[...]
Nanda então desativou o viva voz e saiu de cima de mim, também rindo. Tomei outra ducha rápida, me vesti e saí para meu escritório, deixando-a no telefone com a amiga. Nossa vida voltava aos eixos e agora tinha tudo para dar certo, mas a chegada de um inesperado “Oi!?” de um número desconhecido no WhatsApp de meu celular poderia mudar todo o rumo que havíamos traçado até então.
Retornei aquela mensagem com um simples “Bom dia. Em que posso ajudá-lo?”, haja vista que não seria a primeira vez que eu receberia um contato anônimo de um interessado em meus préstimos profissionais. A conversa não prosseguiu, apesar de a minha mensagem ter sido recebida e visualizada. “Não deve ser nada urgente e ele entrará em contato comigo se precisar.”, pensei.
Em meu escritório comecei a me ocupar de meus trabalhos ainda pendentes. Na hora do almoço, fui para casa e Nanda me recebeu de braços abertos e o aroma que transbordava na vizinhança, dava conta de que ela cozinhava com inspiração naquele dia. As meninas me aguardavam e tivemos uma deliciosa refeição em família. Realmente parecia que, até que enfim, as coisas se encaminhavam em nossas vidas:
- A Bia me perguntou se eu posso ir com ela e a mãe dela escolher o vestido de noiva? - Perguntou-me Nanda.
- Hoje!? - Perguntei com uma surpresa até desnecessária para o momento.
- É! O problema é que as meninas teriam que faltar à aula, porque ela disse que quer levá-las como daminhas da cerimônia e precisaria delas para escolher vestidos que combinassem com o seu. - Insistiu.
- Onde você vão? - Insisti.
- Na cidade do doutor Galeano. A Bia me disse que tem uma loja grande de uma estilista lá.
- Vocês têm alguma prova ou atividade mais importante que o normal para hoje? - Perguntei para as meninas, recebendo um “não” como resposta de minha caçula.
Minha primogênita me encarou por um momento e respondeu:
- Ter, eu não tenho, mas eu não gosto de faltar. Depois tenho que repor matéria e é um saco!
- Eu te entendo e você está certa, mas um vestido de dama tem que ser experimentado pessoalmente, até mesmo para passar por ajustes, se for o caso. - Nanda falou.
- Então, tá, né!? - Resignou-se: - Mas vou querer um igual aquele clipe do “November Rain”.
- Tá louca? Aquilo é vestido cenográfico. Nunca que você usaria um daqueles na nossa cidade. O padre nem deixaria você entrar. - Falei, surpreso.
- Trolei legal!! - Respondeu minha filha, caindo na risada e sendo seguida por mim, sob os olhos atônitos da Nanda e da nossa caçula que nada entenderam.
- Vocês só vão entender quando assistirem ao clipe. - Respondi para elas.
Depois do almoço voltei para o escritório e, por volta das 14:00, recebo uma mensagem da Nanda: “Estamos saindo. Voltaremos no final da tarde. Te amo!”. Respondi com um “Cuidado no asfalto. Olho nas meninas. Também te amo!”.
Voltei a me ocupar da lide profissional e, por volta das 16:00, recebo nova mensagem: “Oi!?” daquele mesmo número desconhecido. Retornei novamente com um “Em que posso ajudá-lo?” e nada, mesmo depois da mensagem ser recebida e visualizada. Entrei nos detalhes da mensagem para tentar alguma pista de seu remetente, mas nada. Aliás, o número era de uma configuração totalmente diferente da usual. Em pesquisa na internet, apurei se tratar de um número internacional, o que deixava ainda mais estranho aquele contato. Deduzi que poderia ser um trote ou um hacker. Ainda assim mandei outra mensagem: “Se você não se identificar, por questões de segurança, serei obrigado a bloquear o número.”, e nada novamente. Quando ia bloqueá-lo, um cliente foi anunciado e acabei me esquecendo dele.
No final do expediente fui direto para casa, afinal minhas filhas estavam com a Nanda e não teria que buscá-las na escola. Cheguei por volta das 18:30 e nada delas terem retornado ainda. 19:00, 20:00 e nada. Mandei mensagem para Nanda e ela não a visualizou. 21:00 e nada. Liguei e a chamada tocou até cair. Insisti outra vez, e nada. Na terceira, Nanda me atendeu:
- Porra, hein!? Até que enfim! Onde você estão? - Falei sem nem cumprimentá-la.
