Pouco depois o Marcos veio até a cozinha acompanhado do pai da Bia e disse que precisava ir embora. O acompanhamos até a porta e nos despedimos dele. Ele ainda fez questão de, quando se despedia de mim ao me beijar a face, se aproximar de meu ouvido e dizer que estava a minha disposição, quando e como eu precisasse. O pai da Bia acompanhou o Marcos até a portaria enquanto ficamos no apartamento. O clima ficou estranho e eu não sabia onde colocar a cara, mas sabia que aquilo não terminaria ali:
- Está acontecendo alguma coisa, Bia? - Perguntou dona Débora.
- Não, mãe. Nada. - Respondeu, mas não convenceu.
- Nanda!? - Dona Débora insistiu.
- Dona Débora, só posso falar para a senhora que o Mark tem se incomodado com algumas atitudes do Marcos. Então, para não sobrar nada pra mim, pedi para a Bia não me deixar sozinha com ele. Só isso. - Respondi, mas acho que também não convenci.
- Só isso mesmo, meninas? - Insistiu outra vez.
- Se ela tá falando, então é, né, mãe! - Falou Bia.
- Nanda, vou te pedir um favor, então. Fica aqui em casa até o seu marido voltar. Eu ia ficar chateada se acontecesse alguma coisa enquanto seu marido está fora. - Me pediu, dona Débora.
- Se não for incomodar a senhora, eu aceito sim. - Respondi, aliviada com o convite.
- Ótimo, então, meninas. Vamos dormir? - Falou, por fim.
- Vamos sim. Vem Nanda. Você fica no meu quarto. - Falou Bia, já me puxando pelo braço.
- Boa noite, dona Débora. - Falei.
- Boa noite, querida. - Falou e depois completou: - Boa noite, viu, Bia!?
- Oi!? Desculpa, mamãe. Boa noite. - Falou Bia, desconcertada.
No quarto, ajudei Bia a preparar uma cama auxiliar. Depois me emprestou uma camisola que ficou meio curta em mim por conta de nossa diferença de altura. Na verdade, ficou bastante curta: ela já usava um número menor para ficar mais sensual e, em mim, deixava quase metade da bunda para fora. Eu olhei para aquela camisola em mim num espelho, enquanto ela ria e falei:
- Ri mesmo, anãzinha de jardim. - Falei, rindo.
Me deitei e logo ela quis saber o que estava acontecendo entre mim e o Marcos. Dei uma rápida resumida para ela e ela, safada como sempre, começou a me instigar, dizendo que seria uma ótima oportunidade para tirar as teias de aranha:
- Que teia, o quê, Bia!? Eu e o Mark fazemos uma bagunça no quintal sempre que temos chance. - Falei.
- Ah, mas é diferente, né? É outro homem, outra pegada. - Ela respondeu agora de uma forma séria: - Esses homens, avulsos, que a gente pega, gostam de mostrar serviço na hora “h”, principalmente se for na frente dos nossos homens. Aí parece que eles competem e se desdobram para mostrar quem é o melhor, quem é que consegue satisfazer melhor a fêmea no cio.
Eu não posso negar que ela tinha uma certa razão. Mas quando se é casada e se faz isso para diversão própria e do parceiro, todos tem que estar à vontade e dispostos a participar para aproveitar o máximo possível. Então, se o Mark não estivesse à vontade, ele não aproveitaria e eu também não conseguiria. De qualquer forma, acho que demorei demais a responder para Bia sua última colocação, tanto que quando fui falar vi que ela já estava cochilando. “Melhor assim!”, pensei e acabei dormindo logo em seguida também.
[...]
No hospital, meu celular mostrava serem 2:00 da madrugada e a noite ainda prometia ser longa. Bernardo passaria suas horas num leito de UTI até sua cirurgia e, por um motivo qualquer que não me lembro, eu não poderia acompanhá-lo. Eu tinha a opção de dormir num "confortável" banco de plástico duro da recepção ou me hospedar num hotel próximo. Deixei meus dados e meios de contato e fui para o hotel, onde minha estadia foi liberada rapidamente. No quarto, comi uns salgados que encontrei no frigobar e me deitei como estava, dormindo em seguida.
Por volta das 6:30, meu celular toca e me levanto alarmado. Vejo no visor o número do hospital. Atendi e fui informado que estavam quase prontos para a cirurgia, dependendo apenas de minha autorização. Como advogado, sei que, por não ser parente do Bernardo, precisaria entrar em contato com o pai dele. Fiz o "check out" e voltei ao hospital. Só aí vi que não tinha o telefone do pai do Bernardo, ia ligar para Nanda, mas me lembrei que o Bernardo havia ficado consciente e, se estivesse novamente, ele próprio poderia dar sua autorização. Pedi para falar com o médico responsável e expliquei a situação. Ele me falou que tinha conversado há pouco com o Bernardo e me levou até ele, que descansava com os olhos fechados. Explicamos a situação e ele próprio assinou a autorização, que ratifiquei em seguida com minha própria assinatura. Desejei-lhe boa sorte e voltei para a recepção. Por volta de uma hora depois o pai dele chegou e não me reconheceu imediatamente:
- Com licença, seu Jânio. - Falei ao abordá-lo: - Sou eu: o Mark, futuro padrinho do Bernardo e da Bia. Tudo bem com o senhor?
- Ô, doutor. - Falou, me abraçando em seguida: - Eu nem sei como te agradecer pelo que tem feito por meu filho.
