[...]
Denise ficou eufórica do outro lado do vídeo ao ponto de derrubar seu celular no chão e depois de ficar ainda mais vermelha pela reação adolescente, sorriu para nós agradecendo nossa decisão e dizendo que iríamos nos divertir muito. Nos despedimos dela e desligamos pouco depois. Encarei Nanda, surpreso:
- Não adianta me olhar com essa cara. Eu sei que você quer ir. - Ela falou, zombando: - Pelo menos, eu estando junto, consigo vigiar os dois.
- Quanto mais convivo com você, menos consigo te entender.
- É!? E você não viu nada ainda, bebê. Nada mesmo…
[...]
Eu me sentia extremamente motivada no ambiente acadêmico porque os elogios dos professores eram recorrentes, sinal de que eu me destacava entre meus colegas apesar de ter ficado anos sem praticar por ter decidido cuidar de minha família. Inclusive, qual não foi minha surpresa ao receber uma proposta de emprego de uma empresa paulistana que buscava novos “ativos profissionais” e que, impressionada com meu rendimento, achou que eu seria uma boa escolha para seu quadro de funcionários. Infelizmente, por eu morar longe, neguei a proposta.
A conclusão do meu curso se aproximava do fim. Na próxima semana, eu já teria que voltar a São Paulo para as avaliações e trabalhos finais. Eu acreditava que o Mark havia entendido toda a situação em que nos envolveram e isso me dava paz para poder focar no que realmente interessava: fechar com chave de ouro meu curso. Eu sempre fui CDF, acho que se diz “nerd” nos dias de hoje, então sempre gostei de tirar boas notas e receber elogios por minha evolução. Agora madura, o instinto se mantinha.
Na quinta-feira, antes da última semana do curso, Sabrina me ligou. Parecia agitada, mais ainda que o normal, e foi logo se abrindo:
- Amiga, você não imagina com quem eu cruzei na empresa onde estou trabalhando!?
- Bem… Considerando que você mora e trabalha na maior cidade da América Latina, me dá três chances que eu devo conseguir… - Fui claramente sarcástica: - Ah, Sá! É óbvio que nem consigo imaginar, né!
- O Paulo, Nanda! O Paulo…
- Quem é Paulo, Sá? Não tem nenhum Paulo na faculdade…
- O Paulo, da Inner. Lembra daquele senhor que queria pagar pra ficar com a gente um final de semana inteiro? Ele é o dono da empresa onde eu trabalho…
- Ah, tá. E daí? - Perguntei, agora curiosa e já receosa que minha amiga boca aberta tivesse feito besteira.
- Nada, ué! - Falou, mas não me convenceu: - Não, então… Ele passou lá no escritório da empresa para fazer uma visita e, depois de um tempo, vi que ele me olhava diferente. Não demorou muito e ele se aproximou de mim numa hora que fui tomar um café e me perguntou de onde me conhecia…
- Sei…
- Então, tentei despistar porque não queria falar de onde, né? Mas ele conversava, conversava e eu tentando voltar para o escritório. Ele falava e eu tentando voltar, até que falei que meu supervisor iria me dar uma bronca e ele me lembrou que ele era o dono da empresa.
- Sá, por que acho que você tá me enrolando?
- Tô não! - Falou, tentando abafar um risinho aparentemente de nervosismo: - Daí… Batata! Meu supervisor apareceu e reclamou por eu estar fora do meu posto há bastante tempo e o Paulo me defendeu, dizendo que eu era uma amiga querida e estava ali fazendo companhia para ele. Meu supervisor enfiou o rabo no vão das pernas e sumiu dentro da empresa.
- Cê vai acabar se enrolando, Sá!
- Então… Daí, quando meu supervisor saiu, ele falou alto “Da Inner!”, ao ponto de me deixar roxa e eu pedir para ele falar baixo.
- Que ótimo! - Dissimulei: - Agora já tô entendendo porque você está me enrolando…
- Oi!? - Sabrina me perguntou, simulando surpresa.
- Eu não vou, Sabrina! Esquece!
- Não vai aonde, Nanda?
- Eu vou sair com vocês dois. Esquece disso!