- Ah, “Mor”, desculpa. É que acabamos ficando na loja até agora pouco e a Bia nos trouxe para comer uma pizza porque as meninas já estavam reclamando de fome.
- E custava você me ligar, Nanda!? Porque você não me respondeu as mensagens que enviei, nem me atendeu antes? - Insisti, bravo com a situação.
- É que o aparelho estava na minha bolsa e acabei não ouvindo. - Respondeu e já emendou uma pergunta: - Mas porque você está bravo assim?
- Nanda, já passou das 21:00. É hora de criança estar em casa. Se você estivesse sozinha eu não me preocupava tanto, mas minhas filhas quero embaixo da minha asa! - Falei chateado mesmo.
- Calma! Já, já que a gente vai embora.
- De noite, numa rodovia. Estou super tranquilo agora… - Falei, irônico.
Acho que ela se tocou do horário e dos riscos envolvidos, pois, por um tempo, a ouvi conversar alguma coisa com outras pessoas, mas não entendi o conteúdo. A Bia então passou a falar, aparentemente no viva voz:
- Mark, é a Bia. Desculpa pelo horário. Acabamos demorando mais que o previsto.
- Bia, o horário não é o problema. Minhas filhas estarem fora de casa e da minha vigilância, numa cidade estranha, é que é. - Falei.
Ouvi ao fundo alguém conversando com a Nanda e falando “Ele é pai e está certo!”. Não reconheci a voz, mas acho que devia ser da mãe da Bia:
- Mark! Para com isso! Já está virando grosseria. - Nanda me falou.
- Nanda, não fui grosseiro, não! Você é adulta; nossa filhas, não. Você sabe se virar sozinha; elas, não! - Insisti: - E viajar numa rodovia à noite, requer experiência, sim.
- Doutor Mark. - Ouvi alguém interrompendo-me e a Nanda: - Sou Débora, mãe da Bia. Nos conhecemos no aniversário dela. Tudo bem com o senhor?
- Meio bem, dona Débora. - Respondi tentando não ser grosseiro.
- Queria pedir desculpas por todo o transtorno e dizer que entendo perfeitamente sua preocupação. Gostaria de propor uma solução: eu e meu marido moramos aqui. Eu posso hospedar sua esposa e filhas, e assim elas retornariam amanhã de manhã em segurança. O que o senhor acha?
Fiquei em silêncio por um momento porque, apesar de prudente, não havia gostado nada daquela solução. Nanda logo falou:
- Mark, estamos aguardando uma resposta? - Demonstrava impaciência, como se eu tivesse causado aquilo.
- Você que sabe, Nanda. Decida você! - Dei-lhe a opção, claramente incomodado com a situação.
Elas então começaram a conversar e, das poucas frases que consegui ouvir, entendi que elas tinham notado meu descontentamento, mas que também entendiam o risco de um retorno à noite. Nanda ainda pedia desculpas pela minha grosseria, mas a mãe da Bia a repreendia, dizendo que eu não tinha culpa de nada e que entendia minha preocupação. Depois de um tempinho, ouvi minha primogênita:
- Pai, sou eu. Eu não quero ir embora de noite com a Bia. Ela dirige bem, mas asfalto é perigoso. - Contemporizou e depois perguntou: - Você quer vir nos buscar?
Minha vontade era de ir buscá-las, mas se eu fizesse isso iria criar um clima ainda mais desagradável. Então, preferi ser político:
- Sua mãe decide, “Morzinho”. Se ela quiser, eu vou. Mas agora vou desligar para vocês "aproveitarem sua pizza". - Fiz questão de frisar: - Depois vocês me avisam o que decidiram, principalmente se quiserem que eu vá buscá-las.
Instantes depois, recebo uma mensagem da Nanda: “Situação chata que você me deixou!” Visualizei, mas não respondi. Aliás, meu aplicativo está configurado para as pessoas não saberem se visualizo uma mensagem. Faço isso para evitar clientes chatos. Só não imaginava ter que usar esse recurso contra minha esposa. Outra mensagem dela: “Não vai me responder??” Meia hora depois, ela me faz uma vídeo chamada e então não tive como não atender:
- Poxa, Mark! Pra que tudo isso? Não estamos fazendo nada demais. - Disse e mostrou o ambiente em que estavam com poucas mesas ocupadas.