- O senhor não tem que me agradecer de nada, seu Jânio. - Falei, convidando-o a me seguir.
Sentamo-nos num banco da recepção e lhe expliquei tudo o que estava acontecendo. Falei sobre a cirurgia e os riscos envolvidos, mas lhe passei a mesma conclusão de todos os médicos que haviam atendido o Bernardo: ou ele corria risco agora e se submetia a cirurgia, ou correria risco de morte o resto de sua vida. Ele acabou se resignando:
- Mas um parente não teria que ter assinado alguma autorização ou coisa do tipo? - Me perguntou.
- Sim. Mas como o Bernardo estava consciente, fui com o médico até ele e explicamos todo o quadro. O próprio Bernardo assinou a autorização e eu a ratifiquei. - Expliquei.
- Então, ele está bem? - Insistiu.
- Sim, de cabeça, muito bem. O problema é que, como me explicaram e contei para o senhor, a fratura dele ocasionou uma lesão vascular que poderia evoluir para uma trombose que, por sua vez, poderia causar uma embolia, AVC ou mesmo um infarto.
- Poxa, doutor… - Falou desanimado.
- Fica tranquilo! Conversei bastante com os médicos e eles me disseram que as chances do Bernardo são muitíssimo boas. Ele é forte e o acidente dele, por pior que tenha sido, só causou esse problema. - Falei e contemporizei com ele: - O senhor há de convir que poderia ter sido muito mais grave, não é?
- Doutor, eu não sei como ele não morreu. O senhor chegou a ver o carro?
- Não. Não vi.
- Perda total. Meu filho renasceu de novo. - Falou agora com os olhos marejados.
Coloquei a mão em seu ombro tentando apaziguá-lo e nisso vejo um dos médicos responsáveis pela cirurgia aparecer no corredor com um semblante preocupado, vindo em nossa direção. Já esperava o pior quando ele nos abordou:
- Doutor Mark…
- Doutor… - Eu o interrompi para alertá-lo: - Este é o pai do Bernardo, seu Jânio.
- É um prazer. Tudo bem com o senhor? - Disse, sem aguardar a resposta e continuou: - Estamos com um inesperado problema.
- O que aconteceu, doutor? - Perguntamos, quase ao mesmo tempo e ambos aflitos.
- Nossa reserva de sangue A+ está baixa. Houve uma cirurgia de emergência ontem e ainda não repuseram os estoques. Seria meio arriscado prosseguirmos nessas condições. - Falou.
- E precisam de muito sangue para a cirurgia? - Perguntei.
- Nem é tanto pela cirurgia, mas para uma eventualidade, entende? - Insistiu: - Nós já entramos em contato com o hemocentro, mas levará algum tempo até chegarem…
- Bem. O meu sangue é A+. - Falou, seu Jânio: - Pode tirar quanto quiser, doutor.
- Ótimo! Isso é bom. Já ajuda a dar uma margem de folga.
- Então, temos dois com sangue A+, doutor. - Falei e bati no meu braço: - Também me disponho a doar.
- Ô, gente. Ótimas notícias. Aguardem só um segundo. - Disse e foi até o balcão de atendimento.
- Doutor, o senhor já fez muito pelo Bernardo. - Falou agora emocionado, seu Jânio.
- Pois é, seu Jânio, mas o sangue não vai sair de graça, não! O Bernardo vai ficar me devendo um churrascão e uma cervejada depois de hoje. - Falei, fazendo uma graça para animá-lo.
- Uai! Vai dever pra nós dois, então. - Respondeu e riu pela primeira vez naquele dia: - E se ele não pagar, corto ele na cinta.
Nesse momento, um enfermeiro se aproximou e nos pediu para acompanhá-lo até uma sala de coleta. Lá uma enfermeira começou a nos fazer uma série de perguntas desde vida sexual, alimentação, tatuagens, etc., enquanto éramos conduzidos até umas cadeiras próprias para esse tipo de procedimento. Ali, nos tiraram uma quantidade de sangue que não sei quantificar. Na sequência, fomos levados ao refeitório e praticamente obrigados a comer um lanche e suco, dizendo fazer parte do procedimento. Depois nos orientaram que deveríamos evitar atividades físicas fortes por conta da doação e evitar dirigir por um determinado período:
- Doutor, eu sei que o senhor deve ter seus compromissos. Se o senhor quiser, pode voltar com meu carro. Eu vou ficar aqui até o Bernardo puder ser transferido de volta. - Me falou o seu Jânio.
- Fica tranquilo, seu Jânio. Vou ficar com o senhor até a cirurgia terminar e depois, se for o caso, pego um ônibus. - Falei e complementei: - Eu fazia muito disso na minha época de faculdade.
- Ônibus, doutor?
- É e funcionava muito bem, porque eu trabalhava durante o dia e estudava à noite. Então, eu aproveitava a viagem para descansar na ida e na volta. - Falei e ri: - Ô tempinho bom.
Ficamos um tempinho ainda na sala de observação e, não sei se por causa da doação, acabei cochilando, voltando a acordar por volta das 8:30. Seu Jânio lia uma revista qualquer numa poltrona ao meu lado e só então me lembrei de ligar para a Nanda.
[...]