- Não! Então… Ele se lembrou daquela noite e falou que a proposta que havia feito era só uma brincadeira e que não queria ser mal interpretado.
- Menos mal… - Acabei a interrompendo.
- Mas ele perguntou de você…
- E você, lógico, me incluiu fora dessa, não é!? - Ela se calou do outro lado da chamada e eu insisti já brava: - Sabrina, você não passou meu contato pra ele, passou?
- Desculpa! Passei… - Dizia constrangida, tentando se desculpar: - Mas depois que eu comentei que fazíamos um curso de administração, ele se interessou em talvez te contratar para uma de suas empresas. Ele disse que só queria conversar.
- E você acreditou nisso, Sabrina? Puta que pariu! Cê tá querendo foder meu casamento?
- Calma, Nanda! Ele já te ligou, ou mandou mensagem, alguma coisa do tipo? - Me perguntou, ansiosa.
- Não! Por que?
- Porque isso já aconteceu há uns dias. Talvez ele nem entre em contato…
- Melhor assim! Não quero mais problemas na minha vida.
Eu já estava puta da vida e querendo socar aquela baixinha pela merda de me envolver nessa história novamente, quando ela mudou de assunto:
- Deixa eu te falar… A galera vai fazer uma comemoração no sábado. É lógico que você vai, né? Pode trazer a família também.
- Não tô sabendo de nada…
- Decidiram de última hora! Vai ser naquele restaurante do terraço, quase de frente para o portão principal. Reservamos um tanto de mesa por cinquentinha para cada um, adiantado, que vai ser descontado do que cada um consumir. Cê vai, né? Posso reservar para você e o Mark?
- Uai! A ideia parece boa, mas preciso falar com ele antes.
- Então, fala com ele e me responde para eu poder reservar para vocês?
- Beleza, Sá. Te aviso ainda hoje.
- Jóia, então. Beijo, Nanda.
- Beijo, Sá. - E agora frise: - E para de me meter nos seus rolos e não apronta com o Rubens, hein!?
- "Podexa!"
Desligamos.
Os dias se passavam e minha relação com o Mark melhorava a cada dia. Meu marido voltou a ser carinhoso, amigo, prestativo, safado e eu me esforçava em ser a mulher que ele sempre mereceu. Só quem tem filhos sabe a dificuldade que é conseguir um momento a sós com seu parceiro, então transávamos sempre que tínhamos chance. O final de semana chegou e na próxima segunda eu já teria que estar em São Paulo:
- Você não quer vir comigo, quer? - Perguntei para ele em nossa cama no sábado à noite.
- De que jeito? Tenho o escritório, a casa e as meninas têm aula. Não vai dar! - Ele me respondeu: - Querer, eu até queria, mas…
- Eu já sabia, mas não custava tentar. - Me resignei com a obviedade da resposta: - Deixa eu te falar… Minha turma vai fazer uma comemoração no sábado, num restaurante do lado da faculdade, um almoço ou churrasco, não entendi direito... Eu queria ir, mas queria que você viesse comigo. Você vai, não vai?
- Sei não…
- Tem que saber, porque eu preciso reservar. Cinquentinha por cabeça, mas revertido em consumação.
- Vou pensar e te falo, ok?
- Tá.
Ele acabou pensando demais e não me respondeu no domingo. Na segunda de manhã, na rodoviária, eu o cobrei novamente e ele se comprometeu de me responder até o fim daquela tarde. Nos despedimos com um gostoso beijo. Ele ainda ficou um tempo me observando do embarque e só saiu depois que meu ônibus pegou o rumo ao meu destino.
Na quarta-feira, coincidentemente topei com a Denise na secretaria do prédio em que fazia meu curso e fui cumprimentá-la, toda sorridente depois da ajuda que ela havia me dado:
- Nanda!? Que surpresa! - Me recebeu com dois beijinhos na face.
- Minha última semana aqui, Denise. O que cê tá fazendo aqui? - Assuntei.
- Nada demais. Só estou me informando para iniciar uma pós, talvez um mestrado, no ano que vem.
Acabamos indo tomar um café na cantina da faculdade e ali o assunto engrenou rápido:
- E vocês, como estão? Se acertaram? - Ela perguntou enquanto me encarava.