- Você não está querendo me empurrar a responsabilidade por vocês terem descumprido o combinado, não é? Me preocupo, sim, com vocês. Caramba, Nanda! Elas já perderam aula e vão perder novamente amanhã?
- Ah, para com isso!
- Para com isso, o quê, Nanda!? Você está fora de casa, numa cidade que não é a nossa, com nossas filhas, bebendo, e quer que eu não fique preocupado? - Falei, chateado: - Dá um tempo, né!
- Você está fazendo tempestade em copo d'água? E eu só bebi uma caipirinha, nem estou dirigindo. - Insistiu: - Mas você está certo sobre o risco: acho que nós vamos pernoitar aqui e vamos embora amanhã de dia. Assim você fica mais tranquilo…
- Você que sabe. Depois a gente conversa, então. - Acabei a interrompendo.
Nisso, como diz aquele ditado que “nada é ruim o suficiente que não possa piorar”, vejo um cara alto passando por trás dela e até a empurrando para a frente. Pelo semblante dela, acredito até que tenha levado uma “encoxada”. Como a câmera estava focalizada nela, não consegui ver o rosto dele, mas mal ele passou, já retornou pedindo desculpas e a cumprimentando como se fossem amigos. Então, reconheci o “Davi”. Ela o cumprimentou sem jeito e me encarou com os olhos arregalados, já esperando uma discussão. Ele, esperto, sentiu um clima estranho e me viu no aparelho do outro lado da chamada. Então, me cumprimentou com um sorriso irônico, praticamente encostando seu rosto no dela. Ela se afastou dele e ouvi um “Dá licença!?” dela para ele. Ainda o vi se afastando e sorrindo:
- Mark…
- Resolva, Nanda, e fica esperta: não pisa na bola de novo! - A interrompi outra vez e desliguei a chamada.
Ela ainda tentou me ligar mais duas vezes, mas eu estava bravo e, se a atendesse, aquilo iria virar uma discussão. Então, me mandou mensagem pedindo desculpas e dizendo que decidiu pernoitar por lá por segurança. Ainda me mandou mais duas mensagens perguntando porque eu não respondia e uma última dizendo que me amava e que estavam indo para o apartamento da mãe da Bia. Recebi também uma mensagem da minha primogênita, pedindo para eu não ficar bravo com elas, que fiz questão de responder imediatamente dizendo para ela não se preocupar.
[...]
- Fica calma, Nanda. - Me dizia Bia: - O Mark sabe que não fizemos nada de errado. Foi só um imprevisto na loja.
- Conheço meu marido, Bia. Isso ainda vai dar pano pra manga. - Respondi, enquanto tomava mais um gole da minha caipirinha.
- Sim. Mas imprevistos acontecem. - Ela insistiu: - Eu vou ligar pra ele.
- Não, Bia. Não insiste. Ele já está bravo. Nem está mais respondendo minhas mensagens. Melhor deixar que amanhã me entendo com ele.
- Vocês duas não têm o direito de ficarem chateadas com ele. Ele é pai e está longe de suas filhas. Ele está se sentindo impotente e incapaz de protegê-las pela distância. - Emendou Débora, a mãe de Bia: - Da próxima vez, Bia, vê se marca com a estilista mais cedo e não aceite novos atrasos. A culpa de tudo é dela.
- Sim, mamãe. - Respondeu Bia.
De longe, vi que Davi me encarava e acho que Bia notou, me dando um sorrisinho malicioso que fiz questão de recusar, negando com a cabeça. Pouco depois, saímos da pizzaria e dona Débora disse que poderíamos ir a pé até seu prédio, que ficava a um quarteirão da pizzaria. Lá, subimos até o décimo andar e fomos recebidas por seu Rodolfo, pai da Bia, que ficou muito feliz em nos hospedar. Bia acabou comentando com ele sobre o clima que havia ficado entre eu e o Mark, e ele se dispôs a me ligar, mas não deixamos. Acomodei as meninas no antigo quarto da Bia e elas caíram no sono quase que imediatamente, rodeadas por bonecas e bichos de pelúcia. Voltei a sala e Bia me aguardava, junto de seus pais:
- Nanda, deixa meu pai ligar pro Mark. Homens se entendem fácil. - Pediu Bia, novamente.