Tive uma noite um tanto quanto agitada. Estava cansada, mas não consegui dormir direito. Peguei meu celular e marcava quase 4:00 da madrugada. No campo de notificações, somente propagandas de sites de venda. Pensei em mandar uma mensagem para o Mark, mas, se ele estivesse dormindo, eu poderia acordá-lo e queria que ele descansasse. Abri meu Facebook e de cara vi uma nova solicitação de amizade que logo reconheci ser do Marcos, aliás, Marcos Augusto de Medeiros e Sá Brasil Nunes Forte Braga. “Putz! Esse deve ter sofrido na escola: que tamanho de nome!”, pensei. Acabei aceitando a amizade e então tive acesso a todo o conteúdo de suas postagens, nada muito diferente do que mostrava no perfil público, apenas mais fotos.
Por mais que o Mark não simpatizasse com ele, não posso negar que ele era atraente. Em termos físicos, até não parecia ser muito diferente do meu marido. Mas sua feição era mais jovem, tinha cabelo, mais pelos. “O filho da mãe é bonito.”, pensei enquanto via algumas fotos dele de sunga de uma viagem que ele havia feito para Fernando de Noronha. Eu estava navegando já há uns quinze minutos, quando recebo a notificação de uma mensagem recebida no WhatsApp, coincidentemente dele, um simples “Oi, sonâmbula!”, logo seguido de um “Não está conseguindo dormir?”. Fechei todos os aplicativos de meu celular na esperança de que não soubesse que eu estava “online", mas começaram a chegar mensagens de “Oi!?”, “Você está aí?”, “Fernanda???”, “Você está brava comigo?” e outras, e aqueles “bip’s” iriam acabar acordando a Bia.
Abri o WhatsApp e respondi:
Eu - “Marcos, para! Vai dormir, por favor.”
Ele - “Eu te acordei? Desculpa.”
Eu - “Não. Não me acordou. Eu perdi o sono, mas já estou indo dormir. Boa noite.”
Ele - “Quer conversar um pouco?”
Eu - “Não. Agora quero tentar dormir. A gente se fala outra hora. Desculpa e obrigada pela compreensão. Beijo.”
Ele - "Nanda, você é realmente uma mulher de fibra sem igual. Gostaria muito de conhecê-la melhor, intimamente melhor, claro com a permissão de seu marido. Se, entretanto, ele não permitir, saiba que não hesitarei um único segundo até merecer sua atenção, respeito e afeto. Um beijo enorme para você também.”
Coloquei o aparelho de lado e fechei os olhos para tentar dormir novamente. Fiquei ali não sei quanto tempo e uma palavra me veio à mente: beijo. “Beijo!?” Abri novamente o aplicativo e vi que eu tinha feito a besteira de, no cansaço e meio sonolenta, mandar um beijo para ele ao invés de outro boa noite. Tentei apagar aquele trecho da conversa, mas agora só conseguia apagá-la para mim e não mais para ambos. Então apaguei as três últimas partes da conversa para não estressar ainda mais o Mark. “O Mark não merece.”, pensei. Coloquei o aparelho de lado e adormeci, tranquila.
Por volta das 7:00 acordei com movimentação na cama ao lado. Olhei e vi a Bia tentando se levantar sem me acordar:
- Te acordei, né? Pode dormir, Nanda. Depois eu te chamo. - Falou.
- Não dá, Bia. Também quase não consegui dormir. - Respondi.
Levantamo-nos, então, e fomos até a cozinha preparar um café da manhã. Pouco depois sua mãe chegou, nos cumprimentou e se colocou a nos ajudar. Abri o WhatsApp na esperança do Mark ter me mandado alguma notícia, mas nada ainda. Antes de fechar o aplicativo, recebo outra do Marcos:
Ele - “Bom dia, Fernanda. Já teve alguma notícia do seu amigo?”
Apesar de não querer conversar com ele sem o Mark, não vi mal algum em responder aquela mensagem:
Eu - “Nada ainda, Marcos. Acabei de acordar e abri o aplicativo justamente para ver se o Mark tinha mandado alguma novidade, mas ainda nada.”
Ele - “Já mandou mensagem para ele?”
Eu - “Não. Ainda é cedo. Ele pode estar dormindo.”
Ele - “Entendi. E vocês, como estão?”
Eu - “Todas nervosas por conta da falta de notícias.”
Ele - “Não fiquem assim: deve estar tudo bem. Afinal, como diz o ditado, ‘notícia ruim voa rápido’.”
Eu - “Espero que você esteja certo. Vou dar uma atenção para a Bia agora. Depois a gente se fala.”
Ele - “Ok, então. Beijo.”
Preferi não responder. Ficamos as três ali, conversando, tomando nosso café e logo o pai da Bia chegou. Mandei uma mensagem para o Mark e nada. Tentei ligar e ele não me atendeu. Pouco antes das 8:00, o interfone tocou e o pai da Bia foi atendê-lo, autorizando a subida de alguém. Logo, a campainha tocou e ele foi atender a porta, trazendo o Marcos com ele, o que surpreendeu a todas nós:
- Bom dia, gente. Desculpe o incômodo. - Falou.
- Incômodo algum, Marcos. - Disse meio atônita, a dona Débora: - Quer tomar um café?
- Um cafezinho eu aceito, sim. Obrigado. - Respondeu.
- O Marcos trouxe notícias do Bernardo. - Se adiantou o pai da Bia.
- Notícias!? O Bernardo está bem? - Perguntou Bia.