- Ah, sim. Estamos bem. - Disse enquanto tomava um gole do meu café: - Eu queria te agradecer por ter ficado do meu lado naquela história…
- Não tem o que agradecer, Nanda! Por tudo o que o Mark me contou, acredito mesmo na sua inocência. Pra mim esse tal Edson está armando para vocês…
- Posso te perguntar por que você ficou do meu lado? Se tivesse ficado contra, talvez até conseguisse pegar o Mark. - Insisti, curiosa.
- Verdade! Mas a que custo? Eu tenho minha consciência e não conseguiria viver em paz depois de ter prejudicado uma família. - Ela agora que tomava um gole de café: - E eu não suportaria magoar o Mark com uma mentira.
Nessa hora eu engoli a seco, pois, consciente ou não, ela havia me dado uma direta de esquerda bem na boca do estômago. Acho que devo ter me retraído, porque ela me encarava curiosa e logo me perguntou:
- Tá acontecendo alguma coisa, Nanda? Você não fez nada mesmo, né?
Vendo meu silêncio e como eu ainda desviava o olhar dela, insistiu:
- Nanda!?
- Denise, se eu te contar uma coisa, você promete não contar para o Mark? Nunca! - Pedi.
- Ai, Nanda, o que você fez?
- Promete!?
- Prometo não mentir para ele. Se ele nunca me perguntar, eu não contarei.
- Eu cheguei a ficar com o Edinho uma noite, no carro dele. - Comecei a contar, constrangida, mas já me defendi imediatamente: - Mas não transamos!
Ela me encarou com os olhos arregalados e eu continuei:
- A gente tinha tomado uns chopes no shopping e ele se propôs a me levar para o hotel. Entramos no carro dele, a gente estava brincando, se divertindo com lembranças do passado, conversando só… Quando dei por mim, a gente estava se beijando e amassando dentro do carro dele… - Me contive de contar tudo o que havia acontecido, mas ressaltei: - Só aí que me dei conta do erro que estava cometendo e fiz que ele me levasse embora para o hotel.
Denise me encarava surpresa. Depois de um tempo ela perguntou:
- Isso foi naquela quinta?
- Foi. O negócio foi tão intenso que acho que ele se sentiu no direito de me levar para o motel, mas eu briguei com ele e ele me levou para o meu hotel.
- Ai, Nanda. - Resmungou: - Você contou isso pro Mark?
- Não…
- Poxa! E agora você me coloca no meio do rolo também!?
Denise me olhava triste e parecia querer me falar alguma coisa, mas não quis pressioná-la porque ali eu era a errada na história, novamente. O clima ficou pesado entre a gente e logo o assunto morreu, ficando só um silêncio constrangedor. Acabamos nos despedindo e voltei para meus afazeres, agora imaginando que poderia ter cometido uma imensa cagada em minha vida, pois meu desabafo dera munição a uma potencial concorrente.
[...]
Apesar de estarmos cada dia mais unidos, havia uma coisa que ainda me incomodava: uma aparente contradição na história contada pela Nanda. Aliás, uma baita contradição! Da primeira vez que ela me contou da carona que o Edson lhe deu, disse que eles foram direto para o hotel, só passando num drive-thru. Na segunda vez, quando confessou ser a mulher na foto entrando no motel com ele, afirmou que haviam saído da faculdade. Entretanto, depois que a Denise informou o horário de sua saída da faculdade naquele dia, ela contou que foi com Rubens e Sabrina para um shopping e não mencionou o Edson. Essa contradição entre as pessoas naquele dia estava me encucando há tempos. Ainda assim preferi não cobrá-la e só observá-la nos dias que se seguiram.
Aquela segunda transcorreu sem novidades e, após pegar minhas filhas na escola, decidi tomar um banho para relaxar a tensão de mais um dia de trabalho. A água bem que tentou, mas não conseguiu me aliviar em nada. Depois de preparar o jantar, jantamos e encher o lava-louças, me sentei na sala para assistir um programa qualquer na televisão. Nesse momento, ouço o som de uma notificação em meu celular, já imaginando ser a Nanda me cobrando a resposta. Eu já havia me decidido ir a sua comemoração e apenas responderia, mas qual não foi minha surpresa ao ver que se tratava de uma mensagem do meu “amigo”:
Ele - “Ela já está aprontando aqui, cara!”
