Capítulo II
Loren estava sentada na mureta do lado de fora da casa, com as duas pernas cruzadas e o seu pé balançando enquanto me encarava firme, com os seus olhos de águias presos aos meus.
Eu ainda estava muito constrangido e plenamente arrependido do que eu havia feito.
Eu não sou assim, não saio batendo em caras desconhecidos por aí. Estava tão surpreso quanto qualquer um pela minha brusca atitude.
Eu sabia que ela estava esperando que eu lhe contasse o motivo de Christian ter agido tão intimamente comigo há pouquíssimos minutos atrás. No entanto, o que eu poderia dizer?
"Ele está louco assim porque já me viu seminu"?; "Nos conhecemos enquanto eu fazia xixi"?; "Ele me encontrou sozinho, no meio da escuridão da floresta"?
Qual dessas opções era menos perigosa e constrangedora? NENHUMA.
— Então... — ela se pronunciou lentamente, com a sua sobrancelha erguida num ar de investigação — "Dingo Bells"?
— Esquisito, não? — tento disfarçar, mas minha voz soa tão trêmula que mais parece um remix.
— Muito... — ela semicerrou os olhos. — Conhece esse garoto de onde?
Tento aparentar serenidade, contudo, meu corpo se mantém oposto à minha ideia.
Sei que ela só está preocupada, porém também sei que às vezes quer agir como se devesse me proteger de tudo, algo que não deveria ser a sua responsabilidade.
— Não o conheço. Só nos vimos uma vez.
— Onde? — instiga.
Solto um longo suspiro.
— Na nossa reunião na floresta, há 4 dias atrás. Você tinha ido beijar o Kaio e eu precisava mijar. Meio que encontrei ele na floresta, ou bem, ele me encontrou.
Loren arregala os olhos.
— Você se encontrou com um estranho na floresta e não me disse nada, Dy?
— Se eu te contasse, você iria surtar. — sussurro, agora tomado pela culpa de não tê-la sequer a avisado disso.
— É, Dyllon, porque eu sou sua irmã. Não pode simplesmente me esconder essas coisas assim.
Ela solta o ar pelo nariz, se levanta e abre os braços para mim, puxando-me para um abraço.
— Não minta para mim e nem me esconda essas coisas, você não sabe o quanto eu me preocupo com o meu caçulinha.
Rio do seu ato fraternal exagerado.
— Você é apenas um ano mais velha que eu. — Acuso sorrindo.
Ela estapeia a minha cabeça.
— Eu sei, miolo de cérebro, mas eu me preocupo. Você é muito inocente, poderia facilmente ser raptado.
— Não sou criança.
— Nem muito esperto. — ela acrescenta, em tom de brincadeira.
Me afasto para olhá-la nos olhos.
— Sim, senhora. — ironizo, com uma teatral revirada de olhos.
— E fique longe daquela peste alta e tatuada, ele faz coisas horrendas naquela floresta.
— Que tipo de coisas? — Me interesso.
— Rituais satânicos, sacrifícios ou sei lá. Algo assim... — ela passa a mão sobre os cabelos e evita me olhar.
Bem típico de quando está me escondendo algo.
— Já viu ele? O cara é cheio de tatuagem estranha. — cochicha, encarando os seus coturnos.
— Loren, não vamos julgá-lo por ter tatuagem.
— Eu não me refiro às tatuagens em si, mas aos desenhos que elas têm.
Ele tem um bode satânico no braço e a porra do 666 no corpo.
— E onde está o "666"? — aperto os olhos, desconfiada.
— Na lateral da barriga.
— Lô — disparo abismado — Você já o viu pelado! — quase grito.
— O QUÊ? — ela solta um berro fino e desesperado que chama a atenção dos que estão à nossa volta, ao mesmo tempo em que recua um passo.
— Ai meu Deus! Você já dormiu com ele — concluo pasmo, deslizando as duas mãos pelo rosto.
— Não! De jeito nenhum! Eu o vi sem camiseta uma vez em uma festa, Dy. Ficou doido, aquele garoto é um pé no saco. — protesta.
— Não mente.
— Não estou mentindo, eu nunca dormi com ele.
— Não por falta de tentativa — ouço Joshua caçoar se aproximando de nós com Claire ao seu lado.
Loren fica vermelha e lentamente vira a cabeça para ele, como uma boneca de filme de terror.
