Quando você recebe um convite de casamento da filha de um amigo da época de adolescência e que você não vê há muito tempo, a tendência é esquecer esse convite ou, na melhor das hipóteses, agendar para mandar um presente acompanhando uma mensagem de votos de felicidades, porém, quando esse convite precede uma chamada telefônica do pai da noiva insistido em sua presença nesse casamento, o melhor é reservar esse dia para comparecer à núpcias.
Foi exatamente isso que aconteceu quando José Roberto, um amigo que antes era conhecido apenas como Beto, intimou Durval para comparecer ao casamento de sua filha Marcia que se casaria dentro de aproximadamente um mês com um parente afastado que crescera na zona rural no interior do estado e viera para São Paulo para completar seus estudos.
O enlace não poderia ocorrer em pior hora. Durval ainda estava curtindo a fossa pela separação que ocorrera a menos de seis meses e tentando se readaptar à vida de solteiro.
Ele estava morando em um pequeno apartamento de sua propriedade no Bairro da Lapa, cuja aquisição foi efetuada apenas no intuito de investimento, uma vez que seu trabalho como engenheiro lhe oferecia alto rendimento. Ele comprara quatro desses apartamentos no lançamento do edifício e o aluguel deles lhe dava ainda mais tranquilidade financeira. O acordo de separação com sua ex-esposa foi totalmente amigável e, para ambos, satisfatório. Ela ficara com o apartamento luxuoso onde eles moravam no Bairro de Pinheiros e ele com os demais bens que consistia nesses imóveis, os veículos, sendo que ele se recusou a se apropriar dos dois, deixando um deles para a ex. Com relação a uma casa no litoral paulista que eles ainda estavam pagando, ela abriu mão, alegando que não teria condições de efetuar os pagamentos mensais. Desde então ele jamais havia ido até a praia verificar o estado do imóvel.
O problema em ir nesse casamento, para Durval, era o fato de que ele teria que comparecer sozinho, o que daria ensejos a muitas perguntas, sendo que, para a maioria delas, ele sequer sabia as respostas. Explicar o motivo de seu casamento de treze anos ter fracassado, mesmo muitos de seus conhecidos terem declarado a inveja do relacionamento dele com a esposa era difícil de entender. Ele não sabia mesmo o que aconteceu. De repente, a relação foi ficando sem graça, as discussões passaram a ser constante e o sexo praticamente ausente. Para piorar, de repente ele se viu desejando outras mulheres e investindo nisso, começando com as traições. Mas quando aconteceu de uma de suas aventuras ter sido descoberta e a reação da mulher ter sido morna, sem acusações nem nada, parecendo até mesmo que aquilo sempre fora normal entre eles, foi que ele se deu conta que não tinha mais nada em comum com a esposa e, numa conversa franca, optaram pela separação, pois segundo ele, quando um casal não tem ânimo sequer para brigar por uma traição, é sinal de que não existe realmente nenhum motivo para estarem juntos.
Entretanto, sabendo que uma companhia não evitaria as perguntas dos amigos de antigamente, ele resolveu ir sozinho mesmo e foi o que fez. No dia marcado lá estava ele, trajando seu melhor terno, sendo solícito e sorrindo para todos enquanto desconversava com saídas pela tangente a cada pergunta sobre os motivos que levaram seu casamento a terminar. Porém, como é comum para homens que estiveram casados e agora se encontravam livres, ele cometeu uma gafe que para ele pareceu ser imperdoável. Durval se preocupou tanto em aparecer no evento com uma boa aparência, que se esqueceu de comprar o presente.
Quando se deu conta disso, murmurou as mais esfarrapadas desculpas para os pais da noiva que, educadamente, diziam que o melhor presente era a presença dele ali. Algo bem comum de se dizer nessa hora e ele sabia disso, porém, o destino jogou a seu favor e ele teve a chance de reparar seu grande erro e não perde a oportunidade para isso quando, ao perguntar onde o casal iria na lua de mel e recebe como resposta que não iriam a lugar nenhum.
Nessa hora, a recepção já caminhava para o final e haviam poucos convidados ainda presentes e Durval não sabia dizer o motivo pelo qual estava ali. Porém, vendo surgir a oportunidade, não hesitou em falar?
– Bom. Já que eu não dei nenhum presente ainda, posso fazer isso agora. – Os presentes o encararam aguardando que ele continuasse: – Tenho uma casinha na praia, na cidade de Caraguá (Caraguatatuba). Amanhã mesmo vou verificar como estão as condições dela, pois há tempos que não vou até lá e, estando tudo bem, os noivos podem passar a lua de mel na praia.