Ele se aproximou da mesa, sentando-se do meu lado e respondeu:
- Falei com a Fernanda agora há pouco e ela me disse que vocês não estavam conseguindo retorno do Mark. Então, tomei a liberdade de ligar no hospital e colher algumas informações. - Parou para receber uma xícara de café e continuou: - Obrigado. Então… Ele está na sala de cirurgia nesse momento. Parece que teve um atraso por conta da falta de sangue A+, mas o Mark resolveu isso.
- Resolveu como? - Perguntei.
- Não sei, Fernanda. Não me deram todos os detalhes, mas disseram que ele deu um jeito nisso. Agora temos que esperar a cirurgia terminar para ter mais notícias. - Falou e parou para soprar seu café, me olhando de soslaio.
Ficamos ali conversando sobre vários assuntos e até comecei a me convencer de que o Marcos parecia apenas querer ajudar. “Só pode ser algum ciúme bobo do Mark.”, pensei. O Marcos foi discreto e não tocou em nenhum outro assunto que não se relacionasse ao Bernardo, a não ser quando fazia algumas piadas sutis para tentar alegrar a todos. Fui até a cozinha buscar um pouco de leite que ele havia me pedido e tive a impressão de ouvir meu celular tocar, mas quando voltei vi que o aparelho estava apagado e acabei pensando ter ouvido coisas. Já eram quase 9:30 e decidi mandar uma mensagem para o Mark. Quando pego, vejo que meu aparelho está desligado, mas eu tinha quase certeza de que estava ligado pouco antes do café. Depois de ligá-lo, abri o WhatsApp e teclei:
Eu - “‘Mor’, já tá acordado?”
Ele - “Claro que já, Nanda! Você sabe disso. Tentei te ligar e você cancelou a chamada na minha cara.”
Eu - “Eu!? Tá louco?”
Ele - “Eu te liguei pouco depois das 8:30 e você cancelou a chamada. Depois tentei novamente e seu celular começou a aparecer como desligado ou fora de área. Te conhecendo, imaginei que tivesse ficado sem bateria, de novo.”
Fui até o histórico de chamadas e vi que havia mesmo uma chamada não atendida do Mark:
- Uai! Meu celular não tocou aqui na mesa? - Perguntei para todos.
- Parece que cheguei a ouvir alguma coisa, Nanda, mas logo depois ficou quieto e pensei que fosse impressão minha. - Disse o Marcos.
Estranhei, mas voltei a teclar com o Mark:
Eu - “Não sei o que aconteceu. Meu celular estava na mesa, parece que tocou e desligou logo em seguida. Acho que deve estar com algum defeito. Posso te ligar?”
Ele - “Pode.”
[...]
Estranho esse papo de celular com defeito. O aparelho dela nem tinha um ano de uso, mas enfim… Logo em seguida recebo uma vídeo chamada da Nanda:
- Oi, “Mor”. - Me falou, toda alegre: - Tô com saudade.
- Oi, Nanda. Também estou. Está sozinha?
- Não. Tá todo mundo aqui. - Ela respondeu.
Passou então a mostrá-los: primeiro a Bia, depois sua mãe, seu pai e tentou voltar a imagem rapidamente para ela, mas eu vi de relance o Marcos novamente.
- Só não consegui ver direito esse último. - Falei, despistando minha conclusão.
- É o Marcos, “Mor”. - Nisso a Bia entrou na conversa, mas não ouvi direito: - “Mor”... Espera, Bia! Desculpa. A Bia está querendo saber se a cirurgia do Bernardo já terminou.
- Não, a cirurgia ainda não acabou, mas não deve demorar muito mais. - Falei.
- Que história é essa de você ter resolvido um problema com sangue aí no hospital? - Nanda perguntou.
- Houve uma emergência aqui ontem e o estoque do tipo A+ ficou baixo, coincidentemente o tipo do Bernardo. Mas, por sorte, eu e o seu Jânio somos A+ e fizemos uma doação no local. - Falei e já perguntei, imaginando a resposta: - Como vocês souberam disso?
- O Marcos ligou aí hoje de manhã cedinho e depois veio nos contar.
- Sei… - Falei, tentando me controlar: - Bem, eu vou desligar e assim que tiver maiores novidades, volto a ligar. Deixa o telefone ligado, Nanda!
- Espera, “Mor”. Quero falar com você um pouco. Espera aí. - Falou Nanda e a vi saindo da mesa, passando por uma porta e a fechando atrás de si: - O que foi? Você tá estranho. Eu te conheço.
- Você sabe o que está me incomodando. - Falei.
- “Mor”, ele não faltou com o respeito em nenhum momento e eu não estou dando chance dele ficar sozinho comigo. Será que isso não é implicância sua, não? Ele parece só estar querendo ajudar.
- Pois é. Desinteressadamente, não é!? - Frisei.
- Mark, para! Por favor, não quero discutir. Estou fazendo tudo o que te prometi, nem saí da casa da dona Débora.
- Pois é. Aí ele se achou no direito de ir na casa dela. - Respirei fundo para me controlar e continuei: - Eu sei que não é culpa sua, Nanda. Não estou bravo com você. É ele que me incomoda.
- Para. Não fica assim. Mudando de assunto, que horas você volta?
- Vou esperar o Bernardo sair da cirurgia e, assim que estiver tudo bem encaminhado aqui, pego um ônibus de volta.
- Tá. Se você volta hoje, fico te esperando, então. Mas e as meninas? - Lembrou-me de nossas filhas.