— Hm? — murmuro com curiosidade.
Ela respira bem fundo antes de finalmente voltar a me olhar.
— Eu achava que nós poderíamos ter algo? Sim. Mas aquele garoto é um escroto, então, não, não rolou nada, e sim... — ela novamente se vira para Joshua — Eu já quis dormir com ele, e ele não quis — logo retorna para mim — Fim de papo!
— Sei — Claire provoca, risonha.
Loren fecha os olhos e balança a cabeça, furiosa com nossos amigos.
— Só se mantenha longe dele, Dy. Ele não presta e você é muito sensível. Christian provavelmente secaria o seu estoque de lágrimas com as besteiras que ele fala.
— Tem que parar de se preocupar tanto assim comigo ou vai envelhecer trinta anos em apenas um.
— Ontem você passou a noite inteira chorando porque assistiu "Marley e eu" e ainda pediu para dormir comigo. — acusa.
Mas filmes que tem mortes de cachorros sempre me deixam abalado, só que, admitir isso, é o mesmo que concordar que eu sou muito sentimentalista, ou seja, daria razões a ela para se manter no meu encalço.
— Vamos, temos que buscar as nossas coisas e dar o fora daqui. — ela avisa, dando de ombros.
A sigo com Claire e Joshua ao meu lado, cheios de cochichos secretos, que, imagino serem sobre a minha irmã e Chris.
Sei que Loren tem um passado amoroso e que nem sempre deram certo, mas ela querer me esconder de Christian a todo custo, é bem suspeito e estranho. O que me leva a pensar que há algo mais esquisito nessa história. Eu só ainda não sei o quê.
Nos dirigimos à sala de estar onde ainda há uma multidão euforica dançando. A brincadeira finalmente parece ter chegado ao seu fim, mas não a noite.
Loren saiu em busca pelo seu casaco, Claire foi atrás do banheiro e Joshua foi se despedir dos seus amigos, enquanto isso, eu acabei sozinha no sofá da sala.
Acabo distraído em pensamentos quando, de repente, sou desperto por uma voz me chamando e noto um corpo parado ao meu lado.
— Ben? Pensei que já tivesse ido. — comento, surpreso.
— Na verdade, eu já estou de saída, mas queria fazer algo antes. — ele retira sua mão do bolso do seu casaco e a estende — Toma, me liga se estiver afim de sair um dia — Benjamin me entrega um pedaço de papel com o seu número de telefone rabiscado — Sei que hoje não foi um dos melhores dias, mas eu te garanto que posso ser um cara bem legal.
Meu rosto cora.
— Eu irei ligar. — sussurro.
Ele joga uma piscadela para mim e então vai embora.
Me encontro olhando e sorrindo para o papel algumas vezes antes de finalmente enfiá-lo em meu casaco.
Eu nunca havia recebido o número de ninguém, e meio que gostei de conhecer a sensação, ainda mais, vinda de um garoto que aparenta ser genuinamente interessante. Um combo bem legal.
— Então quer dizer mesmo que tem mal gosto? — a voz rouca e grave zomba, já se sentando ao meu lado sem nem mesmo ter sido convidado.
Encontro Christian me encarando e meu coração dispara.
— O que está fazendo? — solto, nervoso.
— Só puxando assunto. — suspira, totalmente despreocupado.
A forma em que ele sempre parece estar muito bem à vontade comigo me deixa inconformada. O que o faz pensar que temos intimidade para isso?
— Pra quê?
— Não posso, querido Dingo Bells?
— Não, não pode.
— Então não podemos nem mesmo conversar? — ele ri.
— Não é porque já viu a minha bunda que você pode simplesmente agir como quiser.
Ele repuxa os lábios convicto e meu rosto esquenta.
— Falando nisso... — insinua malicioso — Tem sorte de ter sido eu a te achar primeiro naquele lugar, você não estava exatamente seguro, Dingo Dingo.
— Eu sou um homem gay, nenhum lugar é seguro.
Ele ergue uma sobrancelha.
— É. Tem razão. Mas não era bem disso que eu estava falando.
— À proposito, o que você estava fazendo naquele lugar?
Christian prende o seu olhar no meu e isso faz com que eu sinta frios na barriga.