- Não, Bia. Conheço meu marido. Ele já está chateado e quanto mais gente entrar nesse meio, pior vai ficar. Pode deixar que amanhã eu me resolvo com ele.
- Não vá discutir com ele, Nanda. - A advertiu dona Débora: - Ele não está errado em estar chateado.
- Sim, claro, dona Débora. Mas ele está sendo cabeça dura. - Insistiu Nanda.
- Filha, se fosse eu, talvez a discussão tivesse sido ainda pior. - Emendou seu Rodolfo.
Ficamos papeando mais um pouco e o pai de Bia nos pediu licença para se recolher. Bia então teve uma ideia besta e com grande potencial de me causar um problemão: me convidou para voltarmos até a pizzaria para beber mais um pouco. Sua mãe a repreendeu de cara:
- Que é isso, Bia!? Ela acabou de se desentender com o marido e você quer levá-la para uma noitada?
- Mamãe! Que é isso, digo eu. Ela está tensa: só precisa relaxar e a pizzaria é aqui do lado. - Retrucou Bia: - Além disso, foi a senhora mesma que me ensinou que não somos propriedades de nossos maridos, que eles tem que nos respeitar e confiar na gente.
- Vocês que sabem? - Deu de ombros, dona Débora: - Se quiserem ir, fico de olhos nas meninas, mas deixem os celulares ligados e tenham juízo.
- Vamos, Nanda? A gente toma um drink e volta rapidinho. Só pra relaxar mesmo. - Insistiu Bia.
A encarei, por um momento, meio confusa e, também chateada com o Mark, decidi aceitar num primeiro momento, mas me lembrei de todos os problemas que eu e o Mark havíamos enfrentado e recusei o convite:
- Vai ficar para outro dia, Bia. - Respondi firme: - Tenho um combinado com o Mark de nunca sairmos sós, ou sem o conhecimento e permissão do outro.
- Uai! Liga pra ele, então! - Falou Bia, sorridente.
- Tá louca, Bia!? Já quase discutimos por um simples imprevisto. Imagina se ele vai me deixar sair, deixando as meninas para trás. - Retruquei.
Nisso meu celular vibrou e vi que o Mark tentava fazer uma vídeo chamada. Lógico que eu atendi:
- Oi, “Mor”.
- Oi. Queria pedir desculpas. Acho que exagerei, Nanda. Deve ser cansaço. - Ele falou, constrangido.
- Tá tudo bem, "Mor". Amanhã, antes do almoço já vamos embora.
- E porque não mais de manhãzinha? - Ele perguntou.
- Porque o vestido das meninas não ficou tão bom quanto esperávamos. Então, Bia quer passar numa loja de um shopping aqui perto para darmos uma olhada nas opções. - Falei.
- Oi, Mark bravinho!? - Falou Bia, sorrindo sobre o ombro da Nanda: - Deixa eu levar a Nanda para tomar um drink comigo, só nós duas?
A pergunta o pegou de surpresa e vimos que ele ficou sem reação naquele momento, mas eu mesma me antecipei e neguei o convite:
- Pode ficar tranquilo, “Mor”. Ela está insistindo, mas já disse que não vou deixar as meninas.
- Poxa, Nanda. Você é minha dama de honra e tem que me acompanhar em todas as fases do meu casamento, inclusive na minha despedida de solteira. - Insistiu, rindo meio amarelo.
- Bia, se a Nanda estivesse sozinha, eu até não veria problema algum. Mas enquanto estiver com nossas filhas, elas são a prioridade. Imagina o problema que daria se uma delas acordasse no meio da noite? - Ele falou.
- Mas o bar é aqui em frente ao prédio, Mark. É rapidinho!... - Bia insistiu.
- A Nanda decide. Mas por mim, é não! - Ele retrucou.
Despedimo-nos e eu já me sentia muito mais leve. Ele havia me compreendido e estava em paz. A Bia voltou a insistir:
- Nanda, só um drinkzinho! Te prometo. O bar é do outro lado da rua. Dá pra ver daqui da sacada, olha!
