O Quarto 14

Um conto erótico de Lemonhead
Categoria: Heterossexual
Contém 1000 palavras
Data: 20/04/2025 04:58:08
Última revisão: 20/04/2025 04:59:37

Paula se perguntou como pôde esperar por algo diferente. Sandro estava deitado ao lado dela, as costas viradas pra ela. Do lado de fora da janela do motel, os distantes sons da rodovia chegavam como ecos distorcidos. O ar cheirava a desinfetante e mofo, a cortina exibia uma mancha que parecia café velho. Quando cruzaram a porta, estavam há quase 5 meses sem transar. E a noite não parecia nada promissora. Um ficou esperando o outro ter a iniciativa, e, quando isso não aconteceu, deitaram. Próximos porém mais distantes do que nunca.

Aí começaram os sons. Do quarto ao lado, os ruídos de uma transa tomaram o silêncio noturno de assalto. O casal, que devia ser jovem, dada a sua aparente vitalidade, parecia transar como se fosse a última noite deles no planeta.

Paula achou graça, a princípio, e teve que abafar uma risada. Viu a respiração de Sandro ficando mais lenta. ‘Pelo menos alguém está se divertindo’, ela pensou.

A mulher do quarto ao lado derramava-se em gemidos. Era um gemido, ao mesmo tempo, sexy e primal, urgente e sereno. Ruidoso o suficiente para se fazer ouvir sobre os ruídos produzido pela cama, e pelo som que a cabeceira produzia ao bater contra a parede que separava os dois quartos.

‘Para com isso, ninguém é tão bom assim!’, ouviram um hóspede gritar.

Uma risada escapou de Sandro. Um som curto, quase tímido. Paula achou uma gracinha. Há quanto tempo não via seu sorriso? Alguns meses, pelo menos. Um buraco abriu no peito dela, uma saudade sem nome.

Em face de sua performance durante a transa, o orgasmo da mulher foi deliciosamente anticlimático. Apenas um gemido mais longo seguido por um curto arfar. Paula pensou em fazer um comentário bem-humorado, mas resolveu ficar calada.

A graça se foi após a terceira transa do casal vizinho. Agora, Paula começava a ficar incomodada. Sandro olhava o celular. ‘Já estamos nos divertindo?’, pensou.

Sandro mudou de posição, a barriga pra cima, os olhos fitando a parede como se observasse algo além dela. No outro quarto, o homem gemeu um palavrão.

“Por que viemos aqui mesmo, hein?”, Sandro perguntou.

Paula pensou em várias respostas, todas elas embebidas em veneno. Mas, em vez de ministrá-las, apenas deu de ombros. ‘Por quê?’, pensou. ‘Por que o silêncio, por que a distância?’.

A mente dela ansiava por uma fuga, e foi isso que ela fez. Talvez influenciada pelos ruídos do casal do quarto ao lado, ela começou a se lembrar da transa preferidas entre eles. Todo casal tem uma transa preferida, para a qual a mente invariavelmente deriva em momentos de libidinosa nostalgia.

Era cedo no relacionamento — não mais do que alguns meses. Nesse dia, ela estava esgotada. Não física, mas mental e emocionalmente. Era o fim de uma semana difícil. Tudo o que ela queria era um banho quente. Ele estava na sala, lendo. Assim que a viu, largou o livro e foi até ela. O beijo foi doce e intenso. Sem uma palavra, ele a conduziu até o quarto e ajudou que se despisse. De forma gentil, a empurrou pra cama. Apoiada nos cotovelos, ela sorriu. Ele mergulhou entre as pernas dele. Ela tentou protestar. Acabara de chegar da rua. Ele não se importou, sua língua começando a trabalhar assim que fez contato. O cheiro estava forte, mas natural, agradável de certa forma. Deu-lhe uma leve mordiscada, e sentiu o corpo dela tremer como se tivesse levado um choque. Riram, e depois a língua voltou a trabalhar. Ela estava entregue. Pernas abertas, ainda apoiada nos cotovelos, mas agora com a cabeça caída pra trás. O orgasmo não demorou. A dificuldade que tinha em gozar via penetração era compensada pela rapidez com que atingia o orgasmo durante o sexo oral, especialmente se fosse competente. E Sandro era bom. Bom? Não, ótimo. Ele levantou, a região da boca brilhando com os fluídos dela. Depois, ela o convidou a penetrá-la, e ele o fez. A transa foi gostosa.