Na sequência, fotos dela junto do Edinho. Em duas delas, ele aparecia conversando de frente com ela. Na terceira, eles davam um selinho. Noutra, eles meio lado a lado e ela o encarava, com uma expressão estranha. Minha noite começava a piorar:
Eu - “Cara! De onde você tirou essas fotos?”
Ele - “Faculdade. Agora há pouco.”
Eu - “Por que você está fazendo isso? Quem é você?”
Nada de respostas.
Fiquei transtornado e transferi todas as fotos para um notebook para poder analisá-las melhor. Numa das fotos, uma moça ruiva chamou minha atenção: era a Sabrina, namorada do Rubens. Mas o que me chamou a atenção foi seu semblante de surpresa e seu claro incômodo com a Nanda pelo seu namorico. Pouco depois uma nova mensagem:
Ele - “Sou apenas um amigo.”
O bichinho da desconfiança que eu tentava fazer hibernar há algum tempo, teimava ficar com os olhos arregalados frente às contradições das versões da Nanda e agora começava a rugir alto novamente. Decidi ser estratégico, mesmo que isso significasse ir contra minha esposa naquele momento. Mandei mensagem para ela:
Eu - “Nanda!?”
Ela não me respondeu nada naquele momento, certamente estava em aula. Passados trinta minutos, ela me liga:
- Oi, Mor.
- Oi, criaturinha. Quais são as novidades? - Perguntei de supetão.
- Novidades minhas!? Uai! Nada, não, sô! - Resmungou: - Por que?
- Nada mesmo!? - Insisti.
- Nada, uai! Por que?
- Por nada, Nanda. Por nada... - Respondi e descaradamente menti na sequência: - Não sei se poderei ir no sábado. Acabei de pegar um serviço grande e que vai me tomar o final de semana todo…
- Ah, qual é, Mor? - Resmungou: - Cê tá estranho, viu! Eu vou reservar seu lugar. Você vai vir, sim!.
- Você vai gastar à toa. Eu não vou...
Ficamos naquela discussão de “vai, não vou” por um tempo, até que ela disse que teria que voltar para sua aula e nos despedimos, não sem antes ela dizer que iria reservar meu lugar.
Os dias se passavam e nós conversávamos todos os dias, pelo menos três vezes por dia: durante o dia, no final da tarde e quando ela retornava à noite. Ela fazia questão que fosse assim para que eu soubesse onde ela estava. Na quarta-feira, meu “amigo” me mandou mais algumas fotos da Nanda conversando com o Edson num bar: ele bastante animado, aparecia inclusive acariciando seu rosto. Inclusive, estranhei um vídeo curto no qual eles apareciam em pé abraçados, mas nesse não se beijavam: somente mantiveram contato corporal que durou quase um minuto. Nesse tempo, foi possível ver que ele acariciava suas costas e ela se mantinha quieta e calma, mas de olhos fechados. Seguiu-se uma mensagem:
Ele - “Sábado eles têm um novo encontro marcado no terraço de um restaurante próximo daqui.”
Ele - “Mais que isso, só se eu entrasse no motel para filmá-los.”
Ele - “Agora é com você. Ser manso ou resolver sua vida.”
Tentei obter mais algumas informações do “amigo”, mas ele me bloqueou. Nessa noite, afoguei minhas mágoas na cerveja e acabei dormindo na sala, meio alterado. Na manhã seguinte, Maryeva me acordou dando risada de minha situação:
- Meteu o pé na jaca, né, manguaceiro? Aproveitou que a mulher está fora, né? - Ria de mim e, antes que eu pudesse repreendê-la, fechou com chave de ouro: - Tem problema, não. Seu segredo está muito bem guardado comigo.
