança de ser atendida, mas:
- Alô. - Respondeu uma voz grossa, máscula, que a arrepiou de imediato.
Bruna sentou-se sobre os joelhos, olhando para o aparelho, sem saber o que dizer até que novamente um som ecoou dele:
- Alô. Bruna!? - Insistiu aquela voz.
Ela suspirou novamente, de olhos fechados, reunindo o restante de suas forças e levou o aparelho ao lado do rosto:
- Alô. Bom dia, amor. Eu… Eu espero que tenha dormido bem.
- Até que dormi! - Respondeu surpreso Ricardo, pois ele mesmo se sentia incapaz daquilo após a fatídica noite anterior: - Estou indo para casa. Temos muito o que conversar…
Bruna sentiu um calafrio percorrer sua espinha, mas sabia que não poderia fugir daquela conversa. Fechou os olhos e respondeu:
- Eu… Eu estou te esperando, amor.
Desligaram. Bruna jogou o aparelho de lado e ficou imóvel, apática, quase catatônica, sabendo que seu casamento dependeria daquela conversa. Infelizmente, ela continuava sem saber o que dizer, mas sabia que somente a verdade lhe daria alguma chance de se sair bem.
[...]
Ricardo ainda estava deitado na cama quando recebeu a ligação da esposa. A conversa foi rápida, cautelosa, fria, e ele acabou dizendo que estava indo para casa conversar com ela quando, na verdade, preferia deixar aquela conversa para outro dia. Ricardo sempre foi controlado, racional, mas numa situação daqueles, temia que ele próprio perdesse o controle e fizesse alguma mal contra Bruna, não um mal físico, pois ele se julgava incapaz de agredi-la, mas ofendê-la com palavras era uma situação que ele não descartava.
Ele pegou o celular e teclou três vezes na intenção de cancelar a conversa com a esposa, mas desistiu em todas. Algo dentro dele dizia que atrasar aquela conversa só iria fazer ambos sofrerem ainda mais. Então, ele decidiu que iria. Chamou um Uber e, em menos de 30 minutos, chegava ao seu apartamento.
O porteiro liberou a sua entrada de imediato, afinal, ele era um morador do condomínio, mas não entrou de vez no seu lar, uma vez que as chaves de casa estavam na do carro que, por sua vez, havia ficado com a esposa na noite anterior. Então, tocou a campainha. Foram longos segundos até que uma abatida Bruna atendeu a porta. Ambos se olharam por segundos ainda maiores que os anteriores. Nenhum dos dois ousou avançar para cumprimentar o outro: Bruna tinha medo de ser rejeitada, enquanto Ricardo tinha medo de rejeitar a esposa. Bruna deu passagem para Ricardo que entrou “pisando duro”, tenso, cabisbaixo. Só então após outros segundos mais, Bruna falou:
- Eu… acabei de passar um café. Aceita?
- Pode tomar o seu café à vontade. Eu já tomei. - Disse Ricardo, indo se sentar no sofá de sua própria sala.
Bruna poderia ter deixado o café para depois, mas a covardia falou mais alto em função da tensão que havia naquele cômodo. Ela foi à cozinha, deixando o marido para trás, perdido em seus próprios pensamentos, numa tentativa dela própria de tentar organizar os seus. O seu café, embora adoçado com açúcar como ela gosta, desceu amargo, arranhando sua garganta, queimando o seu coração da pior maneira possível. Quando ela notou que demorava mais do que o habitual, entendeu que estava tentando fugir da conversa e decidiu que era chegada a hora de enfrentar as consequências dos seus atos.
Bruna então se levantou e praticamente se arrastou para a sala, onde Ricardo seguia mergulhado em seus pensamentos, olhando para o rack da televisão da sala, onde alguns porta retratos de momentos felizes destoavam do que ocorria no âmago deles naquele momento. Ela se sentou no mesmo sofá que o marido, porém, longe, na outra ponta do móvel. Com um esforço enorme, virou-se na direção dele que a olhava naquele momento de forma impassível:
- Pronto! Já estou aqui. - Ela anunciou o óbvio, com as palavras tremendo em sua boca.
- Ok. Explique-se.
Bruna suspirou profundamente, tentando evitar que lágrimas rolassem e apenas balbuciou:
- Só… aconteceu. - Baixou a cabeça, com vergonha de encarar o marido.
Como ela não continuou, embora Ricardo tivesse aguardado bons segundos, ele próprio a instigou:
- Então é isso, “aconteceu”. Sua justificativa é essa. Não tem mais nada para me falar, Bruna?