- Liga nos meus pais e conta o que está acontecendo. Diga que provavelmente só iremos buscá-las amanhã.
- Tá. Me liga então na hora que tiver mais notícias, por favor, e relaxa: está tudo bem. - Falou e, vendo minha cara, continuou: - Poxa. Não fica assim.
- Tá. Tá bom.
Nesse momento, ouvi o barulho de uma porta se abrindo atrás da Nanda e logo vi alguém chamando sua atenção. Pela posição do celular, eu só via a feição da Nanda e ela parecia incomodada. Não entendi a conversa, mas, depois de um tempo, ela assentiu com a cabeça e passou o aparelho para a outra pessoa. Então, vi o Marcos:
- Fala, doutor Mark. Tudo bem contigo?
- Vou bem, obrigado, Marcos. Algum problema? - Fui bem direto e acredito que nada simpático.
- Não. Bem, além desse do seu amigo, nenhum. Eu só queria colocar meu apartamento a sua disposição, caso precise ficar mais alguns dias na capital. - Falou.
Nesse momento me surpreendi e comecei a pensar se talvez eu realmente não estivesse de implicância com ele. Afinal, mal o conhecia e ele já me oferecia seu apartamento para ficar. Não consegui processar bem essa informação e acabei não a respondendo da forma como deveria:
- Marcos, ainda não decidi nada sobre ficar. Preciso aguardar o final da cirurgia para saber qual passo tomar. O pai do Bernardo já chegou aqui e ele já se dispôs a ficar com o filho. Então, acredito que eu volte ainda hoje. - Falei.
- Ah, tá. - Falou aparentemente desapontado: - Bem, qualquer coisa é só me ligar, ok?
- Tudo bem. Agradeço sua atenção. Será que posso falar com a Nanda agora? - Pedi e ele mudou a posição para se colocar ao lado dela: - À sós, Marcos. Por favor.
- Opa! Desculpa. - Disse e devolveu o celular, saindo em seguida para dentro do apartamento.
- Tá vendo, “Mor”. Ele só tá querendo ajudar.
- Não sei ainda, Nanda. Ele pode ser realmente uma ótima pessoa, ou o cara mais dissimulado que já encontrei. Mas daqui não consigo avaliar todos os sinais para poder chegar a uma conclusão. - Falei.
- Você vai ficar bem? - Me perguntou ainda preocupada.
- Vou, Nanda. Vou sim! Mas continua esperto com ele. - Pedi.
- Pode deixar, “Mor”. Beijo. Te amo.
- Beijão. Também te amo.
Desligamos. Fiquei ali pensando sobre tudo o que estava acontecendo e, fora o acidente do Bernardo, havia coincidências demais para duvidar das boas intenções do Marcos, mas também muitos fatores que levavam a acreditar que ele seria uma boa pessoa. Eu confiava na Nanda, mas também conhecia o poder de persuasão que alguns homens tem quando querem alcançar um objetivo. Aquilo foi tomando forma e valor dentro de mim de tal maneira que em um momento, acabei tendo um mal súbito e acho que desmaiei. Acordei numa maca tempos depois com um soro na veia. Olhei para o meu lado e vi seu Jânio:
- O que aconteceu, seu Jânio? - Perguntei.
- Parece que o senhor desmaiou. O médico acha que pode ter sido da doação de sangue, mas disse que o soro já vai deixar o senhor melhor. Só descansar… - Falou, agora aparentemente tranquilo.
- Ô situação chata, hein!? - Falei e já emendei: - E o Bernardo? Teve alguma notícia?
- Sim. E foram ótimas! Deu tudo certo na cirurgia e ele agora está na sala de observação. Daqui a pouco já irá para um quarto. - Falou, sorrindo.
- Ótimo! - Falei.
Tentei me levantar e ele pediu que continuasse deitado. Nisso chegou uma enfermeira. Eu a chamei e disse que já me sentia melhor, que queria tirar o soro e me levantar porque queria ir embora ainda hoje. Ela me disse que deveria terminar o soro e não seria prudente pegar um ônibus, pois poderia passar mal novamente. O médico responsável pelo Bernardo chegou para dar atualizações e confirmou as informações dela:
- Vou ter que ficar internado? - Perguntei.
- Não. Internado, não, só de observação. No final da tarde já poderá ir embora. - Falou.
Já era quase 13:00 e vi que tinha apagado pra valer. Peguei meu celular e acessei o terminal rodoviário de ônibus para saber as linhas e horários disponíveis. Para meu azar e por ser um domingo, só havia dois horários e eu já havia perdido os dois. Na segunda, haveria vários, mas isso significaria passar mais uma noite ali. Depois de assimilar tudo, liguei para a Nanda:
- Nanda?
- Oi, “Mor”.
- O Bernardo já está fora de perigo, se recuperando na sala de observação e irá ainda hoje para um quarto. O seu Jânio ficará com ele nos próximos dias.
Um breve silêncio para que ela desse as informações e ouvi vozes comemorando:
- Que ótimo! E que horas você chega? - Perguntou, animada.
- Aconteceu um imprevisto e só vou poder ir amanhã de manhã. - Falei, sem dar muitas informações, mas o suficiente para deixá-la preocupada.
- O que aconteceu?
- Acho que eu tive uma queda de pressão e acabei desmaiando. Daí estou tomando um soro… mas tá tudo bem!
- Como é que é!? - Disse e logo depois a chamada caiu.