Ri de seu comentário, mas apesar de tudo, a imagem que eu havia lhe passado não fora das melhores. Arrumei a bagunça da noite anterior e toquei nossas vidas. À tarde, liguei para meus pais e pedi que ficassem com minhas filhas no final de semana, porque eu iria para São Paulo. Eles aceitaram. Decidi que eu tentaria descobrir, de uma vez por todas, quem estaria por trás dessa armação, torcendo para que não fosse ela. Ainda à tarde nesse dia, Nanda me fez uma chamada de vídeo e insistiu por um bom tempo que eu fosse para São Paulo, acompanhá-la na comemoração, o que soava estranho para alguém que pudesse estar me traindo:
- Eu não quero ir, Nanda. É longe pra caramba. - Falei, tentando despistá-la.
- Para com isso, Mor! Por que você não quer vir? O que tá acontecendo? Cê tá me escondendo alguma coisa. - Depois me encarando, ela parece ter se tocado: - Você recebeu mais alguma foto?
- Por que? Aconteceu alguma coisa que pudesse ser fotografado?
Ela se calou, constrangida, e eu insisti:
- Pelo que estou vendo, se eu fosse, só atrapalharia você.
Ela se calou novamente e, depois de suspirar fundo, me encarou pelo celular, dizendo:
- Acima de qualquer coisa, eu te amo. Só se lembre disso. Eu posso errar, mas é sempre tentando fazer o certo.
Se despediu de mim e desligou. Não entendi a última parte daquela conversa e nem gostei de seu conteúdo. Não consegui mais falar com ela nessa sexta-feira, seu celular permaneceu desligado ou fora de área.
No dia seguinte, saí rumo a São Paulo. Três horas e pouco depois, e eu chegava. Fui direto à faculdade em que ela fazia o curso. Não foi difícil encontrá-la com o GPS. O problema é que havia cinco estabelecimentos, choperias, bares, restaurantes, em que a chopada poderia ser realizada. “Saco! Era só o que faltava.”, pensei. Daí me lembrei que o “amigo” havia comentado que a comemoração seria num “terraço” e, pela descrição, apenas um dos estabelecimentos se encaixava. Era um tiro no escuro, mas a melhor possibilidade até agora.
Montei campana não muito próximo e, bingo, acertei em cheio! Logo, alguns alunos começaram a chegar naquele endereço. Uma boa galera já havia chegado e nem sinal da Nanda ainda. Ela poderia ter desistido e ficado no hotel, mas se eu ligasse para confirmar com ela, poderia estragar todo o meu plano. Decidi ligar na recepção do hotel e pedi para me transferirem para seu quarto. Se ela atendesse, eu desligaria. Ela não atendeu e nem poderia, pois pouco depois a vi chegando junto do casal de amigos e mais duas colegas. Depois que entraram fui até lá e entrei também.
Na parte inferior havia um salão que devia ser usado como danceteria pelo tipo de eletrônicos instalados. Mas naquele dia e horário o evento seria realizado apenas no terraço, onde havia uma espécie de choperia. Cuidadosamente, subi um lance de escadas e vi que o grupo dela havia se posicionado num canto, próximo a uma mesa na sacada. Me sentei no canto contrário, longe do banheiro e da bica do chope, para não correr o risco dela me encontrar, mas de uma posição onde eu poderia observá-la. Ela estava linda com um vestido de alcinha floral, claro. Ela até sorria bastante e conversava com as amigas e amigos, mas algo estava diferente: faltava luz em minha esposa. Pedi um chope e fiquei observando tudo.
Não sei quanto tempo depois, vejo o Edinho surgir das escadas e me abaixei, porque ele procurava alguém. Ele olhou na direção dela e foi decidido ao seu encontro. Quando ela o viu, arregalou os olhos e se levantou. Se cumprimentaram com um selinho e começaram a conversar. Ela o ouvia com atenção, mas sem esboçar nenhuma intimidade maior. De repente meu celular acusou uma notificação: era uma mensagem do meu “amigo”:
Ele - “Olha aí tua chifradeira, cara!”