Antes que alguém recusasse a oferta, Durval sentiu um vulto branco se atirando ao seu encontro e aparou a noiva que enlaçara o seu pescoço e, com o corpo colado ao dele, dava beijinhos no seu rosto enquanto falava:
– Obrigada... Obrigada... Obrigada... Eu e meu noivo queríamos muito ir para a praia, não fizemos porque achamos que fica muito caro.
Diante da reação da noiva, ninguém alegou qualquer problemas para que a oferta de Durval fosse aceita e Beto chegou até mesmo a oferecer seu próprio carro para que o casal se deslocasse. Como era um sábado, combinaram que Durval iria até a praia, verificaria tudo e informaria ao Beto, ainda no domingo se desse tempo. Se tudo corresse bem, o casal de recém casados poderia viajar na segunda-feira.
Para a felicidade de todos, a casa estava em ordem, pois ficava dentro de um pequeno condomínio, onde um zelador cuidava de tudo, inclusive, as chaves ficavam em poder dele que assim poderia até mesmo fazer uma vistoria de tempos em tempos no interior da casa. Durval deu instruções ao zelador para receber o casal, ligou para o Beto e depois falou com o noivo dando instruções para que o mesmo chegasse até o local do imóvel e depois retornou para sua casa.
Durval não teve mais notícias do casal durante toda aquela semana, porém, na segunda-feira seguinte recebeu uma ligação de um número não identificado e hesitou em atender, porém, a curiosidade falou mais alto e ele atendeu, ouvindo uma voz suave de mulher dizendo:
– Alô. É o senhor Durval? – Mal confirmou e a voz continuou: – Aqui é a Marcia, não sei se o senhor está lembrado de mim.
– Sim, estou. Você é a filha do Beto.
– Isso mesmo. Estou ligando para agradecer pela casa que o senhor nos cedeu para a lua de mel, foi maravilhoso. É tudo muito lindo lá.
– Fico feliz em saber que vocês gostaram. Então correu tudo bem na lua de mel?
– Lógico. Foi tudo muito maravilhoso. – Durval percebeu um leve toque de malícia na voz dela que continuava falando: – Nossa! O senhor não sabe como eu e o Lucas ficamos felizes com esse presente. Foi o melhor presente que ganhamos. Ele está aqui falando que está muito agradecido também.
– Não foi nada Marcia. O bom mesmo é que vocês gostaram e se divertiram.
– Então tá. Só liguei para agradecer mesmo. Desculpe se incomodei. Fique com Deus.
– Você não incomodou não querida. Dê um abraço no Lucas e mande lembranças ao seu pai.
Quando acabou de falar, o telefone já havia sido desligado.
O tempo foi passando e aquele episódio já caíra no esquecimento de Durval. Nos primeiros dias, ele ainda se lembrava da beleza da jovem noiva e da simpatia do noivo, porém, o que não lhe saía mesmo da memória era a sensação que teve no instante em que fora abraçado por ela. O corpo perfeito dela, de seus lábios macios e carnudos beijando seu rosto e o perfume maravilhoso que ela exalava lhe proporcionava momentos de excitação fazendo com que ele buscasse por alguma companhia feminina na pequena lista que ele começara a fazer desde quando começara a se aventurar fora do casamento e ir para a cama onde, nos momento do ápice do prazer, fechava os olhos e imaginava que em seus braços estava aquela linda jovem. Com o tempo e a distância, pois não voltara a vê-la, essa lembrança foi se esvaindo. Quatro meses depois, recebeu uma ligação de seu amigo Beto que perguntava se podia falar com ele. Tendo respondido que sim, que podia falar, o amigo disse que preferia que fosse pessoalmente e assim marcaram de se encontrar no final do dia, com Durval o convidando para se encontrarem em um barzinho.
Durval chegou atrasado e Beto já aguardava por dele, porém, encontrava-se em pé na entrada do bar, o que causou estranheza, pois, imaginou que, se fosse ele, já teria se servido de um chope. Cumprimentou o amigo e notou que algo o incomodava. Beto, que sempre fora o mais falante e brincalhão da turma, demonstrava nervosismo, porém, quando ele perguntou qual era o problema, o outro desconversou, alegando que só queria mesmo matar a saudade e colocar o papo em dia.
