Capítulo Bônus 2: Emmett e os novos horizontes

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2859 palavras
Data: 15/04/2025 04:39:32

Escrito por Emmett

Os gritos da torcida ainda ecoam na minha cabeça. A Freedom High School estava lotada naquela noite. O placar marcava segundos finais e a vitória estava por um fio. Eu vi a bola voando em direção ao adversário e sabia que só havia uma chance. Corri, saltei e interceptei o passe no último instante. A multidão explodiu em aplausos, meus companheiros me ergueram nos ombros, e naquele momento, eu era invencível.

Mas os aplausos se transformaram em um barulho ensurdecedor. O céu escureceu, o vento rugiu e, antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, o Furacão Fernandes invadiu o campo. Fui arremessado para fora como um boneco de pano, e tudo virou escuridão.

— Não! — Gritei ao acordar, ofegante. Meu peito subia e descia rápido, o suor frio escorrendo pela testa. O quarto ainda estava mergulhado na penumbra, iluminado apenas pela luz fraca do poste do lado de fora. Olhei ao redor, tentando me lembrar de onde estava, tentando convencer meu cérebro de que era apenas um sonho.

Foi quando senti.

Um calor úmido no meu calção.

— Droga... — Murmurei, fechando os olhos por um instante, deixando a frustração pesar sobre mim.

Quatro meses. Quatro meses desde o Furacão Fernandes. Quatro meses desde que minha vida virou de cabeça para baixo. De promessa do futebol americano a um pária, tudo por causa de um capricho da natureza. Um golpe do destino que levou meu braço direito, minha identidade e, aos poucos, minha sanidade.

Suspirei, sentindo a humilhação se infiltrar no meu peito como um veneno silencioso. Já deveria ter me acostumado, mas ainda doía. Ainda me fazia querer socar alguma coisa — se eu pudesse.

Levantei da cama, tirei os lençóis encharcados e os joguei no cesto, pegando um jogo novo. A cama estava protegida por um plástico fino. Sempre. Precaução. Eu já sabia como seria.

Pesadelos. Sempre os mesmos. Sempre tão vívidos que meu corpo reagia como se ainda estivesse lá, como se o vento ainda uivasse, como se a tempestade nunca tivesse acabado.

Mas acabou. E eu fiquei aqui, preso nos destroços.

Nos últimos meses, minha vida tem sido uma constante visita aos médicos e à fisioterapia. Minha mãe pirou no início, mas aos poucos foi aceitando o fato de ter um filho PcD. Sabe um fato engraçado? Eu sou canhoto e perdi o braço direito. Sorte? Talvez.

Como o furacão levou tudo, inclusive a escola, eu e os outros colegas sobreviventes fomos enviados para outras instituições. Mamãe, como sempre, decidiu me matricular na Cleverfield High School, que já era o plano inicial, mas que nunca me atraiu por um motivo simples: não contava com um bom time de futebol americano.

Na maior parte do tempo, eu me isolo dos outros alunos. Mas percebo os comentários e olhares. Alguns são simpáticos, enquanto outros me tratam como um doente terminal. Sério, uma garota da minha sala de química pediu para trocar de parceiro porque se sentia incomodada com o meu braço decepado. Por outro lado, um rapaz está sendo solícito demais, a ponto de querer carregar minha mochila para todos os cantos.

E no meio de todo esse caos, tem o George Fletcher Sanches. Eu me senti tão em paz quando estávamos juntos no olho do furacão. Ali, pude conhecer melhor o meu colega, aquele que um dia tanto maltratei. Foi estranhamente confortante compartilhar o medo, a incerteza e, de certa forma, a esperança com ele. Agora, de volta à realidade, não sei como agir. Ele também mudou. Todos mudamos. E talvez, por mais estranho que pareça, seja com ele que eu possa me reencontrar.

Se estou vivo hoje, é por causa do George . Ele não tinha obrigação nenhuma comigo, mas mesmo assim não deixou a peteca cair. Até hoje lembro de nós dois presos nos escombros do ginásio da escola. Uma viga de madeira havia estraçalhado meu braço direito e, por um momento, eu quase me entreguei. Mas a coragem dele me deu força.

Eu fui tão idiota com ele. Deixei o meu medo vencer e usei contra ele algo que também existia dentro de mim. Diferente de mim, George se assumiu para os pais e foi aceito. Certeza que a minha mãe nunca aceitaria um filho gay. Então, tive que fingir, precisei me esconder e atacar todos aqueles que pareciam diferentes.