Bem na sequência ela ativou uma chamada de vídeo e eu atendi:
- Mark. Que história é essa? - Perguntou, aflita.
Mostrei para ela que eu ainda estava deitado na maca e tomando soro. Aí ela ficou ainda mais nervosa:
- Meu Deus do céu! O que foi isso? Como isso aconteceu? Você está bem? Porque você foi internado? Fala Mark! - Repetia sem dar espaço para respostas.
- Calma, Nanda! Está tudo bem. O médico acha que foi queda de pressão por causa da doação de sangue. Só isso. - Falei e já mudando de assunto: - E eu só não voltou hoje porque já perdi os horários dos ônibus. Amanhã vou logo cedo.
Via pelas imagens que eles estavam arrumando a mesa do almoço, provavelmente. Vi a Bia passando saltitante por trás dela e logo na seguida o Marcos com uma pilha de pratos. Devo ter feito uma cara de poucos amigos, porque ela logo em seguida disse:
- Por favor, fica calmo! Não vai passar mal aí de novo.
Nisso a Bia retornou e encarou a tela do celular, perguntando o que havia acontecido e a Nanda resumiu o meu desmaio. Todos vieram para perto da tela para saberem maiores informações e ela os inteirou. Acalmei a todos e pouco depois nos despedimos e eu desliguei a chamada. Uns quinze minutos depois ela me ligou novamente para saber se eu ficaria no hospital e eu disse que deveria ficar hospedado no mesmo hotel depois que recebesse a minha alta que sairia no final da tarde. Nos despedimos novamente e passei a pensar sobre todas aquelas coincidências do destino.
[...]
Na casa da dona Débora havia uma mistura de sentimentos: alívio e preocupação andavam de mãos dadas. Estávamos felizes pela boa recuperação do Bernardo, mas agora o Mark me preocupava. Eu sei que ele tem uma saúde de ferro e estranhei que uma simples doação o tivesse feito desmaiar. Não era a primeira vez que ele doava e nunca havia acontecido antes. A Bia comemorava feliz com seus pais e, por um tempo, se esqueceu de mim. O Marcos veio me fazer companhia:
- Você está bem, Fernanda? - Perguntou a meu lado.
- Estou. Só estou preocupada com o Mark. - Respondi estragando o esmalte de meu mindinho com o dente.
- Não fica assim. Ele está bem e… - Começou a falar e se interrompeu, como tendo uma ideia, me fazendo encará-lo, para continuar: - E você e a Bia não gostariam de ir até a capital? Eu levo vocês duas. Vamos no meu carro. Hoje, com o trânsito tranquilo, em três horas e pouco chegamos lá.
- Não, Marcos. Não acho necessário. O Mark disse que estará de volta amanhã cedo. Seria praticamente um bate e volta. - Falei, não muito convicta: - Acho que não.
Bia se deu conta de que me havia deixado sozinha e, ao vê-lo do meu lado, se aproximou rapidamente. Ele aproveitou e renovou para ela o convite que havia me feito e ela adorou a ideia, pois poderia ficar ao lado do Bernardo até ele voltar. Eu ainda tentei demovê-la da ideia, mas ela insistiu tanto que acabei aceitando. Ela foi fazer uma mala e eu fui ajudá-la:
- Você vai na frente com ele, Bia. - Falei, a encarando: - Senão eu fico!
- Pode deixar, amiga.
Descemos até a portaria, onde nos despedimos de seus pais e, ao chegar no carro, ele se destravou com nossa aproximação. Ele abriu o porta malas para acomodar a bagagem da Bia. Abriu então a porta dianteira do passageiro e falou:
- Por favor, dona Fernanda.
Bia me olhou e, sem jeito, deu um passo para trás, para não criar um clima de animosidade com ele. Para evitar isso também, acabei entrando na frente, ao lado do motorista e ele abriu a porta de trás para a Bia que acabou entrando logo em seguida:
- Desculpa, Nanda. - Falou, baixinho pra mim e eu assenti com a cabeça.
Ele deu a volta no carro e entrou, rumando para um posto de gasolina. Enquanto completava o tanque de combustível com gasolina premium, programou o GPS com o endereço do hospital. Saímos logo em seguida e em poucos minutos pegamos uma rodovia duplicada, depois triplicada e o trânsito fluiu bem. Conversávamos vários assuntos, mas eu não me concentrava em nada, só queria chegar logo e ver o Mark. Para piorar, só nesse momento me toquei que havia me esquecido de ligar para meus sogros e não havia sinal de operadora na rodovia.
Expliquei para eles que precisava ligar para meus sogros e o Marcos disse que pararia num posto de combustíveis em alguns quilômetros, onde já havia sinal ou telefone fixo, se necessário. Paramos na lanchonete do posto e havia sinal forte. Liguei para meus sogros e expliquei toda a situação do acidente do Bernardo, da transferência dele acompanhada pelo Mark e expliquei que buscaríamos as meninas no dia seguinte. Preferi omitir a parte do desmaio do Mark para não preocupá-los à toa. Eles entenderam e pediram para mantê-los atualizados. A Bia havia entrado na lanchonete para usar o banheiro e o Marcos veio conversar comigo:
- Deu certo? - Perguntou.
- Sim. Consegui falar com eles e já expliquei tudo.
- Sabe… Quanto mais convivo com você, mas interessado fico em te conhecer melhor. Nunca, na minha vida, conheci alguém como você: bonita, forte, decidida, fiel.