Entretanto, não era isso que parecia. O esforço que Beto fazia para que parecesse estar tudo normal não evitava que Durval percebesse que havia algo incomodando seu amigo. Assim, depois de várias tentativas de manterem uma conversa normal, ele não resistiu mais e perguntou:
– Vamos lá Beto. Pode abrir o jogo. Eu te conheço o suficiente para saber que tem alguma coisa te incomodando. Fala pra mim meu amigo, o que está pegando?
Beto baixou a cabeça tentando esconder o rubor que lhe queimou o rosto e ficou um longo tempo tomando coragem, até que começou a explicar:
– A situação na minha casa está muito difícil. – Durval não disse nada, apenas encarou Beto e meneou a cabeça encorajando-o a continuar, o que aconteceu com muito esforço por parte dele: – Sabe o que é? Minha filha se casou antes da hora. Não que o rapaz seja ruim, pelo contrário, é um menino esforçado e muito honesto, porém, como não teve estudo, pois sequer concluiu o ensino fundamental ao passo que a Marcia já estava estudando para entrar na Faculdade. Então ele não consegue um bom emprego e a vida está difícil para eles. Eu tento ajudar, mas não posso fazer muito, o máximo que consegui foi fazer com que eles entregassem a casa que moravam e fossem morar com a gente para se livrarem do aluguel. Assim, minha filha trabalha o dia inteiro em uma lanchonete quando poderia estar estudando para ter uma vida normal e ele também não fica sem emprego, pois é muito trabalhador, mas ele não tem estudo e o salário é sempre uma miséria. Eu morro de pena deles.
– Na verdade, com estudo hoje as coisas já são difíceis, imagina sem. Mas, o que está pegando? Eu te conheço e sei que, tirando o fato da sua filha não estar estudando, o resto você tira de letra. Você sempre foi assim.
– Então. Agora o Lucas encasquetou que aqui ele não tem futuro e quer por que quer voltar para a fazenda onde os pais deles trabalham. Imagina isso Durval, se aqui já está difícil enxergar um futuro, imagine lá no mato. Aí é que minha filha não vai pra frente mesmo. E isso não é tudo. Você sabe que eu fiquei viúvo e me casei novamente. A minha esposa até que se dava bem com a Marcia, porém, depois que ela voltou a morar na nossa casa, parece que tudo é motivo para implicância e discussões. O pior é que gosto muito da minha mulher, mas se essa situação continuar vou ter que dar um basta em nosso casamento. Você sabe, não é? Família é tudo, não posso ficar contra minha filha por causa da outra, por mais que goste dela. Então a situação está brava.
Ao dizer a última frase, Beto estava com a voz embargada, controlando-se para não chorar. Durval então procurou consolar o amigo e prometeu:
– Olha Beto. Não sei te dizer agora o que você deve fazer, mas prometo que vou pensar no assunto. Quem sabe não surge alguma ideia e tudo isso pode ser resolvido de uma forma que fique bom para todo mundo. – Notou então que Beto o encarava com uma expressão de incredulidade e resolveu ser mais animador: – Muito bem. Na minha profissão acho que posso arrumar uma colocação para o Lucas e, se ele for realmente um cara trabalhador e honesto e tiver um pouco de paciência, ele pode ir subindo de cargo, o que vai melhorar sua vida.
Diante dessa promessa, Beto passou por uma transformação e foi tão efusivo em seus agradecimentos que Durval chegou a ficar constrangido. A partir daí, voltaram suas atenções para o chope e Beto foi ficando cada vez mais extrovertido.
Durval olhava para seu amigo e lembranças da infância e juventude lhe vinham à memória. Beto era, entre todos os amigos e não tão amigos assim, o que tinha expectativa de um futuro brilhante. Ele nascera com o dom de jogar bola e era considerado um craque, tanto é que não teve dificuldades em ser aceito nas divisões de base de um grande clube paulista e ninguém duvidava quando ele dizia que um dia ainda ia jogar na Europa e ganhar tanto dinheiro que seus amigos verdadeiros jamais sentiriam falta de nada.
Para Durval não era difícil acreditar que seu amigo estava sendo sincero, tanto é que se lembrou que, num dos momentos de maior dificuldades da sua vida, quando o pai sofrera um acidente grave e ficara hospitalizado por um longo período até que viesse a falecer, ainda no hospital, sua vida passara por uma transformação onde, antes não havia preocupação, passou a ter necessidades, muitas vezes até mesmo de alimentos. Naquela época, Beto já recebia um bom salário que lhe fora oferecido para que se mantivesse no mesmo clube e ainda tinha as premiações, então, vendo a dificuldade do amigo, passou a ajudá-los até que Durval se firmasse em um emprego. Um ato como esse vindo de um amigo é algo que nunca se pode esquecer.
