Seu colo, meu lar!
Capítulo 01
Amanheceu tão rápido, nem parece que dormi por mais de doze horas. Ainda sinto meu corpo cansado, como se todo esse tempo dormindo não fosse o suficiente. Estou aproveitando os últimos dias de férias do trabalho que ainda me restam ㅡ ainda tenho cinco dias ㅡ será que vou ao parque, museu ou sorveteria? Há tanto tempo não sei o quê é saborear aqueles sorvetes regados a confetes, balas de gomas e calda quente. Quero muito reviver a doçura de minha infância. Está decidido, vou tomar um sorvete. Preciso me vestir adequadamente, primeiramente. Não seria de bom tom sair por aí apenas de cueca boxer.
Morar sozinho é o sonho de muita gente. E pensar que quando somos crianças, nossa inocência nos distancia das dificuldades da vida adulta. Se eu pudesse, jamais desejaria crescer. É o quê imagino quando vejo a conta de luz dentro da caixa do correio. Por falar nisso, hoje encontrei mais uma, vou guardar na minha mochila, de cor preta, só para constar. Sei lá, acho que essa cor meio que reflete um pouco meu psicológico. É mais sobre o fato de eu gostar de ambientes escuros e também de silêncio profundo. Tudo isso faz com quê eu me conecte com minha alma solitária e sombria.
De volta ao assunto, eu poderia pagar essa conta hoje, mas não, hoje vou aproveitar meu dia. Eu mereço!
Estou saindo de casa. É início do outono e as folhas das árvores estão caindo com o balançar dos galhos. Não está ventando muito, mas o suficiente para eu lembrar de ter pego um casaco. Sei que com o passar das horas, o clima fresco vai se tornando cada vez mais gélido ㅡ choveu durante toda a noite ㅡ, mas posso tomar o sorvete que tanto quero.
O centro da cidade não está tão movimentado. Eu prefiro essa calmaria. Prefiro quando posso caminhar livremente pelas calçadas sem a importunação de esbarrar em desconhecidos. Sigo sendo somente eu e mais ninguém, até que avisto um amigo.
Miguel me conhece desde menino. Morávamos no mesmo condomínio. Depois que completei a maior idade e adquiri minha independência financeira, parti do ninho para trilhar meu próprio destino sozinho. Eu já não tinha mais pai, ele morreu quando eu ainda era pequenininho, eu tinha três aninhos. Minha mãe faleceu ano passado, ainda sinto como se ela estivesse presente, mesmo tendo partido. Sei que posso viver sem família, mas e sem amor?
Eu não sei o porquê, mas ver o Miguel vindo até mim sorrindo, me fez perceber o quão bonito ele é. Há muito tempo que não o vejo. Será que ele ainda se lembra daquele tempo?
ㅡ Não acredito que é você. Como está, André?
Sinto o forte peitoral de Miguel se chocando contra o meu. É como se estivesse sendo golpeado por um touro. Ele é forte, mais alto do que eu e, com certeza, também deve ser mais pesado. Será que ele faz academia? Com certeza ele faz. Como ele sustenria toda essa vitalidade sendo sedentário como eu? Me vendo agora, de baixo a cima, eu sou magro, nada de músculos saltados, um corpo normal, sem muitos atrativos, mas me considero bonito.
ㅡ Miguel! Jamais poderia imaginar esbarrar contigo. Já faz tanto tempo. Você cresceu. Está mais alto do quê eu.
ㅡ Concordo contigo em relação a altura, mas de nós dois, você sempre foi o mais bonito. Está ocupado? Eu vim resolver umas pendências bancárias, mas queria te convidar pra ir ali rapidinho. Aceita?
Ele está apontando a sorveteria. Que coincidência essa a nossa, não é mesmo? Engraçado, mas acabei de lembrar seus sabores de sorvete favorito ㅡ flocos, maracujá e limão ㅡ tudo misturado.
ㅡ Aceito! Na verdade, eu estava indo pra lá. ㅡ Disse e ele abriu um sorriso.
ㅡ Você acredita em destino? Não sei o porquê, mas antes de encontrar contigo, me lembrei de quando éramos crianças. Então te vejo vindo, que incrível isso. Sou um sujeito de muita sorte, não acha André?
ㅡ Eu acho que sim! Ah, ainda me lembro dos seus sabores favoritos. Você sempre me convencia a escolher sabores iguais aos seus, se lembra disso? ㅡ Ele riu tão alto que me fez voltar a sentir o mesmo carinho de antes.
Estou tão animado com o convite, que posso ouvir meu coração bater tão rápido quanto a bateria de uma escola de samba. Será que ele está ouvindo? Impossível! Ele precisaria estar bem perto de mim, o quê não é o caso.
Estamos atravessando a rua nesse momento. Miguel é tão falante, um tagarela e simpático, que às vezes chega ser irritante. Nem sei como éramos unidos. Eu sempre fui quieto, introspectivo e tímido. Foi ele quem se aproximou de mim. Eu costumava a ficar sozinho no parque, mas ele sempre vinha até mim sorrindo, puxando conversa e me fazia sorrir com seu jeito bobo. Sinto uma saudade que há muito tempo não sentia.
Estamos entrando na sorveteria agora. É estranho, mas ele pegou a minha mão. Me sinto com dez anos de idade novamente. Miguel é tão dono de si. Ele não se importa com nada. Será que Miguel tem namorada?
Continua...
Obrigada pela leitura!!
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