- Marcos, não quero ser grosseira, mas se sabe que sou fiel, sabe também que não farei nada para…
- Fica calma, Fernanda. - Me interrompeu: - Não vou te obrigar a nada. Relacionamento bom é aquele em que as duas partes se dão e se colhem.
- Isso é verdade.
- Eu só não entendo o porquê de você se manter tão distante de mim. Sou eu? Eu fiz alguma coisa que te incomodou? - Insistiu.
- Não, Marcos. Você tem sido perfeito. Eu não tenho o que reclamar de você. - Falei, meio incomodada.
- Então, seu marido não gostou de mim. É isso?
- Eu acho que só falta ele te conhecer melhor. Só isso. - Disse e saí de lado para esperar o retorno da Bia.
Acho que ele entendeu minha última fala como um “sinal verde”, pois se chegou por trás de mim, me abraçando e se encostou no meu ouvido:
- Só quero te fazer feliz. Espero que ele entenda isso. - Cochichou com uma voz grave que me fez arrepiar toda.
Ele claro que notou minha reação e beijou de leve o lóbulo de minha orelha, acentuando ainda mais meu arrepio. Apesar de eu estar com os braços cruzados, me virou em sua direção e colocou seu indicador dobrado em meu queixo, levantando gentilmente meu rosto. Nos encaramos olhos nos olhos por um momento e ele colou sua boca na minha: “- Não!”, balbuciei sem muita convicção. Ele então me apertou contra seu corpo e quando ia me entregando ao beijo, me lembrei do Mark e o empurrei, ouvindo bem nessa hora um acentuado “Hã, hã!” da Bia que chegava quase correndo em nossa direção, com olhos arregalados:
- Está tudo bem aí, pessoal? - Perguntou, com uma expressão nada amigável para ele.
- Só estávamos conversando, Bia. - Falou, tentando despistar o óbvio.
- Está sim, Bia. Tudo bem. Vamos, então? - Os convidei.
Voltamos para a rodovia e duas horas depois estávamos chegando a capital de São Paulo. Por ser domingo, ela parecia deserta, destoando do caos que é no dia a dia. Em poucos minutos, estávamos estacionando no hospital e o Marcos foi até um balcão de atendimento para saber informações do Mark e do Bernardo. Primeiramente, acompanhamos a Bia até o quarto onde Bernardo já se encontrava, ainda dormindo, mas acompanhado de seu pai. Depois fui com o Marcos até outro quarto, onde encontrei o Mark sentado numa poltrona, tendo a pressão medida por uma enfermeira:
- Oi, “Mor”!? - Falei, sorridente.
- Nanda! O que você está fazendo aqui, criatura? - Se surpreendeu ao meu ver, mas sem esconder um sorriso de satisfação.
A enfermeira terminou e disse estar tudo bem, e assim que se afastou pulei em seu colo, beijando-o. Ele ainda me olhava surpreso, mas feliz. Entretanto, sua felicidade se dissipou ao ver Marcos entrando no quarto momentos depois:
- Como vai, meu amigo? - Perguntou.
- Marcos… - Falou de uma forma assustadoramente séria: - Vou bem, obrigado.
Um clima estranho se instalou e a própria enfermeira notou isso, falando:
- O senhor já está liberado, doutor Mark. Sua alta já está assinada.
Ele a agradeceu e fomos então até o quarto do Bernardo, sempre acompanhados pelo Marcos. Mas agora eu estava com meu marido, não desgrudei mais dele. Bia o recebeu com um abraço e então combinaram de ficarem Bia e o seu Jânio com ele. Nós iríamos para um hotel e voltaríamos na manhã seguinte para nossa região. Marcos então falou na porta do hospital:
- Olha, eu moro aqui perto. Não vejo razão para vocês ficarem em hotel. Porque não fazemos assim: vocês dormem no meu apartamento e amanhã voltamos os três no meu carro? Garanto que ele é mais confortável que um ônibus, não é, Fernanda?
- É, sim, muito confortável. - Falei, sem dar maiores informações.
Mark não parecia confortável com a ideia. Ficar devendo mais um, aliás, dois favores para ele não estava em seus planos. Ele me encarou por um momento, mas preferi não dizer nada, não queria induzi-lo a nada: a decisão seria dele. Antes que ele pudesse dizer algo, Marcos insistiu:
- Fiquem tranquilos: serão meus hóspedes. Eu já os considero meus amigos e, apesar de saber de sua participação no “meio”, não faremos nada que vocês não queriam. Lhes dou minha palavra!
O Mark parecia confuso, mas talvez para não parecer arrogante ou inseguro, aceitou o convite. Entramos em seu carro, agora o Mark na frente e rumamos até o apartamento dele. Ele morava numa cobertura, mas apesar disso, o apartamento em si não aparentava nada demais: móveis simples, linhas simples e retas, poucas cores, bastante minimalista. “Saco! Até nisso ele parece com o Mark.”, pensei, enquanto olhava uma pintura de um nu feminino à óleo na parede que destoava de todo o restante:
- “Maja Desnuda”, de Francisco de Goya. - Marcos falou para mim, logo se completando: - Naturalmente é uma reprodução, não o original.
- Ainda assim é muito bonita. - Falei sem tirar os olhos da tela.
- Há mais belas… - Falou, claramente se insinuando.