A intensidade em seu olhar é tão profunda e densa que me faz quase delirar. Não há nada parecido com isso, e eu realmente não sei o que fazer quando ele me olha. E nem mesmo entendo porque reajo assim.
— O mesmo que você. — finalmente responde, estivese tão imerso que nem percebi que estava o encarando tanto quanto ele a mim.
— Ok, mas estava fazendo o que antes disso?
Ele coloca o seu cotovelo no encosto do sofá e apoia o rosto em sua mão, deixando seu corpo deliberadamente voltado para mim.
— Estava... com uma companhia.
Franzo a testa, não conseguindo compreender.
— Não acredito que seja tão inocente assim. — ele parece decepcionado.
Me espanto, quando, por fim, entendo o que ele quis dizer com "companhia".
— Estava...
— Transando — completa, curto e áspero.
Engulo em seco.
— E precisava ser na floresta? — rebato abismado.
— Fetiche é fetiche.
— Você tem um fetiche muito estranho.
— Não era de mim que eu estava falando.
Faço careta.
— Nem todo mundo tem o seu fetiche de bater na cara dos outros, alguns preferem florestas.
— E-eu não tenho fetiche em bater em ninguém.Você é quem passou dos limites hoje. — debato, sentindo-me enrubescer.
— Ainda não passei, Dingo Bells. Mas eu prometo que vou. — garante baixinho.
— Achei você. — Joshua desponta à nossa frente, alternando o seu olhar entre mim e o garoto ao meu lado — E pelo visto, também achei você.
— Joshua, Joshua... — Chris cantarola misterioso.
— Está perdido? — meu amigo retruca, bravo.
Christian rola os olhos em volta de onde estamos, com o mais puro deboche.
— Na verdade... não. Estou onde deveria. — responde cínico.
— É, e está no lugar errado, com a pessoa errada.
Chris ri e passa a língua sobre os lábios. E então, se inclina em minha direção para sussurrar em meu ouvido:
— Nos vemos por aí, Dingo Bells.
Sendo pego de surpresa, ele beija a minha bochecha. Em sequência, se levanta do sofá e caminha tranquilo para o meio da multidão, mas não antes de roubar a garrafa de tequila de um cara qualquer.
— O que ele queria? — Joshua investiga.
— Conversar.
Ele parece confuso, assim como eu, mas opta por não dizer nada, apenas se mantém sério e o encarando de longe.
Por que é que todos agem como se soubessem algo horrível desse garoto?
********************
— Hoje está tão quente! — Luc comenta todo sedutor.
Ele abana a sua camiseta de forma exagerada enquanto arrastamos preguiçosamente nossos pés sobre a ponte de arco que dá acesso do refeitório às salas de aula.
Luc é extremamente bonito; do tipo que te hipnotiza com o sorriso perfeito dele, o corpo atlético, a pele escura e os lábios carnudos, mas não é muito esperto quando o assunto é flerte. Se ele queria que eu visse o abdômen definido dele, era só ter dito, não precisava de todo esse drama.
Prendo um sorriso quando percebo seus olhos castanhos mirados nos meus com a mais pura malícia.
Aos doze anos, eu caia de amores por Luc, mas, para a minha completa falta de sorte, ele era apaixonado por Loren. Então, por dois anos seguidos, eu tive que enfrentar uma paixão platônica, até que finalmente consegui deixar esse sentimento de lado, no entanto, como mágica, ele passou a gostar de mim, desde então, colou no meu pé como chiclete. Porém, já faz um bom tempo que não o vejo mais assim.
O fato de sermos amigos nunca o impediu de tentar, e, apesar de eu nunca aceitar as suas investidas, também gosto de provocá-lo.
Meio que se tornou um lance só nosso.
— Você ficaria mais refrescado se tirasse a camiseta de uma só vez. Aposto que a sua linda pele máscula adoraria absorver vitamina D, meu caro. Só uma sugestão. — balanço as sobrancelhas e ele cai na risada.
— Seria ótimo, meu caro, mas em cinco minutos eu já teria ganhado duas advertências. — Luc revira os olhos e finjo estar decepcionado, mas a minha horrível atuação o faz gargalhar ainda mais.
Disfarçadamente, sinto-o colocar seus braços em volta da minha cintura, puxando-me para perto dele. Finjo não notar quando, vez ou outra, as pontas dos seus dedos escorregam rumo ao meu quadril e voltam, em um vai e vem.