Então a má sorte passou para o lado de Beto. Ao voltar de uma festa onde os membros da equipe comemorava a conquista de um título houve um acidente de trânsito onde dois de seus colegas perderam a vida e ele ficou impossibilitado de jogar futebol, pois até os dias de hoje ele andava com dificuldades em virtude das inúmeras fraturas que sofreu.
E, para piorar, Durval sabia que Beto não viera até ele para cobrar um favor que fizera antes. Isso não fazia parte da natureza dele. Na verdade, ele fora procurado pelo amigo mais para um desabafo, do que com o intuito de pedir ajuda. Mas Durval agora podia e queria ajudar, então ele continuou:
– Vamos fazer assim. Mande o Lucas ir na minha empresa amanhã que quero falar com ele. E a sua filha pode ir também, ela tem estudo e acho que tenho uma vaga onde ela pode se encaixar muito bem. Ela me pareceu ser muito comunicativa e isso vai ajudar muito.
– Não Durval. Se você conseguir uma colocação para aquele menino abandonar essa ideia de ir morar no mato já está de bom tamanho. Também não quero te explorar.
– Você me explorar, Beto! Pare com isso. Você é meu amigo. Você é o cara que no passado chegou a ir em um supermercado, fazer uma compra completa para sustentar uma família por um mês inteiro e levou na minha casa. Não tem nada que eu possa fazer hoje que vá retribuir o que você fez por mim e minha mãe. Então, por favor, não fale bobagem. Mande os dois lá amanhã.
Depois Durval pensou mais um pouco e completou:
– Ah! E tem mais. Tenho uns apartamentos para alugar no bairro da Lapa e um deles está vazio. Vamos mobiliar e o casal passa a morar lá.
– Um apartamento! Não sei se vamos poder pagar o aluguel.
– Até que eles consolidem a situação deles, não vai ter que pagar aluguel nenhum. E nem se atreva a abrir essa sua boca para recusar. Amanhã mesmo vamos ver o que eles vão precisar de mobília.
– Não vão precisar nada , Durval. O essencial eles já tem. Compraram antes de casar. Está tudo amontoado lá em casa dando mais motivo para minha mulher reclamar.
– Então está combinado. Amanhã às oito já estarei na empresa. Aguardo os dois lá antes do almoço.
Beto, com os olhos marejados, levantou-se e abraçou com força seu amigo. Depois, afastou-se dele, pegou o copo de chope e bebeu de um gole só. Depois saiu andando em direção à saída sem sequer olhar para trás. Durval permaneceu parado, segurando o chope na mão e olhando pasmo seu amigo desaparecer atrás de uma turma de adolescentes que entravam no bar naquele momento.
No dia seguinte Durval ficou esperando pelo jovem casal durante todo o período da manhã e ninguém apareceu. Assim aconteceu pelo resto da semana e, no sábado, tentando descobrir qual o motivo de não ter acontecido o que combinara com o amigo, foi até a casa dele sendo informado que ele não se encontrava. Perguntou onde Beto poderia ser encontrado e a esposa do mesmo informou que aos sábados de manhã seu marido costumava se reunir com os amigos em uma praça perto dali e informou a direção.
Na praça havia algumas mesinhas com tabuleiro para jogos e Durval foi encontrar seu amigo em uma animada partida de truco. Quando viu Durval se aproximando, Beto fechou a cara e pediu para uma das pessoas que assistia ao jogo que o substituísse e foi se encontrar com ele e, antes mesmo de cumprimentá-lo, já foi dizendo:
– O que você veio fazer aqui?
– Precisamos conversar. Podemos ir a algum lugar? – Durval tentou fazer vista grossa à postura de Beto, porém, sentia-se magoado com aquela recepção, pois sabia que não tinha feito nada para deixar o amigo tão ofendido.
– Não pode ser aqui mesmo?
– Pode sim. – Vendo que a conversa não ia ser fácil, Durval foi direto ao assunto: – Eu gostaria que você me dissesse o que aconteceu. Esperei sua filha e seu genro na empresa e ninguém apareceu.
– E nem vai aparecer. Você pode ficar tranquilo que ninguém vai lá te incomodar.
– Incomodar! Do que você está falando?
A voz de Durval, diante da indignação, saiu um pouco alta a ponto dos amigos de Beto interromper momentaneamente o jogo e um deles chegou até a perguntar:
– Está tudo bem aí Beto?
