A casa do Touro Loco era um retrato do próprio dono: decadente, espalhafatosa e com cheiro de frustração vencida.
Depois da nossa pequena guerra verbal no dia anterior, não nos falamos. Júlio me ignorou — como se o fato de eu ter invadido o triplex de seu patrão não tivesse lhe causado um colapso digestivo — e Aldo sumiu do radar. Como um bom macho envergonhado, provavelmente foi se esconder atrás de garrafas e desculpas.
Mas nem era ele o meu problema naquele momento.
Luiza me esperava na Fama.
Ela tinha aquele sorriso de monalisa psicopata, com os olhos faiscando como se tivesse acabado de jogar gasolina em alguma fogueira pessoal. Estava impecável, claro. Blazer justo, salto agulha, batom cor de veneno.
Eu entrei, tirei os óculos escuros, e sorri com os dentes. O tipo de sorriso que antecede a evisceração emocional. Usava um terno perfeitamente ajustado, o cabelo loiro preso num coque displicente e, claro, minhas joias de ouro reluzindo sob a luz branca do escritório — detalhes que irritavam Luiza mais do que eu jamais poderia explicar.
— “Vejo que já preparou o teatro. Só falta o sangue falso, irmãzinha.”
Ela cruzou os braços. — “Teatro? Meu amor, isso aqui é a vida real. E você anda se achando o protagonista de um drama barato de streaming. Só falta a trilha sonora.”
— “Pelo menos eu não me escondo atrás de estagiários e amantes emprestados.”
— “Cuidado com o que diz,” ela retrucou, com um arqueio de sobrancelha que denunciava prazer na provocação. “Você anda nervoso. A convivência com alcoólatras está afetando seu juízo.”
— “Antes um alcoólatra do que uma víbora com diploma de marketing.”
— “Você me chama de víbora, mas quem é que entrou na casa de um cliente sem permissão? Se fosse eu, já estaria demitida.”
— “Mas você não tem coragem. Você joga sujo, mas com luvas de cetim.”
Nesse momento, como em um espetáculo bizarro de má sorte, Felipe entrou na sala. Ele usava aquele terno slim fit que eu ajudei a escolher meses atrás, quando ainda achava que amor era mais forte que ambição.
— “Leozinho,” ele disse, como se meu nome tivesse gosto de menta azeda na boca dele. “Está dando show de novo?”
— “Engraçado você estar aqui, Felipe. Achei que estivesse muito ocupado se promovendo com ideias roubadas.”
Ele soltou uma risada falsa. Luiza mordeu o canto do lábio para não rir alto.
— “Ah, querido... a diferença é que eu sei usar o que me dão.”
— “Claro,” eu disse, me aproximando dele, a centímetros do rosto. “Você usou meu talento, meu tempo, minha confiança. E depois trocou tudo isso por uma noite com a mulher mais gelada do hemisfério sul. Que romântico.”
Luiza interferiu:
— “Você sempre se faz de vítima, Leônidas. A criancinha bastarda que o mundo não compreende. Cresce. Você não é especial. É só mais um herdeiro mimado com crise de identidade.”
— “E você é só mais uma fraude em salto alto, tentando esconder a insegurança atrás de PowerPoint.”
Foi aí que ela jogou a bomba:
— “Ah, falando em esconder... gostei das fotos do apartamento do seu protegido. Um charme aquele monte de garrafas e meias sujas. O fotógrafo foi um achado. Aliás, vendi pra um jornalista famosinho. Espero que o Touro Loco saiba nadar em lama.”
Senti o estômago gelar por um segundo. Mas sorri.
— “Você realmente não tem limites.”
— “Ah, querido,” ela respondeu, se aproximando de mim como uma viúva negra prestes a dar o bote, “limites são para quem tem escrúpulos. E você já devia saber... eu não nasci com isso.”
Ela saiu da sala com Felipe atrás dela, como um poodle bem treinado.
Eu fiquei parado, tentando ignorar o sangue quente subindo pelo pescoço. Respirei fundo, ajeitei o colar de ouro no pescoço, e prometi a mim mesmo que Aldebaran Rocha não só sairia limpo desse escândalo... como seria o melhor maldito garoto-propaganda de sabonetes da história.
E que Luiza ia engolir esse sucesso com glitter e tudo.
Porque se tem uma coisa que minha irmã deixou claro naquela sala, é que ética pra ela é item de decoração.
No mesmo instante, do outro lado da cidade, Aldebaran olhava fixamente para o celular, onde a foto de Cláudia — sua filha — aparecia com um vestido claro, sorrindo, pronta para mais um ensaio da dança de debutante. Ele não respondeu. Como se uma resposta pudesse apagar anos de ausência. Diego, o caçula, passava por ele sem nem dizer bom dia. A ex-mulher, Vanessa, já não gritava. Agora, ela só ignorava. O silêncio dela doía mais que qualquer nocaute. E a cereja do bolo: ela estava saindo com Jonas, um ex-companheiro de octógono, que agora dava aulas de boxe funcional para mães ricas em Moema.
Aldo odiava aquele cenário doméstico, mas odiava ainda mais a si mesmo por tê-lo construído.
E ele sabia que mais cedo ou mais tarde teria que encarar aquilo. Mas agora, o que ele realmente queria... era saber como diabos aquele Leônidas falava tão bem com tanta pose e pulseiras de ouro no braço.
Talvez ele não confiasse, mas estava intrigado. E Aldo odiava estar intrigado.
Enquanto isso, eu — Leônidas Sampaio — já tinha arquitetado meu plano. Aldebaran teria uma nova imagem, uma reconciliação pública com os filhos e, claro, um banho de espuma na campanha dos sabonetes. Tudo para apagar a lama que Luiza tentava espalhar. E se pra isso eu tivesse que arrancar cada garrafa da mão dele e empurrá-lo no chuveiro com as câmeras ligadas, então que assim fosse.
Porque agora era pessoal. E ninguém me passa pra trás duas vezes.