Olá, caros leitores.
Sabe aquela sensação de que uma música pode contar grandes histórias? Ouvindo a canção Mãe Sampa me veio a inspiração para esta trama. Espero que gostem! Mandem feedbacks, eu amo. Bjos e boa leitura.
São Paulo não recebia ninguém com flores. Recebia com buzinas, pressa, olhos baixos e calçadas quebradas. Era o que Paulo pensava enquanto o metrô da Estação da Luz cuspia mais uma leva de gente como ele — anônimos, cansados, recém-chegados.
A mochila estava pesada, mas o peito mais. Dentro dela, um casaco, três camisetas, dois livros que não conseguiria abandonar, e o resto de sua coragem embrulhada numa escova de dentes.
A cidade pulsava ao redor como se quisesse testá-lo.
Ele andava sem rumo, só com uma frase na cabeça: “Mãe, você nem acredita…”
Tirou o celular do bolso e gravou o áudio com a voz baixa:
"Tem muita gente estranha e esquisita em São Paulo… eu gosto de andar com elas. De ser estranho também."
Um bar pequeno, escondido na Consolação, o acolheu no final daquela noite. A meia-luz do lugar iluminava rostos calejados. No balcão, Carlão preparava drinques com movimentos rituais. Dona Néia, a ex-cantora de rádio que parecia saber de todos os segredos da cidade, recebia cada cliente como se fosse parte de um grande espetáculo.
Foi ali que Paulo conheceu Deco — ou melhor, André, conhecido como Deco por todos ali. Um homem de sorriso torto, olhar demorado e cicatrizes discretas no rosto e na alma. Tinha uma presença intensa, como se o ambiente se dobrasse em sua direção.
— Você não é daqui — observou Deco, sem tirar os olhos do copo.
— E você é médium ou só pretensioso? — respondeu Paulo, meio cínico.
— Só alguém que já chegou aqui como você. E sobreviveu.
Conversaram por horas. Deco parecia saber exatamente como arrancar sorrisos de Paulo. No fim da noite, brindaram como velhos amigos:
— A São Paulo. Que destrói e salva na mesma medida — disse Deco.
Naquela noite, quando os dois se despediram, os olhos ficaram presos um no outro por tempo demais. A faísca já havia sido acesa.
Nos dias seguintes, Deco apresentou a cidade como um guia clandestino: grafites escondidos na Liberdade, festas secretas em galpões da Mooca, e o calor abafado dos becos do Bixiga. Paulo mergulhava em tudo, embriagado pelo caos.
Conheceram Ritinha, uma atriz de rua que sonhava com a Broadway e tinha como sidekick sua avó, Dona Zuleika, que lia tarô no Largo do Arouche. Babi, a drag queen que dava aulas de defesa pessoal a outras drags, sonhava em ter um programa policial. Japa, o designer autista e gênio dos memes, narrava tudo em tempo real com um humor ácido.
No coração da história, os corpos de Paulo e Deco colidiam. A paixão era urgente, viva, como se soubessem que o tempo os desafiaria. Beijos eram longos, mãos famintas, madrugadas de suores e gemidos abafados pela música da cidade.
— Nunca pensei que amor fosse isso — confessou Paulo, deitado no peito de Deco.
— Isso o quê?
— Essa coisa que incendeia e acalma ao mesmo tempo.
Mas no escuro da cidade, outros olhos os vigiavam.