A mansão dos Sampaio sempre teve cheiro de madeira encerada, flores caras... e de mentira.
Eu cresci naquele labirinto de luxo como um lembrete incômodo: o erro que Marcelo Sampaio cometeu num fim de semana em Belém do Pará — e que Ester, sua esposa oficial, engoliu como se fosse veneno disfarçado em champanhe. Nunca me amou. No máximo, me tolerava como quem aceita um quadro cafona herdado da sogra morta.
Meu pai era outra coisa. Marcelo era gentil comigo... no limite da culpa. Me dava presentes, me chamava de “filhão” quando ninguém estava por perto, e dizia que via “potencial” em mim. Mas nunca levantou a voz por mim. Nunca bateu o punho na mesa por mim.
Luiza, a filha legítima, sempre foi o trono.
E eu? A cadeira dourada no canto da sala. Bonita. Inútil.
A verdade é que essa família construiu um império em cima das aparências. A Fama nasceu pequena, uma agência de gerenciamento de carreiras que Marcelo criou usando o dinheiro da fortuna da família de Ester. Ao longo dos anos, virou uma potência no mundo do entretenimento e da influência: artistas, atletas, políticos, subcelebridades. Todos passavam pela Fama se quisessem ser alguém — ou parecer alguém.
A sede da empresa ocupa dois andares inteiros de um prédio de vidro e aço na Faria Lima. O símbolo é uma estrela dourada de cinco pontas. Ironia pura. Porque ali dentro, só existe espaço pra uma: a que brilha mais. O resto apodrece nas sombras.
E Luiza sempre teve a luz.
Bonita, articulada, manipuladora de primeira. Marcelo vivia dizendo que ela era “uma líder nata”.
Ela sabia o que queria. E o que queria, sempre foi tirar qualquer ameaça do caminho. Inclusive eu.
Mas eu suportei. Engoli. Sobrevivi. Até Felipe.
Felipe, meu amigo de infância. Meu primeiro amor. Meu erro mais idiota.
Sorriso cínico, olhar faminto, um charme de quinta categoria — mas que funcionava comigo.
Lembro da última vez que ele apareceu no meu apartamento. Estava chovendo. Daquelas chuvas apocalípticas que São Paulo manda como aviso. Ele surgiu à minha porta encharcado, com aquele olhar de coitado que usava sempre que queria algo.
— “Tô ferrado, Leo. A Luiza quer minha cabeça. Disse que se eu errar mais uma vez, tô fora.”
Eu, claro, quis salvá-lo.
Como sempre.
— “Você é melhor do que isso,” eu disse, enquanto tirava o casaco dele. “Só precisa se concentrar. Eu te ajudo.”
Felipe sorriu. Aquele meio sorriso canalha que ele usava quando queria me deixar de joelhos.
— “Você é o único que acredita em mim.”
Naquela noite, ele dormiu na minha cama. Usou minha camisa dourada favorita. Bagunçou meus lençóis. E eu deixei. Porque era Felipe. Porque eu ainda achava que havia amor ali — ou pelo menos alguma versão podre disso.
Dias depois, a bomba caiu.
A conta que eu estava gerindo foi sabotada.
Os erros? Todos rastreados com minha assinatura.
Felipe tinha me deixado exposto. E Luiza estava lá, com aquele olhar de monarca vitoriosa, pronta pra me esfolar em público.
Foi ali que entendi que os dois estavam juntos.
Na cama. Na estratégia.
No meu enterro.
Mas naquela noite, sentado ao piano de cauda no salão silencioso da mansão, com uma taça de conhaque na mão e um gosto de sangue doce na garganta, eu prometi.
Prometi que ia vencer esse novo desafio. Que faria da carreira podre de Aldebaran Rocha uma ressurreição épica. Que transformaria o “Touro Loco” num milagre de marketing.
E quando a imprensa se curvasse de novo à Fama, quando o nome Sampaio brilhasse nas manchetes, todos iriam saber: fui eu quem salvou a empresa.
O bastardo. O banido. O brilho maldito.
Leônidas Sampaio.
Filho do erro. Herdeiro do que restou. E agora, dono da narrativa.