Mas estou cansado disso. Eu não quero mais fingir. Em uma terça-feira fria, assumi para o meu pai. Aos prantos, contei que havia um lado meu que ele nunca tinha conhecido. Meu pai me abraçou e garantiu que nada mudaria. Pediu apenas para não contar nada para a mamãe.

Nem preciso dizer que foi como tirar a pata de um elefante do meu peito. Eu conseguia respirar, eu conseguia ser eu.

Após um longo dia de aula, fui guardar meus livros e encontrei uma carta do George. Olhei para o papel durante horas e só tive coragem de ler de madrugada. As palavras dele eram pesadas, mas eu tinha feito tudo aquilo com ele. Os nomes baixos, as microagressões, as humilhações. Mas no final, ele me perdoava.

Era tudo o que eu precisava saber. Usei a força que George me deu para melhorar e evoluir. Passei a ser gentil com as pessoas ao meu redor. E também tentava não passar a sensação de vítima. Eu não era uma vítima, eu era um sobrevivente.

***

Eu nunca pensei que comprar uma camiseta pudesse ser tão... complicado. Não era nem uma questão de gosto ou estilo, mas de função. As lojas pareciam um campo minado de zíperes, botões e etiquetas difíceis de alcançar com uma só mão. E, claro, a minha mãe achou que um outlet gigante no meio da Flórida resolveria todos os meus problemas.

Só que, ao invés de me ajudar, ela estava presa ao celular, com aquela cara séria de "cliente em crise". Não demorou muito pra ela ativar o modo advogada — tirou o notebook da bolsa como se fosse uma arma secreta, achou uma mesa na praça de alimentação e mergulhou de cabeça em e-mails, chamadas, documentos e sei lá mais o quê.

Sobrava eu, vagando entre vitrines com roupas que não pareciam feitas pra alguém como eu. Acabei desistindo por um tempo e sentei num banco qualquer com meu celular. Você já tentou mexer no Instagram com uma mão só? É tipo tentar fazer malabarismo com uma laranja e uma bola de boliche. Por sorte, meu celular tem aquele modo pra uma mão só — santo seja o desenvolvedor que criou isso.

Claro que, quando a vida para um pouquinho, a gente começa a fazer besteira. Fui xeretar o perfil do George. De novo. Ele tinha postado uma foto com o Nathan, aquele gêmeo esquisito que parece ter saído de um filme indie alternativo. Os dois estavam rindo, e havia alguma legenda idiota com emojis de raio e câmera fotográfica. Eles estão bem amigos ultimamente... até demais. Será que...?

— Emmett?

A voz me tirou do devaneio na hora. Eu conhecia aquele tom. Meio surpreso, meio curioso, com um toque de "faz tempo, hein?". Quando olhei, lá estava ele: Aiden Bright.

Um dos meus antigos colegas da Freedom High School. Ele usava aquela jaqueta que os jogadores amam, mesmo no calor da Flórida, como se fosse um uniforme de guerra. E talvez fosse, pra ele. Pra todos eles, na verdade. Os sobreviventes da Freedom foram parar na Green Hills High School, o paraíso das promessas do futebol. Um lugar que, até alguns meses atrás, estava no meu mapa também.

— Cara, você tá...

A reação dele quando viu meu braço — ou a ausência dele — foi... bom, digamos que inesquecível. Aiden congelou por um segundo, os olhos arregalados, e a expressão de pena apareceu como um reflexo, como se estivesse programada no rosto dele. Eu quase disse "não faz essa cara" em voz alta, mas me contive.

A gente se sentou, e eu contei um pouco da minha nova rotina: hospital, fisioterapia, psicólogos, e aquela sensação constante de que todo mundo me olha diferente. Aiden foi legal. Não fez perguntas idiotas, só ouviu, e depois me contou que o time está indo bem, treinando muito, sonhando alto. Fico feliz por eles. De verdade. Mas tem uma parte de mim que ainda sente que deveria estar lá também. Correndo. Jogando. Gritando no vestiário depois de uma vitória suada.

No fim, a gente tirou uma selfie — um daqueles sorrisos forçados, mas não tão forçados assim — e ele foi embora.

Fiquei ali mais um tempo, olhando a foto, depois a apaguei. Não por raiva, só... não sei. Não gostei de como meu ombro amputado parecia destoar. Como se estivesse lembrando a todo mundo — inclusive a mim — que o Emmett do passado não volta mais.

