O café com Olga tinha sido frutífero — ou, melhor dizendo, venenoso. Eu saí de lá com um plano quase fechado e a promessa de desgraça pairando sobre Felipe e Luiza como uma tempestade anunciada. Mas agora era hora de cuidar de outras peças do meu jogo. Como Aldo.
Naquela noite, eu me peguei revirando o celular até tarde, montando pastas com as informações que Márcia começava a coletar sobre Venâncio Freitas, o marido da nossa Polaca dos Infernos. Márcia tinha faro para sujeira e Venâncio, segundo os primeiros relatórios, era um lixão disfarçado de CEO.
Enquanto isso, Aldo parecia um adolescente ansioso com o possível apoio de Roberto Rangel. Fiquei orgulhoso — e um pouco entediado. Nada como um macho hétero motivado para transformar cada detalhe em evento histórico.
— Leo, você acha que ele vai topar mesmo bancar o centro? — Aldo perguntou, mexendo no café como se misturar açúcar fosse uma ciência.
— Claro que sim. Ele adora salvar gente… e tem uma quedinha por mim, o que só ajuda. Você devia me agradecer, aliás.
— Eu agradeço — ele disse, com uma cara que tentava esconder um incômodo óbvio. — Não sei o que você ganha com tudo isso, mas… obrigado.
— Ganho controle, Aldo. E isso vale mais que dinheiro.
Na tarde seguinte, nos reunimos no terreno baldio de Paraisópolis onde Aldo sonhava montar o centro. O lugar era dele agora — ele comprara o pedaço exato onde cresceu. Era tudo ali: o barro, os fios pendurados, as crianças jogando bola entre os entulhos, e ele… com os olhos marejados.
— Aqui era minha casa. Meu pai batia em mim por qualquer coisa. Eu cresci na base do grito e do tapa. Quando consegui sair daqui, prometi que um dia voltaria como dono. E voltei. — Ele olhou em volta com algo entre dor e triunfo.
— Bem-vindo de volta. Agora você só precisa não estragar tudo de novo.
Ele riu, seco. — E você? Cresceu onde?
— Três vielas depois da sua. A diferença é que o meu pai nem sabia que eu existia até os dez anos. Aí, do nada, resolveu brincar de ser patriarca. Com atraso e muito dinheiro, claro.
Ficamos ali, em silêncio, vendo dois meninos improvisarem um ringue com caixotes.
Aldo respirou fundo. — Vou fazer isso acontecer, Leo. Nem que eu tenha que vender o carro.
— Com Roberto interessado, vai dar certo.
Naquela noite, saí para jantar com Roberto Rangel. Restaurante novo nos Jardins, luz baixa, gente bem vestida e aquele perfume de dinheiro e decadência. Roberto era o tipo de homem que sabia como preencher um espaço — e como deixar claro o interesse.
— Você sempre foi assim… encantador e perigoso — ele disse, passando a mão no meu pulso com naturalidade.
— E você sempre foi um clichê elegante — retruquei, sorrindo.
A taça de vinho entre nós tremia com a tensão. Ele se aproximou, o rosto a centímetros do meu. Foi aí que ouvi o estrondo. Um copo voando, um garçom gritando, e Aldo.
Ele estava ali, vermelho de raiva, olhos cravados em mim como se eu tivesse matado alguém.
— Você ia mesmo dormir com esse cara só por causa do projeto social?! — ele berrou, os olhos em chamas. — Eu vim aqui jantar com uma amiga e dou de cara com essa palhaçada?!
— Em primeiro lugar, não sou propriedade sua. Em segundo, você tá se humilhando à toa.
A briga virou um show. Todos os olhares do restaurante voltaram-se para nós. Roberto, claramente assustado, pediu a conta às pressas.
— Desculpa. Eu tenho que cuidar de um animal ferido — disse a ele, já puxando Aldo pelo braço.
Na rua, ele andava como uma bomba prestes a explodir. Parei, encarei.
— Se você queria minha atenção, parabéns. Conseguiu. Agora vai me dizer o que é isso?
— É ciúmes, porra! Tá feliz?
O silêncio que se seguiu foi denso. Eu o encarei por um instante e depois, lentamente, me aproximei.
— Repete isso.
— Eu tô com ciúmes, Leo. Eu não consigo te ver com outro cara, com ninguém. Me dá um negócio aqui dentro que eu não sei lidar — ele disse, batendo no próprio peito.
— Engraçado — murmurei — isso parece muito com querer me foder.
Aldo me puxou de repente, e o beijo veio como um soco no estômago. Ardente, urgente, cheio de raiva mal resolvida e desejo acumulado. O mundo sumiu. Ali, na calçada do restaurante, com a cidade inteira em volta.