— Quer matar a aula de inglês, Dy? — sussurra, os lábios roçando a ponta da minha orelha.
Ele seria perfeito demais, se não fosse um baita galinha.
— Não. Eu quero um futuro. — desconverso me afastando de seu abraço.
— O que eu tenho para lhe dar ali no cantinho, será mais gostoso que uma aula chata. — Luc me joga uma piscadela.
— Isso aí será momentâneo, meu caro. Momentâneo. Meu futuro vai durar bem mais do que meros dois minutos.
Sorrio ao vê-lo fazer careta.
— Olhe! Elas parecem animadas hoje. — ele aponta com o queixo para as carpas no pequeno lago artificial debaixo de nós e inclinamos o tronco no guarda-corpo para observá-las.
Os peixes coloridos nadam com calma de um lugar para o outro, descendo na pequena cachoeira de pedras e descendo até o fim do lago, para então, darem a volta por um lado mais raso e subirem novamente.
— As coitadas devem mesmo é estarem enlouquecendo depois de serem obrigadas a conviver todo santo dia com tanto adolescente. — comento.
— Pelo menos elas ficam bonitas como decoração.
— Elas não fazem parte da decoração, Luc. Elas são uma herança cultural. — implico
— Tanto faz, você entendeu o que eu quis dizer. — ele balança os ombros.
Pequenas partes dos nossos costumes, como: alguns festivais de danças, arte e ornamentação, vieram de vestígios japoneses, já que, quem de fato descobriu a nossa ilha, foi uma velha família da nobreza japonesa; Os grandes e famosos Tanakas. A família mais vil e rica de Nabrya.
Há tantos boatos esquisitos dessas pessoas que é até difícil ter um pouco sequer de gratidão por essas pequenas heranças que eles nos deixaram, visto que, há um longo histórico de torturas, rituais, intimidação e ganância em seu nome.
Hoje em dia sabemos apenas que eles existem, pois, ao passar dos anos, pouco a pouco ganharam uma identidade mais anônima, até que se tornaram apenas fantasmas ocultos convivendo em nossa cidade. O que só torna a história toda mais bizarra.
— Saco! — Luc resmunga.
— Que foi?
— Tenho um jantar importante hoje com os meus pais. Odeio ter que pensar em faculdade agora.
— Já não está no quarto ano? Deveria começar a pensar nisso.
Ele torce o nariz.
— Nem sei ainda o que eu quero fazer. — murmura.
— Bom, então procure algo. Nossa escola criou um ano a mais no ensino médio justamente para isso. Só não invente de tirar um ano sabático. Isso é coisa de gente preguiçosa.
— Dyllon, ainda bem que você é muito lindo, porque às vezes, você consegue ser irritante pra caralho — reclama, fazendo-me rir.
Me aproximo e puxo o seu rosto para mim, dando-lhe um beijo na bochecha.
— Você vai se descobrir, não se preocupa. — Sorrio gentil e ele faz o mesmo.
Luc lentamente aproxima o seu rosto do meu, mas desvio a tempo de ele chegar em meus lábios.
— É a quinta vez só hoje. — pontuo.
Ele ergue a cabeça ao alto.
— Deus, faça com que ele me aceite como o namorado dele um dia. Eu não aguento mais levar fora.
Dou-lhe um murro fraco no peito.
— Cai fora. Eu vou pra aula.
Dou-lhe as costas e apresso os passos para entrar em sala de aula antes dos outros. Odeio chegar atrasado, sinto como se todos soubessem de algo que eu não sei.
Por sorte não me atrasei tanto quanto Luc queria, sou o segundo a chegar e me sento na sétima cadeira da terceira fileira. Meu lugar favorito.
Aos poucos a sala vai se enchendo e um tumultuado de vozes começa a gradualmente aumentar.
Alguns dos garotos da minha sala entram animados e chutam coisas causando o maior barulho.
Céus, não vejo a hora de dar o fora daqui.
À esquerda, vejo um grupo de garotas conversando, todas parecem serem super amigas, do tipo que você olha e acha muito brega, mas que por alguma razão adoraria fazer parte. Curvo um pequeno sorriso quando as vejo rirem.