E talvez... talvez tudo bem.

***

Sabe o que não está nada bem? Me encontrar na hierarquia escolar. Assim como na antiga escola, essa também tem uma hierarquia. Antigamente, eu estaria sentado na mesa dos atletas, mas aqui eu sou um zé ninguém, ou seja, preciso ganhar o respeito das pessoas.

Eu conversei com o coordenador pedagógico e perguntei se poderia acompanhar os treinos de futebol. O time daqui é péssimo, sério, mas eu sentia falta de uma rotina na minha vida. Sou atleta desde que me lembro, então não conheço outro jeito de viver.

Infelizmente, eu não poderia participar do time, mas só acompanhar já ia melhorar o meu dia. O treinador Willians foi super grosseiro quando me recebeu e percebi que os alunos também não faziam questão de me ter ali. Na real, nem pra ser gandula eu servia, tentei pegar a bola no chão e foi um desastre.

Fiquei muito triste e decidi ir para arquibancada. De repente, a professora de Educação Física se aproximou. Seu nome era Anisha Yadav, uma mulher de origem indiana e que cheirava a maçã com canela. Ela explicou que me viu ali e decidiu parar para conversar.

Expliquei toda a minha situação. A perda do braço e o fato de me sentir perdido. A professora me animou e explicou que existiam outros esportes, além do futebol americano. Que o meu corpo de atleta poderia se adaptar, principalmente porque era jovem.

— Quer saber, Sr. Montgomery-Kerr. Eu gostei de você. — Ela disse, pegando no meu ombro e sorrindo. Sua pele morena parecia reluzir sob o sol e, pela primeira vez, me senti acolhido de verdade nessa escola. — Na sexta-feira, vai ter uma seletiva para a equipe de natação. É um novo clube que vai ser feito, afinal, precisamos justificar aquela piscina gigante.

— Natação? — Perguntei.

— Sim. Você tem a gana de um atleta. Se colocar sua energia em outra atividade tenho certeza que vai se sair bem. — Ela garantiu.

— Eu posso pensar?

— Claro. Sexta-feira vou estar na quadra de natação. Conto com você. — Ela se despediu e desceu as escadas da arquibancada.

Natação? Eu nunca me imaginei como um exímio nadador, mas eu adorava as competições de natação da antiga escola. Eu comecei a pesquisar sobre atletas com deficiência e me vi em diversos esportes. No futebol americano, eu tinha a posição mais importante, o quarterback. Eu era responsável por receber a bola e distribuir para os outros companheiros. Ou seja, precisava de agilidade e visão de jogo.

Ao chegar em casa, contei para os meus pais sobre o convite e o único que gostou foi o meu pai, enquanto a minha mãe ainda estava de luto pela minha antiga posição no campo. Eu não conseguia entendê-la, tudo tinha que ser perfeito e nada além de perfeito.

Nessas horas eu sentia a falta da Rachel. Nossa amizade começou em uma manhã fria de inverno. Eu a encontrei chorando no ginásio da escola. Ela explicou que o melhor amigo tinha se assumido gay e sua reação foi a pior possível. Porém, Rachel não era homofóbica, apenas estava apaixonada pelo amigo, no caso, o George.

Passamos a sair com frequência e percebi que podia confiar nela. Juntei toda a coragem do mundo e saí do armário também. A Rachel foi super receptiva, inclusive, se sentiu mal, porque não teve a mesma atitude com George.

Ela viu de perto a pressão que eu sofria da minha mãe e acabou tendo a ideia de ser a minha namorada de mentirinha. No início eu não queria, mas acabei topando. Para o mundo, a gente era o casal perfeito, mas dentro da nossa bolha éramos pessoas tristes se apoiando em um momento difícil.

Eu choro todas as noites pensando nela. Eu podia protegê-la. Eu não deveria ter a deixado sair de perto de mim naquele dia. Peguei o meu celular e vi um dos vídeos que gravamos. Ela me obrigou a fazer skincare com uma papa de abacate.

— Eu sinto muito, Rachel. — Lamentei, antes de pegar no sono.

***

Que aula chata. Estou entediado, pois já havia estudado essa matéria durante minha folga escolar. Sempre fui um aluno aplicado e estudar era algo religioso para mim, assim como os treinos. A concentração me ajudava a abstrair dos problemas externos. O sinal tocou, e vi George vindo com seus novos amigos, os gêmeos bruxos. Poucos alunos interagem com eles, pois parecem ter saído de um filme do Tim Burton. De repente, as palavras que ele escreveu na carta ecoaram em minha mente. Me aproximei e o abracei. Pela milésima vez, pedi perdão e concordei em deixá-lo só.