José Roberto olhou na direção dos amigos dizendo que estava tudo tranquilo e depois, para Durval, disparou:
– Estou falando que você pode ficar tranquilo que não vou te cobrar por nada que tenha feito no passado, o que fiz, se fiz alguma coisa, foi porque quis. Então não precisa ficar jogando na minha cara.
– Para. Pode parar. Você está achando que só atendi o seu pedido por achar que te devo alguma coisa? Pois fique sabendo que eu sinto que te devo sim, porém, tudo o que me prontifiquei a fazer eu faria independente do que aconteceu no passado.
– Pois para mim ficou bem claro que sua oferta só aconteceu em virtude do que aconteceu no passado.
– Se te dei essa impressão, por favor, me desculpe. Não tive a intenção e para mim uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Durval fazia das tripas coração, pois sua vontade era mandar o amigo para a puta que pariu, porém, sabia que se agisse assim, as coisas só poderiam piorar.
– Tudo bem. Desculpas aceita. Mas sua ajuda não é necessária. Já está resolvido. Minha filha vai com o marido para a casa dos pais dele.
– Beto, por favor. Não faça isso. Não deixe que eles se mudem para lá quando ainda existe uma saída aqui.
– Tarde demais, amigão. – A entonação da voz de Beto ao pronunciar essa última palavra calou no fundo da alma de Durval, tal a ironia empregada.
Entretanto, não houve como dar uma resposta, pois mal disse isso Beto se virou e saiu andando em direção aos amigos que, mesmo envolvidos no jogo, estavam atento ao desenrolar da conversa dele com o estranho e, quando Durval respondeu que “nunca era tarde demais” em voz alta, um deles saiu andando em direção a ele com cara de poucos amigos, porém, Beto o interceptou e o obrigou a voltar para ele até a mesa de jogo.
Com a cabeça baixa, perdido entre a revolta e o sentimento de impotência por não poder ajudar o amigo, Durval saiu da praça em direção ao carro. Quando já ia dar partida, lembrou-se que a filha de Beto lhe havia ligado por ocasião do retorno dela da lua de mel para agradecer, então, pegou o celular e, rezando para que ainda estivesse constando nas “ligações recebidas” e se censurando por não ter gravado na sua agenda, passou a manusear o aparelho até chegar na época do casamento dela e viu que, naquele mês, havia três chamadas que não tinham identificação. Tentou a primeira e ficou frustrado ao ser atendido por um de seus fornecedores e na segunda ouviu uma gravação da operadora que o número não existia. Já sem esperança, ligou a terceira e aguardou até que, no quinto toque, a ligação foi atendida e reconheceu de imediato a voz de Marcia. Então se apresentou e percebeu que a jovem ficou feliz por ser ele.
Durval manteve uma conversa normal, perguntando como estavam as coisas e, quando ela disse que estava providenciando a mudança para o interior, não se conteve:
– Esse seu pai é muito teimoso mesmo.
– O que? O que a teimosia do meu pai tem a ver com isso?
– Nada não. Só um comentário. Esqueça.
– Não dá para esquecer, senhor Durval. Para o senhor dizer isso tem que estar sabendo de alguma coisa que eu não sei. Por favor, o que está acontecendo com meu pai?
Vendo que a voz de Marcia demonstrava muita preocupação, Durval tentou a tática de meias verdades e explicou:
– Com o seu pai não está acontecendo nada. Na verdade, eu que sugeri a ele para que você e seu marido fossem na minha empresa. – Como Marcia não disse nada, ele continuou depois de um pequeno lapso de tempo: – É que eu estava precisando de uma funcionária na empresa e, como ele me disse que seu marido está tendo problemas para arrumar emprego, que ele fosse também para ver o que podemos fazer.
– Você falou isso para meu pai? Nossa! Acho que vou matar meu pai. Tudo o que preciso é de um emprego para não precisar me enfiar na fazenda e o Lucas também preferia ficar aqui. Será porque ele não me disse nada?
– Olha Marcia. No momento é melhor não dizer nada para ele. Se você quiser mesmo saber, eu te explicarei tudo na hora certa. Mas, por enquanto, se vocês quiserem mesmo permanecer em São Paulo, passem na minha empresa na segunda-feira de manhã que estarei esperando os dois para conversarmos.
– Vou sim. Pode esperar que o Lucas e eu estaremos lá na segunda de manhã.
– Combinado então. E Marcia. Não comente nada para o seu pai. Pelo menos não por enquanto.
Durval percebeu a hesitação de Marcia e não acreditou muito quando ela concordou:
– Tudo bem. Mas só por enquanto.