É uma droga não se encaixar, mesmo sendo convidado a participar. O único que ainda tenta andar comigo, é o Luc, porque tá sempre tentando me beijar. E a minha irmã, porque é a minha irmã, mas hoje ela infelizmente faltou. Ontem extrapolou na bebida pós-festa e está com tanta ressaca que mal consegue ouvir o som da própria voz.
Loren diz que só aproveitou mais do que deveria, porém, eu particularmente acho que o lance com o Christian a afetou mais do que ela deixa transparecer.
O professor entra após alguns minutos. A sala inteira se acomoda em seus lugares e todos se mantêm em silêncio. Ao menos ainda respeitam alguma autoridade.
— Olá, queridos alunos. — o homem baixinho anuncia animado e a sala responde um "Olá" em uníssono.
O senhor de idade sorri, mostrando todos os seus dentes amarelados e desgatados; Parece prestes a contar uma deliciosa fofoca ou uma grande novidade, ou quem sabe, os dois.
— Hoje teremos uma participação muito agradável. Teremos um estagiário observando e auxiliando na aula, então sejam educados. — revela, enquanto articula com as mãos.
Ele aponta para a porta, e todos os olhos se vão para lá, de modo que mais parece que a própria Beyoncé vá entrar na sala
Sou tomada pelo choque no instante em que Christian surge na entrada da sala com uma bolsa de professor pendurada no ombro esquerdo. Senti o sangue fugir do rosto e meu corpo paralisar.
Suas mãos estão enfiadas nos bolsos da calça Caqui. Os ombros relaxados, mas a expressão fatalmente séria em seu rosto. Seus olhos vagam devagar pela sala de aula, tal como procurassem por alguém.
Notei quando os burburinhos deram início, principalmente os das garotas.
Mas é claro que falariam dele, por que não falariam? Céus, ele é tão duramente lindo!
Christian por fim adentrou o lugar e, sem hesitar, depositou sua bolsa sobre a mesa do professor, que, por ser extretamente humilde, não ligou para o gesto arrogante dessa torre tatuada e prepotente.
— Meninas e meninos, esse é o Christian. Em breve ele também estará se tornando um professor. — o ancião apresentou-o, já que o homem tatuado não parecia que iria o fazer.
Pisco algumas vezes, atordoado.
Seu olhar passeava pela sala de aula com atenção, ainda não havia me avistado, ou, ao menos, até o exato instante. Um arrepio percorreu minha coluna assim que seus olhos esmeraldas recaíram sobre os meus, ainda mais sombrios.
Ele não os moveu, me encarou com tanta rigidez que quase implorei para que parasse com aquilo.
Eu quase realmente enfiei minha cabeça dentro da minha mochila, mas, ainda assim, ele não iria magicamente desaparecer.
No decorrer da aula, Christian tomou um tempo para lecionar. Mesmo que estivesse explicando um assunto para mais de 35 alunos, era sempre em mim que seu olhar cravava violentamente.
Minha pele parecia queimar e meu estômago embrulhava toda vez que Christian olhava para mim. E ele olhava muito para mim.
Me sentia impaciente e agitado. Conferia meu relógio a cada dois minutos, mas o tempo dava a impressão de nunca passar. Já não conseguia mais parar de balançar a perna e de suspirar, frustrada.
Estava distraído em meio ao turbilhão de pensamentos ansiosos da minha mente, quando, de repente, vi sua mão pousar na superfície da minha mesa. Meu olhar naturalmente subiu pelo seu braço e encontrou o seu pesando sobre mim.
— Tem alguma dúvida quanto ao assunto do seu dever, senhor Bell? — perguntou, seco.
Por um breve instante eu não reaji, apenas fiquei o encarando como um completa idiota. Até que enfim, balançei a cabeça, negando, sem nem mesmo ter prestado atenção no que ele dizia.
Christian franze a testa.
— Ainda não respondeu nada.
Ele aponta com o queixo para a folha em branco em cima da carteira e arregalo os olhos.
— Droga! Quando foi que isso veio parar aqui? — sussurro, espantado.
— Desde que a sua colega de classe entregou um desses a todos.
Mordo o lábio inferior, constrangido.
Christian se distancia, mas não demora muito a voltar com uma cadeira, sentando-se ao meu lado.
— O que está fazendo? — questiono, surpreso.
Ainda não sei como reagir perto dele, e sempre que estamos perto, eu esqueço de como um ser humano normal age.
— Vou ajudá-lo com a lição.