Minutos depois, entramos no carro dele e seguimos em silêncio até seu apartamento. Nenhum dos dois falou uma palavra. Não precisava.
O silêncio entre nós no carro de volta era um campo minado. Aldo dirigia com os punhos cerrados no volante, o maxilar travado. E eu? Eu fingia que não estava morrendo de vontade de provocá-lo ainda mais. O ciúmes dele era um espetáculo à parte, e por algum motivo masoquista, eu adorava ver esse homem tão grande se desestabilizar por minha causa.
Quando ele fechou a porta do apartamento com força, eu já sabia que o controle — o pouco que me restava — ia pro ralo.
“Você ia mesmo deitar com aquele cara?” — ele perguntou, me encarando como se quisesse me atravessar com os olhos.
“Claro que não”, respondi com ironia. “Ia só pedir permissão pra ele me botar de quatro em cima do contrato do projeto.”
Aldo avançou. Me encurralou na parede da sala com a respiração quente, olhos cravados nos meus. “Você se faz de difícil, mas adora me provocar, né?”
“E você adora se fazer de ogro possessivo. Mas não me engana, Aldebaran. Tu quer. Quer tanto que tá doendo.”
Ele me agarrou com tanta força que a tensão entre nós explodiu num beijo bruto, urgente. Sua língua invadiu minha boca com fome, suas mãos agarraram minha cintura como se tentassem me prender ali pra sempre. Me virou de costas, empurrou meu rosto contra a parede e mordeu meu pescoço.
“Vai pro quarto. Agora.”
Fui. Nem pensei. O som dos nossos passos no piso ecoava como uma contagem regressiva. Quando me joguei na cama, já sabia que não haveria delicadeza — e, sinceramente, não era o que eu queria.
Ele tirou minhas roupas com pressa e brutalidade, expondo meu corpo com olhos famintos. Se despiu e veio por cima de mim com o peso de sua raiva e desejo acumulados. Suas mãos eram ásperas, seu toque imperativo. “Olha pra mim. Eu quero ver sua cara quando eu te foder.”
O calor do corpo dele me queimava. Quando me penetrou, devagar, profundo, soltei um gemido que misturava dor e prazer. Ele me segurava firme pela cintura, investindo com força, me preenchendo com uma voracidade crua. O ritmo aumentava com os suspiros, com os gemidos baixos que eu deixava escapar mesmo tentando engolir.
Aldo me dominava como quem precisava marcar território. Cada estocada era um grito mudo de “você é meu”, e mesmo sem dizer, eu sabia que era verdade. Gozei antes dele, tremendo inteiro, enterrando as unhas nos lençóis. Ele veio logo depois, enterrado em mim até o limite, grunhindo meu nome.
Caímos juntos, suados, exaustos. O peito dele batia contra minhas costas, quente, ainda acelerado. Dormimos assim. Pela primeira vez, dormimos como dois homens que não estavam fingindo mais nada.
Até que…
— “Mas que porra é essa?!”
Júlio. De pé na porta do quarto, com a cara de quem queria explodir o mundo.
Levantei na pressa, enrolei um lençol na cintura, tentando impedir a tempestade. Aldo se sentou na cama, nu, impávido, como se estivesse pronto pra mais uma luta.
“Dá pra você bater antes de entrar, seu idiota?” — rosnei, ainda tonto de sono.
“Eu sou o braço direito dele há anos e agora viro figurante no showzinho particular de vocês dois?”
“Showzinho, Júlio?” — Aldo se levantou. “O que você viu foi verdade. Se isso te incomoda, porta da rua…”
“Você tá me demitindo?” — Júlio gargalhou, mas seus olhos estavam marejados.
“Se continuar com esse drama, sim.”
Eu entrei no meio, ainda enrolado no lençol. “Pera aí, os dois. Júlio, eu entendo sua reação, mas não é motivo pra isso. Aldo, você não pode demitir o cara porque ele tá ferido.”
“Ele me desrespeitou, Leo.”
“E você desrespeita quem te ama todo dia e ninguém te demite por isso.”
Silêncio.
Júlio respirou fundo, limpou os olhos discretamente. “Vocês merecem um ao outro.”
Saiu batendo a porta.
Aldo olhou pra mim, cheio de raiva e frustração. “Você vai defender ele agora?”
“Não. Mas também não vou aplaudir sua impulsividade. Você precisa dele. A gente precisa de aliados, Aldo.”
Ele passou a mão pelo cabelo e afundou no sofá. “Eu só não quero perder você.”
Cheguei perto, sentei ao lado dele. “Então aprende a lidar comigo. E com quem tava aqui antes de você.”
Ele me puxou de novo, dessa vez com menos fúria, mais desejo contido. “Isso é um problema pra depois.”
Eu sorri, mordendo o lábio. “Pra depois, então.”