Na segunda-feira, quando Durval chegou a sua empresa um pouco antes das oito horas, o casal já se encontrava lá a sua espera. Marcia estava simplesmente divina vestindo calça jeans e um casaco que lhe ia até quase os joelhos, porém, o que chamou a atenção dele foram as botas de cano longo que ela usava e que lhe dava uma aparência ainda mais sensual.
Com um metro e sessenta de altura, cinquenta e quatro quilos, cabelos castanhos longos e lisos, olhos verdes, ela tinha a aparência de uma modelo fotográfico e, muito embora seu corpo não pudesse ser notado debaixo do casaco longo que a envolvia para se proteger do frio, a lembrança dela no dia da festa do casamento, com um vestido justo até a cintura que permitia notar seu corpo esbelto e os seios médios veio a mente de Durval que, ao cumprimentá-la, foi surpreendido com um abraço forte e beijos no rosto com sua boca carnuda e macia, não conseguindo evitar uma ereção, o que pode ser disfarçado pelo tanto que roupas que usavam, pois ele também usava um sobretudo em cima do terno. Atrás dela, o jovem Lucas, com sua timidez enorme, veio cumprimentar Durval que sentiu no aperto firme em sua mão e com os olhos o encarando, que era um rapaz que tinha força de vontade. Durval o convidou para seu escritório e os acomodou em duas cadeiras diante de sua mesa.
A conversa foi franca e aberta. Durval contou tudo o que acontecera com o pai de Marcia e depois falou de sua oferta. Marcia demonstrou uma revolta com o pai por não ter dito nada a eles, porém, não insistiu muito no assunto, querendo saber mesmo sobre o emprego que lhe era oferecido. Então, Durval explicou:
– Aqui na empresa temos três secretárias e sempre outra que dá assistência a elas ao mesmo tempo que recebe treinamento, assim, quando uma delas sai por algum motivo, a assistente é promovida a secretária e contratamos outra para o treinamento. Isso é bom porque, quando a secretária nova assume, já está ambientada e sabe como as coisas funcionam.
– Interessante isso. Eu aceito. – Respondeu Marcia.
– Ei. Calma aí. Nem falamos de salário ainda. – Falou Durval divertido, embora levasse o assunto a sério.
Marcia pensou um pouco e depois confessou um pouco envergonhada:
– Não pode ser pior do que eu ganho naquela lanchonete e, se quer saber, pode até ser menos, pois aqui pelo menos posso ter algum crescimento profissional e lá, o máximo de promoção que posso almejar é o de garçonete para chapeira.
Apesar de ser realidade, a forma como Marcia falou provocou um sorriso em Durval que foi acompanhado por ela, o que fez que ele se perdesse naqueles lábios sensuais que, entreabertos, mostravam seus dentes brancos e perfeitos. Durval então se virou para Lucas e falou:
– Quanto a você Lucas, tenho vários fornecedores e clientes que estão sempre precisando de funcionários. Já andei perguntando a eles e o que de melhor surgiu até agora foi uma vaga de apontador, quer dizer, isso se você for bom em números.
– Sou sim senhor.
– Ok. Então, o trabalho de apontador é mais calmo, você só tem que fazer as anotações das horas trabalhadas pelos operários da obra. Se bem que, já devo te avisar, esse povo se aproveita e usa os apontadores para controlar tudo. Material que entra, o que está sendo usado, o que está em estoque, e por aí vai. No começo é um pouco duro, pois você tem que estar atento a tudo para aprender o mais rápido possível, pois um trabalho de apontador mal feito pode gerar grandes prejuízos se for a favor dos operários, ou uma grande confusão se for a favor do patrão. Então você já viu, não é?
– Sim. Mas vou me dedicar com afinco para aprender o mais depressa possível e não vou me importar se me derem mais tarefas, pois assim aprendo mais coisas.
– Taí. Sábia decisão. Gostei. – Elogiou Durval já pegando o telefone e pedindo para sua secretária fazer uma ligação, dizendo o nome da empresa.
Enquanto aguardavam, ele notou que Marcia o olhava e, em seu olhar, parecia haver uma certa ansiedade, então perguntou se estava tudo bem e ela, vacilando muito, perguntou:
– Desculpe por eu tocar nesse assunto, senhor Durval. Mas é que o senhor falou de um apartamento para alugar.
– Ah sim! É verdade. Então, se vocês estiverem interessados, posso ceder um apartamento para vocês morarem.