Ergo uma sobrancelha.
Christian olha para o professor, que nos encara com curiosidade.
— Ele está com dificuldades em responder — explica.
— Oh, claro! — o professor sorri.
Olho para o garoto ao meu lado, irritada.
— Não estou com dificuldades, não.
Chris põe a mão discretamente sobre a minha coxa, em um lugar um tanto quanto íntimo e a aperta.
— Agora está. — decreta, gélido.
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— Está mesmo entendendo o assunto, senhor Bell? — Chris pressiona sua coxa na minha.
Engulo em seco, sentindo a vermelhidão tomar conta da minha face.
— S-sim.
Eu já estava terminando a lição, mas, ele continuava a me atormentar, como se sentisse prazer ao me ver desconcertado ao seu lado. Sempre averiguando cada mínimo detalhe e tendo a certeza de que iria me deixar ainda mais nervoso na sua intoxicante presença.
Cada palavra que saia de seus lábios era rígida. Sua postura era sempre imponente e ameaçadora. Não sabia o que havia feito para ele agir assim, mas me mantive quieta enquanto ele me explicava — obrigatoriamente — um assunto que eu já sabia.
Respiro fundo, mas o ar parece entrecortado.
Por mais que eu tenha me esforçado para me manter tranquilo, fraquejei diversas vezes. E tudo culpa da incessante pressão que Christian fazia em meu corpo.
— Por que está tão distraído então? — Sua voz soa mais baixo desta vez.
Seu olhar parecia querer impulsionar uma resposta da minha parte, no entanto, tudo o que eu fiz, foi balançar a cabeça e dar continuidade ao que estava escrevendo. Estava tão estressado com a situação que a minha letra virou um completo garrancho cheio de tremidas em toda a atividade.
De repente, o som estridente e contínuo do alarme assoma o lugar.
Finalmente!
Meus ombros, antes tensos, relaxam e meu corpo se inunda de alívio ao saber que, enfim, sairia daquela aula após cerca de 35 minutos com Christian ao meu lado, olhando-me impiedoso.
Durante todo o tempo em que a torre tatuada permaneceu comigo, temi que fosse aprontar algo macabro. Eu não conseguia dizer nem mesmo uma frase inteira sem gaguejar.
Ele não se levantou para ajudar os outros com o dever. E, na única vez em que o chamaram — mesmo que as intenções da aluna parecessem outras — Chris a incentivou, de maneira nada sutil, que ela se dirgisse ao professor, pois, pelo visto, ficar ao meu lado era tão necessário que ele não estava nem aí para o restante da sala. Desde então, os alunos ficaram receosos de pedirem seu o auxílio novamente.
Vicente, nosso professor, nos olhou desconfiado por diversas vezes, mas não se atreveu a nos confrontar. Acho que até o próprio tem um pouco de medo de Christian, mas, quem não teria?
Assim que os alunos começaram a guardar os seus materiais, Chris se aproximou do meu ouvido e automaticamente congelei no lugar quando senti sua respiração quente no meu pescoço.
— Nos vemos em breve, Dingo Bells. Eu estou de olho em você. — alerta sério, e só então, ele se põe de pé, afastando-se rapidamente.
Sentindo meu rosto queimar de vergonha pela ideia de que alguém possa ter nos escutado, olho em volta para dar uma conferida, todavia, ninguém parece ter prestado atenção. Tento processar o que acabou de acontecer, mas Chris ainda é um enigma complexo demais para mim. Meu coração ainda está disparado no peito quando consigo voltar a respirar normalmente.
De longe, o vejo se juntar ao professor. Antes dele cair fora, seu olhar procura o meu uma última vez e um sorriso perverso pinta os seus lábios.
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Luc me alcançou na hora da saída para me acompanhar até o meu carro como sempre fazia, mas, assim que começamos a andar, ele parou no lugar e me olhou com cara de quem sabia que havia algo errado comigo.
Meu amigo ergueu o olhar e me analisou de cima a baixo com os olhos semicerrados.
— Você está... estranho. — decretou, franzindo a testa.
Ele agarrou o meu queixo para examinar o meu rosto, mas bati em sua mão para que me soltasse.
Pelo visto, estava literalmente estampado na minha cara que eu ainda estava balançado com o que havia acontecido na sala.