Duas imagens chegaram em seguida. Pela posição deles na foto, deduzi uma possível posição do fotógrafo e vi um carinha com um celular levantado e não muito longe de mim. Eu não o conhecia, mas aparentemente ele tirava fotos deles. Eles continuavam conversando. Nanda gesticulava bastante, o que é normal dela, e negava com a cabeça. Nesse momento, vi o Edinho colocar as mãos em sua cintura e tentar se aproximar dela, mas ela colocou as mãos em seu peito e não o deixou se aproximar. Agora, ela estava sendo mais enfática e negava sua aproximação. Ele balançou a cabeça, como que concordando, mas colocou suas mãos sobre as dela. Continuaram conversando e, agora, pareciam concordar em algo. De repente, ele a puxou de uma vez para si e a beijou na boca, abraçando-a e a segurando pela nuca.
Aquilo me atingiu como uma faca em brasa. Uma dor na nuca me deixou preocupado que eu pudesse ter um treco, mas me fiz de forte por minhas filhas. Elas precisariam, elas precisam de mim! Me levantei e me encaminhava até eles para lhes dar o flagrante final, mas nesse momento, ela começou a se debater. Eu estranhei e, embora confuso, continuei me aproximando lentamente para separá-los. Já próximo, vi que se separaram e ele começou a se inclinar para a frente, gemendo. Todos começaram a reparar. Então, notei que ela estava com a mão sobre sua braguilha, apertando alguma coisa sem piedade. Seus olhos estavam vermelhos de ódio e ela não via eu me aproximar. Quando ele se curvou de joelhos, ela começou a bater nele ferozmente e a xingá-lo, enquanto ele se encolhia e pedia desculpas. Ninguém ousava se aproximar deles, a não ser o suposto “fotógrafo”, mas que também não teve coragem de apartar a briga. Fui até ela e a peguei pela cintura, puxando para trás. Ela estava transtornada e começou a bater em mim também:
- Para, Nanda! - Gritei com ela.
Só nesse momento ela me encarou surpresa ou assustada e arregalou os olhos:
- Eu não fiz nada, Mor! Eu juro que não fiz nada! - Falava, aflita.
- Eu sei! Só se acalma.
O "maitre" se aproximou e o Rubens, que estava sentado próximo, se levantou, explicando que aquele cara havia beijado Nanda à força e ela teria revidado. Ele veio confirmar a história com ela e, confirmada, perguntou se queria que acionasse a polícia. O fotógrafo agora tentava levantar o Edinho do chão, mas em vão. Aparentemente Nanda havia machucado ele para valer. Vendo aqueles dois ali, tive a ideia de sacar meu celular e fazer uma chamada de áudio para o número do “amigo”. O celular do fotógrafo começou a tocar. Quando ele viu que eu o encarava com meu celular na mão, se tocou do tamanho do problema e saiu correndo, derrubando o aparelho e deixando o Edinho para trás. Aliás, ele agora tentava ficar de pé, ainda que agarrado a mureta da sacada. Deixei a Nanda de lado e fui até ele, o pegando pelo colarinho.
- Bela jogada, babaca! Quase me enrolou… - Falei.
Ele não ousou abrir a boca. Só me olhava assustado, com os olhos arregalados. Quando fechei minha mão para socá-lo, Nanda abraçou meu braço e senti alguém me agarrando pelo pescoço e puxando para trás. O Edson voltou a cair de joelhos:
- Para, Mor. Para! Não faz isso… - Nanda me pediu.
Não gosto de me vangloriar, mas eles dois não estavam conseguindo me segurar. Voltei a ir para cima do Edson e, nesse momento, quem me segurava por trás trançou suas pernas nas minhas e aí eu perdi o equilíbrio:
- Sai… de cima… de mim! - Gritei para ele, não sendo atendido.
Como ele não obedeceu, curvei minha cabeça e corpo o máximo que consegui para a frente e a soltei com tudo para trás, atingindo a cabeça de quem me segurava em cheio. Ele bambeou e eu me soltei, mas antes que eu partisse para cima do Edson novamente, Nanda pulou em meu colo de frente, trançando suas pernas em minhas cintura e passando seus braços por baixo de minhas axilas e, voltando-os, tapou meus olhos:
- Sai, Nanda! - Falei alterado.
- Não. Para! Por favor, para.
- Eu vou matar aquele filho da…
Ela me interrompeu com um beijo na boca e a surpresa daquilo me deixou sem reação. Ela sabia que eu não bateria nela e então falou:
- Calma! Fica calmo….
