O dia amanheceu abafado quando Aldo chamou Leônidas para uma conversa no centro de treinamento, ainda em reforma. O cheiro de tinta fresca se misturava ao cimento seco, e o barulho de marteladas fazia fundo à tensão silenciosa entre os dois.
— Júlio me falou de um patrocinador — disse Aldo, sentando no degrau da arquibancada improvisada. — Venâncio Freitas. O cara quer bancar minha volta pro estadual.
Leo arqueou uma sobrancelha.
— Freitas? — ele repetiu, cruzando os braços. — Esse nome tem mais lama do que o Rio Pinheiros em dia de chuva.
— Não começa — Aldo rebateu, o tom ríspido. — O cara é empresário, tem grana e contatos. E, sinceramente, eu preciso competir.
Júlio apareceu na sequência, com um copo de café e aquele ar de quem gostava do caos.
— Freitas pode não ser um santo, mas ele tem influência. E não é qualquer um que quer investir em um quarentão decadente, né? — disse, olhando de soslaio para Leo.
— Obrigado pelo carinho, Júlio — Aldo ironizou, mas sorriu.
Leo suspirou fundo, encarando os dois.
— Se você assinar com esse traste, vai estar vendendo sua alma. E não me olha assim, Aldo. Eu conheço o tipo. Gente como Freitas não dá nada de graça. Vai te usar até a última gota de suor e depois vai te largar sangrando na lona.
— Você tá exagerando — Aldo rebateu. — Isso é só orgulho ferido. Não é você que tá na pindaíba querendo voltar pro ringue.
Leo se aproximou, a expressão endurecida.
— Eu não tô ferido. Mas tô puto por você ser burro. E você, Júlio, devia saber mais. Já viu esse filme antes.
— Olha, Leônidas — Júlio rebateu com um sorriso debochado — só porque você se veste bem e fala difícil, não quer dizer que entende de luta. A gente aqui já comeu o pão que o diabo amassou. Você é só um figurante bem vestido.
Leo respirou fundo. O sangue pulsava nas têmporas.
— Figurante? Que bom que mencionou isso. Porque o figurante aqui hipotecou o apartamento no Morumbi, tá? — Leo sacou uma pasta da bolsa e jogou sobre a mesa improvisada. — Eu vou bancar toda a campanha do Touro Loco no estadual. Viagem, alimentação, uniforme, tudo.
— O quê? — Aldo se levantou num pulo. — Você ficou maluco?
— Não. Eu só não quero ver você rastejando por um cara como Freitas. E mais: eu acredito em você. Talvez mais do que você mesmo acredita.
Antes que Aldo pudesse responder, Freitas chegou, acompanhado de um assessor e carregando o contrato já impresso. Ele olhou com desdém para Leo, depois se dirigiu direto a Aldo.
— Espero que esteja pronto pra assinar, campeão. — E ao ver Leo ali: — Ah, o moço bonito de voz afeminada. Ainda tentando brincar de empresário?
Leo se aproximou, pegou o contrato das mãos de Freitas, e rasgou folha por folha, em silêncio, com os olhos fixos no empresário.
— Que porra é essa?! — gritou Freitas. — Você acha que é quem?
— Eu sou quem vai manter esse homem longe da lama — respondeu Leo, tranquilo.
— Você é só um putinho metido a herói — Freitas cuspiu as palavras. — Vai acabar sendo chutado como todos os outros.
Aldo deu um passo à frente, os punhos cerrados. Seu rosto estava vermelho de raiva.
— Sai do meu centro de treinamento. Agora.
— Você vai se arrepender disso, Rocha. — Freitas ameaçou, apontando o dedo. — Isso aqui era sua chance de voltar ao topo.
— Eu prefiro ficar no chão com dignidade do que subir pelas mãos de um verme. Sai.
Freitas saiu, praguejando. O silêncio caiu por alguns segundos. Leo se virou para Aldo, esperando o sermão.
Mas Aldo apenas bufou, sem conseguir conter um pequeno sorriso.
— Hipotecou o apartamento, é?
— Tudo pelo Touro Loco — Leo respondeu, com falsa modéstia. — Mas se você perder essa luta, vai ter que dividir a cama comigo pro resto da vida, só pra compensar.
Aldo riu.
— Você não presta, Leônidas.
Leo piscou.
— E você adora isso.