Depois do mico que paguei na frente de todos, segui para a piscina da escola. O lugar realmente recebeu um bom investimento. Vi a professora Yadav orientando alguns alunos que fariam o teste para o time de natação. Ela se animou ao perceber minha presença, mas eu observei de longe. A professora explicou sobre a dinâmica da equipe, os treinos e os principais torneios que poderíamos participar.

Ela pediu que fôssemos para o vestiário para trocar de roupa. Era a primeira vez que eu voltaria para um vestiário depois da minha amputação. A sensação era boa, mas ao mesmo tempo assustadora. Meu pai comprou uma sunga e os equipamentos necessários para a natação. Vi meus colegas tirando suas roupas, exibindo seus corpos perfeitos, e então olhei meu reflexo no espelho. Como eu ia tirar a roupa com uma cicatriz tão feia no meu braço? As pessoas já me julgavam por não ter um braço, imagina ao verem a cicatriz da cirurgia.

Eu não posso fazer isso. No que eu estava pensando? Saí apressado, mas no caminho acabei esbarrando em alguém. Folhas, cadernos e minha sunga voaram para o alto. Quando fui pedir desculpas, percebi que era George. Ele estava no chão, pegando seus papéis e, sem querer, pegou minha sunga. Ele olhou e jogou no chão de maneira engraçada.

— Perdão. — Lamentei, o ajudando.

— Você não olha por onde anda. Que droga. — Protestou, se levantando e me fitando com raiva.

— Eu entrei em pânico.

— Por quê?

— Eu... nada — Soltei, lembrando da promessa de não invadir o espaço dele. Continuei andando, mas George segurou meu braço.

— Ei.

— Estou te dando espaço, George — Falei, embora tenha ficado feliz por ele me impedir de ir.

— Me desculpa por aquilo, Emmett. Se quiser conversar comigo... — disse ele.

Virei-me de frente para meu colega, permanecendo em silêncio, pois queria respeitá-lo.

— Você vive por aí sozinho, parece um fantasma. Cadê aquele cara popular e carismático?

— Se perdeu na Freedom High School — comentei.

— Vai, me conta... o que está acontecendo?

— A professora Yadav me convidou para o time de natação, mas na hora "H" tive uma crise de pânico. — Expliquei. — Os alunos estavam tirando as roupas e percebi que me tornei uma aberração.

— Não fala assim, Emmett. Você é um cara bonito. Seu corpo é muito bonito. — George disse, ficando vermelho. — Quer dizer, seu corpo é atlético. Milhares de pessoas matariam para ter esse corpo, quer dizer, ser igual a você. — Ele estava nervoso.

— Com um braço mutilado. — Mostrei o que restava do meu braço. — Olha essa cicatriz.

Com delicadeza, George tocou meu braço. Ele foi a primeira pessoa a fazer isso, tirando os médicos e meus pais. Passou o dedo indicador pela cicatriz e sorriu.

— Essa cicatriz faz parte de você. — Então, tocou o próprio olho e, por um segundo, me assustei, mas percebi que ele tinha tirado o olho de vidro.

Eu nunca tinha visto George assim. No lugar onde deveria estar seu olho esquerdo, havia apenas um espaço vazio, coberto por uma fina camada de pele cicatrizada. Eu poderia ter sentido nojo, mas não senti. Naquele corredor, nós dois expúnhamos nossas vulnerabilidades para encontrar força um no outro.

— Essas cicatrizes fazem parte de quem somos agora. — Ele concluiu.

Timidamente, pedi para George me acompanhar na seletiva de natação, e ele concordou.

Enquanto George se dirigia para a arquibancada, fui ao vestiário, tirei a roupa e vesti a sunga. Tive um pouco de dificuldade para colocar a touca, que tinha o símbolo de Star Wars, minha franquia favorita. De repente, me senti como o próprio Luke Skywalker, que perdeu o braço em uma batalha contra seu pai, o temido Darth Vader, mas isso não o limitou.

Segui para a concentração, onde alguns alunos já estavam posicionados. Olhei para a arquibancada e vi George torcendo por mim. Agora, mais tranquilo, olhei para a piscina e decidi dar uma chance para aquele esporte, mesmo com todas as dificuldades.

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