Depois daquela aula, eu não conseguia parar de pensar em Christian um segundo sequer. Ele havia conseguido arranjar um jeito de grudar na minha cabeça e me consumir completamente como se estivesse drenando as minhas energias.
Luc consegue ser muito intrometido quando está preocupado, mas não quero lhe dar motivos para isso ou ele vai querer dar um de "macho alfa" para o meu lado, então apenas dou de ombros.
— Não é nada.
Me esforço para fingir pouco caso e enrolo uma mecha do meu cabelo entre os dedos, porém, sinto seu olhar desconfiado sobre mim.
— O que houve? — instiga.
Eu sou a pior pessoa do mundo mentindo, mas agora eu realmente vou precisar da minha melhor perfomance ou ele vai me questionar até semana que vem sobre isso. Solto um suspiro exagerado e repuxo o canto dos lábios para baixo.
— Sei lá, só devo estar cansado. Não gosto de ter que ficar o dia inteiro na escola quando Loren não vem.
Luc parece mais aliviado e passa os braços ao redor dos meus ombros.
— Você tem a mim.
— É, mas você não é a minha irmã. Você é um descarado. — O afasto e ele ri.
— Você me ama que eu sei.
— Você que pensa. — gracejo.
— Quando é que você vai deixar de ser tão frio e vai me convidar para sair, Dy? — ele cruza os braços.
— Não sou frio, eu sempre te chamo para sair.
— Você me chama para festas, e eu, mereço um encontro. — rebate, frustrado.
— Não.
Ele bufa, mas finjo não ouvi-lo. Ignorando a sua insistência por um encontro, seguimos para o estacionamento, onde os amigos de Luc nos olham com sorrisinhos bobos ao passarmos por eles, pois juram que existe algo rolando entre nós, no entanto, a realidade é bem diferente.
Ao alcançarmos o meu sedan, paramos frente a frente, o que acaba me proporcionando a visão do seu rosto de cachorro chutado.
— Você merece um pouco de juízo, Luc.
Ele encosta o seu corpo em meu carro e curva um sorrisinho.
— Oh, Dyllon. Só me dê uma chancezinha e eu vou te mostrar que eu sou o homem da sua vida.
Rio alto disso e balanço a cabeça.
— Não mesmo.
Passo por ele e jogo as minhas coisas dentro do carro, quando volto para onde estava, o encontrando olhando fixamente para um ponto específico.
— Tá olhando o que? — pergunto, sorrindo.
— Por que o Christian está nos encarando?
A expressão bem-humorada evapora de meu rosto e arregalo os olhos.
— O-o que? — indago nervoso.
— Ali, logo ao lado do carro — sussurra, baixando o olhar para os seus próprios pés, a fim de disfarçar.
Passo os olhos pelo lugar, e o encontro do outro lado do estacionamento, o corpo apoiado em uma ranger vermelha, uma de suas mãos no bolso e a outra segurando um cigarro nos lábios. Christian nos encara sem o menor pudor ou constrangimento.
Noto que os seus olhos se demoram em Luc. A forma em que ele o encara me causa calafrios.
Uno as sobrancelhas e alterno meu olhar entre Chris e o meu amigo, ainda sem entender o que está havendo.
— Você fez algo para ele? — Investigo, sério.
— Eu não. Só o vi algumas vezes em algumas festas Não imaginei que ele estivesse aqui hoje.
— Eu acho melhor você ir embora. Ele está te olhando muito estranho.
Luc revira os olhos, não dando a mínima, mas se despede com um forte abraço que quase me parte em dois.
— Está me devendo um encontro — pontua.
— Não estou, não.
— Eu vou cobrar — avisa, ao passo em que se afasta andando de costas — Já vou antes que eu leve uma surra.
Balanço a cabeça em concordância e me obrigo a rir para camuflar o nervosismo, o que acaba soando mais como um motor morrendo.
Assim que Luc ganha distância o bastante, volto a olhar para Christian, que, agora, me observa atentamente.
Ao perceber que eu o encarava, ele acenou de leve com a cabeça enquanto mantinha um sorriso perverso.
Meu rosto esquentou e fechei os punhos diante da situação.
— Seu psicopata — sussurro sozinho e viro-me para o meu carro.
Não voltei a olhá-lo, mas senti que ele manteve seu olhar queimando sobre mim durante todo o tempo em que usei para ir embora.