- Não, Bia! A gente pode combinar e eu volto outro dia para sairmos só nós duas. Mas hoje, com minhas filhas aqui, eu não vou. Sinto muito. - Encerrei o assunto, sendo apoiada pela mãe da Bia.
- Poxa, Nanda. Ele até deixou você decidir. - Insistiu uma vez mais.
Eu a encarei e pensei “Realmente. Não há problema algum.” Me levantei e vi que o bar ficava bem em frente ao prédio, mas ainda assim neguei, porque havia me comprometido com meu marido e nada me faria voltar atrás. Ela acabou aceitando e fomos dormir logo depois.
No outro dia de manhã, bem cedinho, pouco depois de nos levantarmos para preparar um café da manhã, recebemos a visita de um entregador. Trazia um imenso buquê de rosas vermelhas. Bia ficou acesa e radiante com o presente, mas sua felicidade durou somente até a abertura do cartão:
- Putz! Que furada, Bernardo. - Disse.
- O que aconteceu? - Perguntamos quase ao mesmo tempo eu e dona Débora.
- O buquê não é pra mim. É pra Nanda. - Respondeu, chateada.
- Pra mim!? - Falei, surpresa: - Meu maridinho me mandou um pedido de desculpas. Que lindo! - Respondi saltitante.
- Está vendo!? Eu falei que vocês só precisavam ficar calmos que tudo se resolvia. - Disse dona Débora.
Minhas filhas chegavam na cozinha nesse momento e ficaram felizes ao verem o lindo buquê de rosas vermelhas:
- Papai que mandou? - Perguntou a caçula.
- Isso não é muito a cara dele, não… - Falou a mais velha.
Bia então me olhou com uma cara mais séria e me entregou o cartão. Meu queixo quase caiu quando li “Para a mulher mais linda da noite e que insiste em viver em meus sonhos. Lindo e maravilhoso dia, Fernandica. Do seu Davi.”. Fiquei sem reação, gelei, travei. Dona Débora se aproximou e ao ler o cartão entendeu minha reação. Minha filha mais velha sacou algo errado na hora e deu uma olhada de canto de olho no cartão:
- Quem é Davi, mãe? Que história é essa? - Me perguntou com expressão séria e brava.
Eu sentindo o problema se armar, retomei meu controle e respondi minimizando o presente:
- É só um engano, meu amor. Com certeza não é para mim. Ninguém me chama de “Fernandica”. Você sabe disso.
- Isso! - Concordou dona Débora: - Vou até ligar na portaria e pedir para o porteiro verificar corretamente para quem é a encomenda.
- Vocês estão me achando com cara de boba!? Vamos ver se meu pai concorda com vocês quando eu contar para ele. - Minha filha falou, já zangada.
- Meu amor, olha só… - Bia começou a falar: - Você sabe que sua mãe ama seu pai, não sabe? Mesmo que esse buquê seja para ela, isso não significa nada. Pra quê chatear seu pai com isso? Só vai aborrecê-lo. Ele merece isso?
- Não. Não merece… - Ela respondeu.
- Então… Você agora que está crescendo, virando uma mocinha, precisa aprender que nós, mulheres, temos que, às vezes, guardar alguns segredos para não chatear nossos homens. Entende? E hoje, na sua idade, quem ainda é o seu homem? - Insistiu Bia.
- Meu pai. - Falou agora chateada.
- Então… Esquece disso. Minha mãe vai confirmar com o porteiro. Se for para sua mãe, ela decide o que fazer depois.
Minha primogênita então a encarou, mas não respondeu nada. Ainda olhava com raiva para aquele buquê. Vi o gênio do Mark naquele momento: o mesmo olhar bravo, mas justo e contrário a qualquer mentira.
Depois de tomarmos nosso café da manhã, saímos rumo ao maior shopping da região. Minha primogênita se mantinha calada e, mesmo quando brincávamos, ela pouco reagia. Parecia confusa com a sugestão da Bia de omitir o buquê de seu pai. Sua expressão mudou quando chegamos no shopping, afinal que criança, que mocinha, não gosta de passear num shopping. Entramos e demos uma volta por uma boa parte do espaço e logo chegamos a uma grande loja de vestidos de festas.