O Mark voltava de uma ligação qualquer e, depois de ver a pintura sem dar muita atenção, fomos nos sentar no sofá da sala. Passamos a conversar algumas amenidades e logo Marcos nos pediu licença para providenciar um jantar, deixando-nos sós:
- Porque você aceitou vir para cá? - Perguntei.
- Quero conhecer o “inimigo” no seu campo de batalha. - Falou seriamente.
- Credo, “Mor”.
- Só existem duas formas de se superar uma inimizade: conhecendo o outro, superando diferenças e se tornando amigos; ou, derrotando-o. Mas para qualquer uma delas, preciso conhecê-lo melhor. - Falou ainda bastante sério.
- Para, seu bobo. Ele não significa nada para mim. Não precisa ficar inseguro com ele. Eu amo você. - Falei, tentando acalmá-lo.
[...]
Por mais que ela tentasse me acalmar, eu sentia alguma coisa estranha no ar. Não sei se o envolvimento era recíproco, mas o Marcos aparentava um interesse maior, um querer mais que sexo puro e simplesmente. Logo, ele voltou e perguntou se queríamos tomar um banho:
- Eu comprei duas trocas de roupa e cuecas para mim, mas não pensei que você viesse para cá, Nanda. - Falei.
- Eu fico assim mesmo até amanhã. Não vou morrer por isso. - Ela retrucou.
- Fernanda, eu devo ter alguma roupa de minha ex esposa aqui. Se você quiser. - Marcos propôs.
- Não. Obrigada. Eu não ficaria à vontade.
- Então, posso te emprestar um robe meu. Só não vou ter calcinha. - Ele ainda insistiu.
- Isso eu já aceitaria. Qualquer coisa uso uma cueca do Mark. - Ela falou.
Fomos para o quarto de hóspedes, uma suíte por sinal, e tomamos nosso banho. Ela ainda tentou brincar, se insinuando para mim, mas meu amigo não parecia disposto naquele momento. Rimos da situação, porque sabíamos que aquilo quase nunca acontecia e ela ainda me tirou:
- Ou você cumpre suas obrigações, ou vou pro quarto do Marcos.
Por mais que fosse uma brincadeira e não fosse sua intenção, aquela tirada me acertou em cheio:
- Ah, “Mor”. Desculpa. Putz, como eu falei uma merda dessa? - Falou, enquanto colocava a mão em meu rosto.
- Relaxa. Tá tudo bem. - E, para não criar um clima, sorri e retruquei: - Mas vai ter volta. Se prepara que vou me vingar um dia.
- Ui. Que medo! - Falou, agora rindo.
Ela experimentou uma cueca minha e, apesar de não ter ficado feio, pois parecia um shortinho, ela não gostou, mas se resignou. Colocou o robe que o Marcos havia lhe emprestado e um par de chinelos que ficou sobrando na parte da frente e de trás. Me vesti também com roupas simples e casuais, e saímos em direção à sala. Havia uma música agradável tocando num aparelho de som, lenta e envolvente. Marcos agora estava sentado no banco de uma ilha, bebendo uma taça de vinho e nos convidou a acompanhá-lo até a comida chegar. Ainda bem que a Nanda decidiu ficar com a cueca, porque mal se sentou e o robe abriu de baixo acima, quase até seu umbigo, exibindo suas pernas e a cueca, obrigando-a a se recompor. Claro que ele viu: um cego teria enxergado. Serviu-nos uma taça para cada e falou:
- Que uma boa amizade, nasça.
Brindamos aquilo. Voltamos a papear vários assuntos e, a certa altura, acabamos indo parar no jurídico, natural para nós dois. Nanda saiu de perto por um momento, levando sua taça de vinho consigo, e foi observar a pintura na parede novamente. Instintiva e lentamente começou a balançar seu corpo de um lado para outro ao ritmo da música. Acabamos ficando os dois em silêncio ali, embasbacados com a imagem daquela bela mulher, mas eu me recuperei antes e o encarei, vendo que ele a comia com os olhos. Ele deve ter notado e falou:
- Me desculpe, mas é impossível não se impressionar. Você é um homem de muita sorte, Mark.
- Sou, sim. Obrigado. - Respondi e tomei mais um gole de meu vinho.
Nisso o interfone tocou, um entregador foi anunciado e autorizado a subir. Marcos o recebeu e pediu ajuda com os alimentos. Havia encomendado quase um banquete. Havia de tudo um pouco: comida italiana, japonesa, chinesa, coreana:
- Eu não conhecia o gosto de vocês. Então, pedi um pouco de tudo o que gosto. - Ele falou, meio constrangido.
Ajudamos ele a arrumar os pratos e talheres na ilha, e nos sentamos para desfrutar daquelas iguarias. Eu confesso que comecei a vê-lo com outros olhos e, conforme o vinho ia subindo e eu me soltando, Nanda também relaxou, deixando de se fiscalizar tanto naquele momento. Comemos até nos esbaldar e fomos convidados ao sofá da sala. Ele ainda voltou para sua adega buscar outro vinho para continuarmos nossa conversa. No meio da garrafa, Nanda me encarou e falou baixinho:
- “Mor”, eu já tô ficando molinha. Vamos dormir?
- Vamos. Acho que preciso descansar também. - Respondi.
- Gente, mas já!? Será que eu posso pedir uma coisa antes de dormirmos? - Perguntou.
- Uai! - Falei e ela me apertou o braço, fazendo encará-la e voltar em seguida: - Peça!
- Eu queria convidar sua esposa para uma dança. Só uma dança. - Falou.