– E de quanto seria esse aluguel. – Quis saber Marcia.
– Bom, conforme disse ao teimoso do seu pai, o apartamento seria cedido até vocês poderem encontrar alguma coisa melhor, pois não é muito grande. Então o aluguel não é nada.
– Mas, não pode. O senhor deve ter esse apartamento para alugar. Não é justo ficar sem o dinheiro do aluguel.
– Na verdade, Marcia, eu comprei esses apartamentos para investir. O meu ganho mesmo é com a valorização dos imóveis que estão sempre subindo, então o dinheiro do aluguel é de menos importância. Na verdade, eu só alugo porque, se eles ficarem fechados, tenho que ficar pagando taxa mínima de consumo de energia e condomínio, então, fico livre dessas despesas.
Marcia então se virou para o Lucas e disse:
– Amor, então vamos aceitar. Só que temos que nos comprometer em pagar a conta de energia e a taxa de condomínio.
Lucas apenas acenou com a cabeça concordando, deixando claro de quem era a voz ativa naquele relacionamento. Nesse momento, o telefone tocou e Durval o atendeu conversando com alguém deixando claro que falava sobre o emprego de Lucas. Quando se despediu, colocou o telefone no gancho e se dirigiu ao jovem casal falando:
– Estamos com sorte. Ele está precisando para hoje. – E depois de pensar um pouco, falou: – Vamos fazer o seguinte. Hoje está calmo aqui. Então vou levar o Lucas até a empresa desse meu amigo e depois vamos até o apartamento para vocês darem uma olhada se serve para vocês.
Saíram então do prédio e se dirigiram ao carro de Durval, onde Marcia ocupou o banco traseiro e Lucas se acomodou no banco do carona. Logo estavam em uma empresa de construção civil e foram atendidos imediatamente depois que a secretária do proprietário informou que Durval estava presente. O homem demonstrou até mesmo estar agradecido com a presença deles ali, demonstrando que estava realmente precisando de um funcionário. O problema é que ele queria que o início fosse imediato e Durval tinha prometido levar o casal até o apartamento. Foi Lucas que, pela primeira vez tomou a iniciativa e disse a Marcia:
– Vamos fazer o seguinte. A Marcia vai lá ver o apartamento e eu já fico por aqui mesmo.
– Mas e se eu aceitar e você não gostar do apartamento? – Perguntou Marcia demonstrando preocupação.
– Que nada Marcinha. Se estiver bom pra você, então vai estar para mim também. Fique sossegada quanto a isso.
– Olha lá Lucas. Não vai ficar reclamando depois, hem!
Lucas apenas sorriu para ela. Então se despediram e Marcia e Durval voltaram para o carro dele onde, dessa vez, ela ocupou o assento ao seu lado.
Quando chegaram ao prédio ele foi até a portaria de onde retornou portando a chave e já explicando que a chave ficava na portaria para o caso de alguém que demonstre interesse em alugar poder olhar. Enquanto buscava as chaves, Marcia se despiu do casaco que usava e agora o segurava dobrado em um dos braços e quando entraram no elevador ela ficou voltada para a porta, um pouco de lado em relação a Durval que tinha assim uma visão de seu corpo e ele não pode deixar de olhar, mesmo que tentando disfarçar. As pernas grossas e delineadas de Marcia tinham suas formas bem visíveis, pois embora usasse uma calça jeans, essa era tão justa que as formas de sua perna e de sua bunda perfeita foram as primeiras partes a lhe chamar a atenção. Depois ele se deslocou um pouco e observou que os dois primeiros botões da camisa xadrez que ela usava estavam abertos, o que lhe dava a visão do início de seus seios que, se não eram grandes, mostravam ser firmes e empinados. Sentindo seu pau começar a dar sinal de vida, ele desviou os olhos para o rosto e percebeu que Marcia o encarava com um sorriso enigmático em seu lindo rosto. Nessa hora, deu graças a Deus por não ter se livrado do sobretudo e ela, parecendo estar lendo seus pensamentos, brincou:
– Você não está com calor com esse casaco?
– Não. Estou bem. Está frio aqui dentro.