- Ah, Ricardo… - Lágrimas começaram a descer pelo rosto de Bruna: - O que você quer que eu diga? Que eu amo o Maurício? Ou que ele é o homem da minha vida? Ou que nós nos apaixonamos perdidamente e queremos viver juntos? Não foi nada disso! Só… aconteceu.
Ricardo a encarou por bons segundos, enquanto ela mantinha a cabeça baixa, ainda sem coragem de encará-lo. Então, ele se levantou e falou:
- Foi mesmo um erro eu ter vindo... Vou pegar algumas roupas e sair.
Ele se dirigiu para o quarto, enquanto Bruna levantava a cabeça para olhá-lo se afastando, realmente sem coragem de encará-lo olhos nos olhos. Ele demorou um bom tempo no quarto, não tendo Bruna saído do seu lugar. Só quando retornou com duas grandes malas de viagem e uma mochila de costas é que ela se deu conta do que estava acontecendo:
- Você está… está… indo embora?
- Nosso relacionamento acabou, Bruna, se é que tivemos algum relacionamento verdadeiro algum dia. É melhor que cada um siga com a sua vida e… - Ele suspirou, engolindo seco, enquanto controlava para não fraquejar: - Eu torço para que você seja feliz no caminho que escolheu. Não desejo o seu mal, mas, hoje, eu sou incapaz de desejar o seu bem também.
Bruna se levantou e foi até ele, parando bem a sua frente e o olhando sem saber se o tocava ou não, mas ainda assim, inconscientemente, repousou a sua mão sobre a dele que ainda segurava uma mala:
- Amor, não… calma! A gente precisa conversar, precisa se entender.
- Você já falou o que queria e não me convenceu de ter feito a coisa certa. Não tenho mais o que fazer aqui, Bruna. Só, acabou…
- Não aceito isso! Eu te amo! Eu… Eu… Eu posso ter errado, mas não foi por amar, ou querer ficar com o Maurício, nada disso! Eu só… foi só um filme, uma encenação.
- Só um filme!? En-ce-na-ção, Bruna? - Ricardo falou pausadamente para não piorar o clima que já era péssimo: - Você me fez de corno literalmente para uma plateia de gente. Descobri que fui traído junto de uma porrada de pessoas. Já passou pela sua cabeça que eles podem estar falando pelas minhas costas neste exato momento? Eu sou o chifrudo da vez, o corno. Aposto até que alguns estão imaginando que eu sabia de tudo e havia permitido, que era um tipo de manso.
- Meu Deus! Amor, eu nunca quis nada disso! Foi só um filme. Não era para ter sido explícito daquele jeito. A gente só queria passar mais verdade na tela, entende? Eu… Eu… já falei com o Antunes, ele vai editar aquela cena. Não vai aparecer mais nada. Ninguém vai pensar mal de você.
- Pois é… Ninguém mais, além de todos aqueles que assistiram a première, irá pensar mal de mim.
- Desculpa! Eu não tive culpa disso. Se eu tivesse assistido ao filme antes, é óbvio que teria pedido para editarem a cena. Também fui pega de surpresa.
- Tá! Nisso, eu até acredito nisso. Só que isso não cancela o fato de você ter me traído.
- Eu… Eu não te traí. Eu nunca deixei de te amar.
- Tá bom, Bruna, não traiu… - Resmungou Ricardo, balançando negativamente a cabeça, enquanto suspirava fundo para não explodir de vez: - Eu vou embora. Não quero mais ficar aqui. Sinto muito, mas não dá mais para mim.
- Mas, amor…
- Por favor! - Ricardo levantou a mão, interrompendo-a: - Não me chama mais de amor, ok? Acabou! Agora, se me dá licença, eu tenho que ir.
Bruna começou a chorar e se colocou diante da porta da sala, bloqueando a saída de Ricardo. Nesse instante, uma discussão se iniciou entre eles, pois ele insistia em querer sair e ela seguia proibindo. Foram quase trinta minutos, nos quais Ricardo demonstrou um autocontrole invejável, mas mesmo Buda teve seus pecados e Ricardo não seria diferente. Num momento em que Bruna voltou a tentar agarrá-lo, ele se desvencilhou de seus braços com um pouco mais de “energia” que, por sua vez, acabou lançando a esposa contra uma parede lateral, levando-a ao chão posteriormente. Ela o olhou surpresa, com lágrimas nos olhos e o arrependimento dele foi imediato, mas as lembranças ainda queimaram recentes em sua memória, por isso não a socorreu.