Ficamos lá aproximadamente três horas e Bia experimentou praticamente toda a loja, mas encontrou o que queria: seu vestido, das daminhas, meu vestido com detalhes combinando com o dela, sapatos, arranjos, etc. Saiu realmente muito feliz. Aproveitando que estávamos no shopping, ela passou em um salão para marcar com bastante antecedência seu cabelo e maquiagem.
Dado o horário, resolvemos almoçar na praça de alimentação dali mesmo, mas antes deixei as meninas aproveitarem um pouco na área de recreação. Dona Débora pediu para ficar vigiando elas porque já não aguentava mais andar pelo shopping. Assim, saímos eu e Bia a passar pelo lugar. Em certo momento, nos sentamos numa mesa próximo da área de alimentação gourmet daquele shopping e pedimos dois sucos. Conversávamos animadamente sobre os preparativos do casamento quando notamos uma mesa com quatro homens nos encarando. Bia, mais vivida que eu nesse meio, sacou de cara:
- Nanda, olha aí à sua direita, uma mesa cheia de gatinhos e nos secando. Dá até vontade de fazer uma despedida de solteira. - Falou, rindo.
- Para com isso, Bia! É só impressão sua. - Resmunguei, mas sorrindo com a ideia.
- Eles não tiram o olho da gente. Também você vem com esses pernões de fora. - Ela insistiu e arrematou: - E eu acho que sei porque: nós estamos usando tornozeleiras de pimentinha.
Involuntária ou voluntariamente, acabei olhando para meu tornozelo direito e confirmando o que ela disse:
- Para com isso, Bia! Sou uma distinta mulher casada. - Falei, simulando seriedade.
- E toda “hotwife” não é? - Ela retrucou.
Rimos e ela continuou se insinuando sutilmente para eles. A certa altura, dois deles, aparentemente os mais velhos, se levantaram e saíram, deixando os demais. Pouco depois o garçom nos trouxe dois drinks levemente alcoólicos:
- Moço, a gente não pediu nada. - Falou Bia.
- É uma cortesia dos cavalheiros, madames. - Disse e nos indicou a direção do balcão do restaurante, onde aqueles dois que haviam se levantado há pouco estavam agora.
- Bia, “manera” na bebida que você ainda vai dirigir hoje. Tenho que ir para casa. - A adverti.
- Fica tranquila, amiga. Isso aqui quase não tem álcool.
Pouco depois os dois se aproximaram de nossa mesa e nos abordaram:
- Espero que o drink esteja ao gosto de vocês. - Disse o mais alto dos dois: - Ah, perdão. Meu nome é Marcos e meu amigo aqui é o Paulo.
- O meu está delicioso e o seu Nanda? - Falou Bia.
- Ah, sim. Sim. Está muito bom. Bem diferente, parece ter sabor de café. - Falei.
- E tem mesmo! - Falou Marcos, me encarando: - Será que podemos nos sentar para acompanhá-las?
- Claro que podem. Sentem-se. - Disse Bia, sem nenhum constrangimento.
- Para uma mineirinha, imaginei que você deveria gostar de café e esse drink cairia muito bem. - Dizia Marcos me encarando.
- E como sabe que sou mineira? - Perguntei.
- Seu sotaque é inigualável, minha cara. - Falou, dando seu melhor sorriso galanteador.
Paulo, nesse ínterim, já engatava uma animada conversa com Bia. Ficamos conversando os quatro e ali soubemos que Marcos era um juiz de direito da vara de recuperação judicial e falência da capital e Paulo promotor de justiça também de uma vara criminal da capital. O clima era de pura sedução deles para cima de nós. Num dado momento, Marcos elogiou nossas tornozeleiras e me perguntou se eu sabia seu significado, fazendo com que eu ficasse roxa:
- Acho que você sabe, não é!? - Ele próprio respondeu, rindo de minha falta de jeito.
- Claro que sei: significa proteção e boa sorte. - Respondi, mas acho que meu sorriso teve efeito contrário.
- No tornozelo direito, tem um sentido um pouco mais “apimentado”, se me permite a redundância. - Disse e me encarou.
- É mesmo? E o que seria? - Instiguei-o a continuar.
- Significa que você é uma mulher forte, independente, raríssima de se encontrar e que adora viver fortes aventuras. - Disse, sempre me encarando e me fazendo concordar com ele num meneio de cabeça, quando complementou: - Inclusive com outros homens que não o seu marido.