Marcia sorriu e Durval se sentiu um panaca, pois o ambiente estava abafado, mesmo na rua, pois se o dia amanhecera frio, o sol aparecera e a temperatura já estava bastante amena, principalmente ali no Bairro da Lapa, pois tem duas coisas que, quem conhece São Paulo, sabe a respeito do clima. A primeira é que, em vinte e quatro horas, você consegue passar pelas quatro estações do ano, pois a temperatura varia com rapidez. A outra, talvez pelo tamanho, é que você pode sair de casa de manhã todo protegido contra um frio cortante e, quando chegar ao local de trabalho em outro bairro, sofrer com uma elevação substancial da temperatura. Talvez por isso, era natural que Durval estivesse suando dentro do seu sobretudo, porém, a outra opção era deixar que seu estado de excitação ficasse visível para aquela garota que, sem que soubesse porque ou como, provocava tal reação nele, mesmo não fazendo nada.
Marcia ficou exultante com o apartamento, mesmo Durval praticamente se desculpando por ser um apartamento de apenas um dormitório, ao que ela respondeu:
– E pra que mais de um? Somos apenas o Lucas e eu. – Como estava olhando para Durval viu o suor escorrendo por sua testa e falou: – O senhor está suando, tire logo esse casaco.
Sem ter mais argumento, Durval a obedeceu e, como Marcia ficava andando sem parar entre os poucos cômodos do apartamento, agindo como se já planejasse como distribuir a mobília, não deu atenção ao estado dele que aos poucos foi se controlando. Depois de alguns minutos ela disse que aceitava a oferta do apartamento, porém, reiterou que ela e o marido se encarregariam dos pagamentos do consumo de energia e da taxa de condomínio. Então perguntou quando poderiam se mudar:
– Na hora que vocês quiserem. Já pode levar as chaves.
Marcia não se conteve e abraçou Durval que sentiu o corpo firme e o perfume delicioso que ela usava e teve que lutar novamente contra uma ereção, porém, foi vergonhosamente vencido e não pode evitar sentir a pressão da barriga dela contra seu pau duro. Esperou pela reação dela já imaginando o pior, mas ela, além de não demonstrar nenhuma contrariedade com aquilo, ainda permaneceu agarrada a ele por mais tempo que o necessário. E ela repetia com sua voz cálida perto do ouvido dele:
– Obrigada. Muito obrigada. Não sei o que faço para te agradecer. Você está sendo um anjo que apareceu na minha vida... e na do Lucas.
O pequeno intervalo que ela fez antes de citar o marido fez com que Durval voltasse à terra, pois estava se sentindo nas nuvens e desfizesse o abraço e se afastasse dela.
Voltaram para o local onde Lucas os aguardava e ele, como estava postando na frente da empresa, entrou e ocupou o banco traseiro. Durante o percurso, Marcia tagarelava sem parar a respeito do apartamento e seu marido apenas sorria e concordava com tudo. Durval perguntou para ele se estava tudo certo e, em poucas palavras, ele explicou que a obra que iria trabalhar ficava um pouco longe, porém, quando Durval soube o local, o tranquilizou dizendo que podia ficar longe da casa onde morava agora, porém, ficava em um bairro vizinho ao que iriam morar, o que o deixou mais tranquilo. Disse também que começaria no outro dia e que iria se ocupar pelo resto daquele em providenciar os documentos, o que fez Durval se lembrar de que Marcia também tinha que adotar as mesmas providências e, ao chegar à sua empresa, pediu que sua secretária a encaminhasse até o RH para lhe darem a lista dos documentos necessários.
Depois de estar com a lista dos documentos em mãos, foram se despedir de Durval e Marcia o agradeceu mais uma vez e o abraçou da mesma forma que fizera antes, mesmo diante do marido, o que deixou o pobre homem ainda mais constrangido. Então se despediram e ele, quando o casal já se afastava, disse para que os dois escutassem:
– Meninos, me esqueci de dizer que tenho uma condição para que tudo o que está planejado possa continuar.
Preocupados, ambos se viraram e aguardaram com a ansiedade estampada no rosto, até que Durval, desfazendo o ambiente de suspense, disse:
– Vocês têm que continuar seus estudos. Todos os dois. A Márcia vai para a Faculdade e o Lucas vai concluir o ensino médio para depois entrar na Faculdade também.
Marcia apenas concordou com um aceno de cabeça, enquanto seus olhos lacrimejavam e Lucas fez um sinal de positivo com a mão direita. Depois se viraram e caminharam em direção à saída.
Aos leitores e amigos.
Vou tentar postar um capítulo por semana. Esse será nas terças-feira. A ideia é, cada um a cada dia útil da semana, exceto na segunda feira. Então amanhã será postado o primeiro capítulo de outro conto e assim por diante.
Essa é a forma que encontrei para que cada um possa acompanhar melhor o tonto que mais agrada.
Obrigado a todos pela atenção que têm dedicado aos meus contos.