‘Quero isso pro resto da vida’, pensara na ocasião.

Ela sorriu. Olhou para Sandro. Dessa vez, quando ele olhou, ela sustentou o olhar, mesmo quando ele desviou o dele.

“O que foi?”, ele disse.

“Como chegamos a esse ponto?”, Paula perguntou, de forma quase retórica.

“Você pediu um tempo.”, ele retrucou, as palavras quase como um escudo

E era verdade. Quando a coisa começou a desandar, ela pediu um tempo. Nada drástico, sem término ou pausa no relacionamento, sem irem morar em locais diferentes… Sem drama. Apenas um tempo.

Só que aquele tempo foi crescendo, regado pelo desconfortável silêncio, pela (a princípio) fingida indiferença. Pela distância. Mas a coisa foi crescendo mais e mais, e agora era difícil de escapar, como uma aranha gorda demais para fugir da própria teia.

“Mas não era pra sempre!”, Paula defendeu-se. “Você nem tentou voltar.”

“Tentei. Você não ouviu.”

O homem do quarto ao lado grunhiu, gutural. A cama rangeu mais rápido, desafiando a parede.

Paula olhou para o teto, uma mancha amarela acima do abajur. “Eu não sabia o que dizer,” admitiu.

Sandro bufou. Depois, um suspiro.

O silêncio voltou a mostrar suas garras. Naquele quarto, pelo menos. No vizinho, a noite seguia animada.

Paula ia falar alguma coisa, qualquer coisa, apenas para manter o silêncio em xeque, para manter a conexão viva. Mas fechou a boca sem dizer nada. Por que só ela ia tentar? Só ela que tinha que ‘correr atrás’?

Mas, Sandro falou. O coração de Paula acelerou.

“Você… Você acha que conseguiremos voltar? A ser como era antes, quero dizer.”, ele disse.

“Sim. Talvez.”, ela respondeu. “Honestamente, não sei. Só sei que não quero que a gente termine.”

“Também não quero.”, ele disse, os olhos baixos.

“Vamos tentar.”

“Tentar o quê?”

“Conversar. Apenas… Conversar.”

Os vizinhos riram, a cama rangeu leve, como se o show tivesse acabado. Sandro deitou mais perto, o sorriso tímido voltou. O buraco no peito de Paula diminuiu, embora apenas um pouco. O quarto era feio, o carpete áspero, mas estavam ali. Por agora, bastava.

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Foto de perfil de LemonheadLemonheadContos: 26Seguidores: 145Seguindo: 11Mensagem Leitor. Contador de histórias. Procrastinador. Veterano da Era Analógica.

Comentários

Foto de perfil de Tito JC

Muito difícil comentar um texto dessa qualidade. Faltam palavras porque todas as melhores não fariam jus ao texto. Vou usar só uma: PERFEITO!

Eu já falei em outra ocasião lá atrás, quando participamos do mesmo desafio, mas vou repetir: Eu sou um admirador do seu estilo. Abraços! ... ⭐⭐⭐

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Foto de perfil de Wammy House

Uma abordagem diferente do sexo e do erótico. Esse tipo de conteúdo é raro por aqui e é sempre bom de ler.

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Foto de perfil de Lemonhead

Valeu, Wammy! Sem querer incorrer na pretensão de elogiar meus próprios escritos (ou na cafonice de recomendá-los), mas eu sempre tento esse tipo de abordagem para as histórias que posto nos Desafios daqui.

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Foto de perfil de Morfeus Negro

Ótima história Lemonhead, fazia um bon tempo que não li um de suas narrativas, que são sempre bem vindas.

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Foto de perfil de Lemonhead

Muito obrigado, Morfeus! Infelizmente, o último que você leu (antes desse), provavelmente tinha sido o último que postei. Estava há algum tempinho sem postar aqui.

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