Nisso, ele colocou seu indicador e esfregou sobre minha aliança de casamento. Bia e Paulo nessa hora haviam parado de conversar e nos assistiam, curiosos com a carga de sedução que aquele homem despejava sobre mim:
- Ah, Marcos, para! - Eu disse sorrindo e tomei mais um gole de meu drink: - Se você sabe que sou casada, sabe também que deve me respeitar, não é?
- Por favor. Não quero desrespeitá-la de forma alguma. Mas se eu estiver certo e claramente estou, gostaria muito de ter a chance de conhecê-la melhor. Somente isso. - Disse e tomou um gole de sua bebida, Whisky aparentemente.
- Então… Mas acho que para isso acontecer, você teria que pedir para o meu marido, entende!? Tem coragem para isso? - Disse, o encarando com um sorriso malicioso e Bia deu uma risada a minha frente de minha tirada.
- Me dá o telefone dele que eu ligo agora! - Falou Marcos já sacando seu celular do bolso.
- Você tá louco!? Estou brincando! De dia gata não sobe em telhado, senão leva pedrada. - Falei, fazendo todos gargalharem: - Além disso, tenho que buscar minhas filhas daqui a pouco.
- Filhas? - Ele perguntou.
- Filhas. Tenho duas. - Falei: - Inclusive estão na área de recreação me esperando nesse momento.
- Acho que você está blefando comigo… - Falou Marcos, sempre me encarando: - Deve estar querendo me dispensar.
- Quer pagar pra ver? - Perguntei: - Só que vai sair caro.
- Eu pago! Se eu ganhar, jantar dançante comigo, hoje à noite. - Ele propôs: - Se você ganhar, eu janto com você.
- Ah, tá bom. Espertinho… - Respondi, rindo.
- Eu tinha que tentar, não é? - Falou, sorrindo: - Mas sério agora: se eu ganhar, jantar dançante comigo, hoje à noite. Se você ganhar, eu te dou uma prenda, uma lingerie, a que você quiser. É só você escolher.
- Já perdeu, Marcos. As filhas dela estão aqui mesmo. - Falou Bia, rindo.
- Esquece disso, Marcos. Quem sabe outro dia não te deixo pagar a aposta. - Falei, já me levantando: - Mas hoje realmente eu tenho que ir buscar minhas filhas e voltar para casa.
- Poxa, que chato! Nem seu telefone vou ganhar? - Falou com cara de bebê chorão.
Não vi mal algum e lhe pedi uma caneta. Anotei então meu nome e número num guardanapo e lhe entreguei. Nos despedimos e quando já estávamos saindo senti meu telefone vibrar. Peguei o aparelho e não reconheci o número. Atendi e Marcos falou:
- Só estou registrando seu número, meu sonho!
Olhei para a mesa e o vi sorrindo e acenando com a mão para nós. Retribui o sorriso e também lhe acenei. Virei-me e saí andando com a Bia de meu lado:
- Nanda, que perfume você usa? Você ficou com o melhor… - Disse, sorrindo.
- Cola em mim que eu te ensino, Bia. - Disse, dando uma baita risada por saber que aquilo era uma imensa mentira, porque sou tímida de nascimento.
Logo chegamos à praça de recreação, reencontrando dona Débora. Peguei minhas filhas e fomos almoçar na praça de alimentação, onde, num certo momento, vimos Marcos e Paulo passando em frente a nossa mesa, nos cumprimentando. Eu só levantei minha sobrancelha e sorri, indicando minhas filhas e a aposta ganha. Ele concordou com um aceno de cabeça e seguiu. Depois voltamos até a casa da dona Débora, onde a deixamos e Bia nos levou até a nossa. Elas chegaram cansadas e não insisti que fossem para a escola. Mandei uma mensagem para o Mark avisando que já havíamos chegado e que eu estava com saudades. Ele me retornou, dizendo que tentaria voltar mais cedo, mas sem prometer. Nesse momento, vi na área de notificação de meu celular o aviso de uma nova mensagem, um simples “Oi!?” de um número desconhecido no WhatsApp. Não era o número do Marcos e quando retornei o “Oi”, ele simplesmente não retornou. “Estranho, muito estranho.”, pensei.