Nesse instante, a campainha tocou e Ricardo viu uma chance de escapar daquela situação. Ao abrir a porta, porém, deu de cara com dois policiais militares pouco simpáticos que certamente foram chamados por algum vizinho abnegado do casal e, ao verem Bruna ainda caída ao chão, sacaram suas armas e lhe deram voz de prisão:
- Mas… Mas ela só caiu. - Disse Ricardo ao ser algemado e ainda insistiu: - Eu só estava tentando sair de casa. Foi tudo um mal entendido.
- É o que todos dizem, mané, agora não resiste ou vai ser pior.
- Bruna, fala para eles o que aconteceu. - Pediu Ricardo.
- É verdade, moço. Solta ele! - Ela confirmou, já de pé, mas ainda com o semblante de quem havia chorado muito.
- Dona, sabemos como funciona o negócio. Ele é agressivo, te bate, a senhora está apaixonada, vai dizer que nada aconteceu… Sinto muito, mas a nossa orientação é bastante clara: bateu, vai pra delegacia. Lá o doutor advogado dele vai ter a oportunidade de provar que foi tudo um grande mal entendido, né, não, Peçanha?
- Positivo e operante, Sargento Pena! - Repetiu o outro policial que ainda mantinha Ricardo sob a mira de sua arma.
Apesar dos protestos de ambos, Ricardo foi conduzido até a delegacia mais próxima, mas até chegar lá, a humilhação de Ricardo que já não fora pequena, atingiu-lhe uma vez mais: primeiro, no seu andar, ao ver seus vizinhos saírem pelas portas para “verem o que aconteceu”; depois, ao sair algemado do prédio, passando pela portaria e outros tantos condôminos; por fim, ao chegar na delegacia, onde repórteres sensacionalistas reconheceram sua figura ao descer do “chiqueirinho” da viatura policial.
Os policiais, naturalmente, queriam ter o seu instante de glória e vendo que os repórteres já se amontoavam nas proximidades da viatura, Sargento Pena, o mais “enérgico” deles, se adiantou:
- Vamô afastar, vamô afastar… Tem gran fino chegando para dar alô para o doutor delegado, e com hora não marcada, né, não, Peçanha?
- Positivo e operante, Sargento Pena!
- Gran fino!? Mas quem é esse aí, Sargento Pena? O que foi que ele fez? - Perguntou Silvano Silva, um insuspeito repórter de um suspeito noticiário sensacionalista.
- Ah, é um do cinema. Ele faz… Ele faz… O que é que o elemento faz mesmo, Peçanha? - Perguntou Sargento Pena.
- Sei não, Sargento Pena, mas para ter batido na mulher, coisa boa não deve ser. - Respondeu o outro policial.
Quando, enfim, abriu a porta do “chiqueirinho”, gentilmente puxando Ricardo com um safanão, um dos repórteres o conheceu de imediato:
- Caralho! É o Ricardo Santino, o escritor e roteirista.
- Ricardo Santino? Aquele do filme? - Perguntou outro repórter.
- O marido da Bruna Brunetti, que fez um filme mais pornô que o dá chacrete, com o Maurício Pinheiro? - Perguntou um terceiro.
- Esse mesmo!
- Que história de pornô é essa, Silvano? - Perguntou Sargento Pena.
O repórter então fez um breve resumo para o policial que, vendo sua chance “brilhar” e talvez conquistar uma vaga num certo reality exibido num canal global, o chamou num canto e fez a proposta:
- Seguinte: se você me colocar no programa do Jonas Jackson ao vivo, te dou quinhentinho fácil, fácil… Agora mesmo!
- Quinhentinho!? Dá nem para fazer uma ligação para a produção, Sargento Pena.
- Milzinho… Agora!
- Milzinho, eu já consigo tirar o celular do bolso… - Silvano encarou o policial e concluiu: - Mas meu dedo ainda tá meio lento, sabia?
- Milzinho e não te dou umas porradas, porque cê já tá merecendo… - Falou Sargento Pena, fechando a cara.
Silvano vendo que havia esticado demais a corda, aceitou a propina inversa. Foram ambos para trás de uma viatura e logo voltaram, cada qual feliz a seu modo. Silvano então fez uma ligação que rapidamente se transformaria numa entrada “Ao Vivo” no programa sensacionalista “Hora da Verdade”, de Jonas Jackson.
Ricardo nesse meio tempo, permanecia encostado na viatura, vigiado pelo Peçanha, este de poucas palavras, mas nem seriam necessárias muitas, afinal, sua cara fechada já dizia muito e mesmo que não fosse assim, nada que saísse daquela boca pareceria ser favorável à situação de Ricardo, e ele estava certo...
[...]
[CONTINUA]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DA AUTORA, SOB AS PENAS DA LEI.