No dia seguinte, o céu de São Paulo amanheceu com aquele cinza engomado que parecia ter saído direto de uma passarela da Balenciaga. Um convite ao caos — e eu aceitei.
Peguei meu carro logo cedo. Um sedã preto brilhando de tão limpo, com bancos de couro bege e ar-condicionado suficiente pra congelar ressentimentos. Vesti meu melhor conjunto de alfaiataria: calça dourada suave, camisa azul cobalto aberta no peito e um sobretudo levemente cintilante. Eu parecia um anjo vingador saído de um editorial de moda — se anjos tivessem ironia no olhar e raiva no estômago.
O destino: Alphaville.
O que, sejamos honestos, é o que acontece quando ricos tentam simular uma cidade dentro da cidade. Muros altos, ruas arborizadas, segurança privada e uma arquitetura que mistura ostentação com vazio emocional.
Era lá que morava Aldebaran Rocha. O famoso “Touro Loco”. Um ex-lutador de MMA com mais processos que cinturões. Ícone de uma masculinidade falida, adorado por homens que se dizem “raiz” e abandonado por qualquer um que ainda tenha um pingo de bom senso.
Diziam que ele estava fora do radar havia meses. Envolvido com bebida, mulheres, brigas em bares, escândalos domésticos, e um divórcio que ocupou mais tempo nos noticiários do que sua última luta. Sua imagem pública estava em frangalhos, sua carreira enterrada sob uma avalanche de vergonha.
Perfeito.
Marcelo queria que eu provasse meu valor? Que mostrasse que podia ser mais do que o filho bastardo bem vestido que decora reuniões com frases afiadas?
Então que fosse com o caso mais podre da agência.
Se eu conseguisse reerguer Aldo, transformá-lo de monstro problemático em garoto-propaganda de sabonetes artesanais veganos...
Bom, aí nem Luiza conseguiria apagar meu brilho.
Estacionei em frente ao triplex dele. Um prédio de luxo que exalava decadência disfarçada de bom gosto. O tipo de lugar onde os móveis custam mais do que a dignidade dos moradores.
Na portaria, fui barrado por um assessor — Júlio, se bem me lembro — que parecia mais um cão de guarda mal treinado.
Mas eu não vim até ali pra pedir permissão.
Eu vim pra tomar.
Não estava no meu vocabulário aceitar limitações impostas por um mero assistente. Júlio podia resmungar o quanto quisesse, mas eu, Leônidas, não esperaria a permissão de ninguém para fazer o que fosse necessário. Naquele instante, a ideia era simples: invadir o refúgio de Aldo e encontrar, na decadência de seu triplex em Alphaville, a oportunidade de mostrar que ele ainda tinha algo a provar.
Do lado de fora, o prédio exalava o luxo típico de Alphaville, um contraste irônico com o caos que eu já sabia que se escondia lá dentro. Ao chegar à porta do apartamento triplex, ignorei as advertências de Júlio – que insistia em me segurar, como se eu fosse roubar o emprego dele – e empurrei a porta com a frieza de quem está acostumado a quebrar barreiras.
A porta se abriu com um rangido que denunciava a invasão, e me deparei com um ambiente que misturava opulência e desordem. Pôsteres de suas vitórias com a imagem polida de um Aldo que há muito havia se tornado um ícone de um passado glorioso, pendiam nas paredes. O cheiro de bebida e o ar impregnado de arrogância se misturavam, marcando o território de um homem que, até então, desconhecia minha existência.
— Aldo? — minha voz cortou o silêncio, carregada de ironia e desafio, enquanto meus olhos percorriam o salão luxuoso.
Na penumbra, o pugilista começou a despertar lentamente, sem saber que aquele seria o começo de um jogo de hostilidade e desejo perverso. Sem cerimônias, dei um passo à frente, ignorando os protestos abafados de Júlio, que insistia em me acompanhar, como se sua lealdade à “ordem” pudesse, de alguma forma, me conter.
— Venho ver se o Touro Loco ainda tem a garra de rugir — declarei, com um sorriso debochado que misturava desprezo e prazer.
— Quem você pensa que é para invadir meu espaço? — ele murmurou, os olhos semiabertos denunciando tanto o cansaço quanto a surpresa.
Júlio, agora mais irritado que nunca, tentou interpor-se:
— Aqui não se permite essa palhaçada. Saia agora, Leônidas, ou vai acabar me deixando com a tarefa de lidar com as consequências dessa sua insolência!
Mas eu não dei atenção. Para mim, cada degrau daquele apartamento era um palco onde minha determinação ganhava forma, e não havia obstáculo que me fizesse recuar. Minha arrogância não conhecia limites: invadi, firme e decidido, como se o destino já estivesse selado. E naquele ambiente onde o luxo se encontrava com a ruína, a tensão entre o ódio e o tesão começava a se instalar de forma quase palpável.
Aquela entrada forçada não era apenas física. Era o estopim de uma batalha silenciosa — uma guerra de egos e ressentimentos onde cada palavra, cada olhar, prometia revelar que, por trás do desprezo, havia uma vontade implacável de transformar a dor em poder.