- Me solta, Nanda. - Pedi.
- Não vou te soltar! Se acalma.
- Já estou calmo. Pode me soltar. - Fui sincero.
Ela acreditou e tirou suas mãos dos meus olhos, segurando meu rosto de forma que eu só conseguisse olhar para ela. Ao se certificar que eu olhava para ela e mais ninguém, também se acalmou:
- Oi! - Me falou, com um sorriso preocupado no rosto.
Sorri de volta e encostei minha testa na dela, fechando meus olhos e a abraçando forte. Quando abri meus olhos e vi o Edson ainda no chão, fiz menção de me levantar e ela me puxou para encará-la novamente, dizendo:
- Olha pra mim! Só pra mim. Esquece dele!
A encarei por um momento, respirando fundo e disse:
- Já estou bem, Nanda. Pode ficar tranquila. - Disse, sorrindo para ela: - Mas estou com medo de ver quem eu nocauteei ali atrás, porque a minha cabeça está doendo.
Olhamos para trás e Rubens estava com a mão no nariz e boca, tentando conter um sangramento. Ele, ao ver que eu o encarava, balançou negativamente a cabeça, ameaçando um sorriso tímido:
- Bom te ver, Rubens. - Falei.
- Tomá no teu cu, Mark! - Falou, rindo também.
A PM “chegou-chegando”, dando voz de prisão para todos. Nesse momento, Rubens se levantou e sacou uma carteira funcional da PM, se identificando como Major Pinheiro. O Sargento que atendia a ocorrência bateu continência imediatamente e quis saber o que tinha acontecido. Rubens resumiu a história, dizendo que Edson havia roubado um beijo à força da Nanda e que, quando eu vi, parti para cima dele, mas que nem cheguei a tocar nele, porque eles me seguraram:
- Mas então quem capou o meliante aí? - Perguntou o sargento, vendo que ele gemia e segurava na altura de sua braguilha.
- Ela própria! - Disse Rubens.
- Que pena, hein!? Nem vou ter chance de dar uma botinada no mocinho. - Disse o Sargento e riu dele: - Então, vamos levar todo mundo pra delegacia, Major. Lá a gente faz a ocorrência e deposita o meliante na ala dos estupradores.
- Só um minuto, Sargento. - Pediu Rubens e nos perguntou: - O que vocês querem fazer? Nanda, Mark…
- Você decide, Nanda. - Falei.
- Acho que a humilhação que ele passou já é suficiente… Eu não quero prejudicar a vida de ninguém. - Nanda me falou e se voltou então para o Edson: - Nunca mais eu quero que você me dirija a palavra. Tá entendendo, Edson? Nunca mais! E deixa meu marido em paz.
Ele só balançou a cabeça afirmativamente e estava sendo acompanhado para fora do restaurante, quando eu pedi para falar com ele. Rubens tentou me dissuadir, mas eu ainda queria tirar essa história a limpo. Fomos então Edinho e eu até o salão inferior, acompanhados dos PM’s, do Rubens e da Nanda que não quis me deixar por um minuto sequer:
- Vou ser bem direto e espero que você também seja. Era você que me enviava aqueles “OI” de um número internacional há alguns meses atrás? - Perguntei.
Ele nada disse, apenas abaixando a cabeça e encarando o chão de piso frio daquele estabelecimento. Insisti novamente e nada. O sargento da PM suavemente pediu que ele respondesse e, vendo que não conseguia cooperação, deu-lhe um “suave” tapa na nuca que quase o derrubou ao chão. Pedi que ele parasse, muito embora tenha gostado da cena e disse:
- Acho que você não está entendendo. Os policiais já entenderam qual é o seu tipo e estão loucos para levá-lo até uma delegacia. Imagina só o efeito disse em sua vida e carreira, ser fichado com seus trinta e poucos anos por estupro e, imagina só, se for condenado, ainda pode pegar até vinte anos de prisão. - Me dirigi ao Rubens: - Isso acaba com a vida de qualquer um, não acaba, Rubens?
- Ô, se acaba. Sem contar que estuprador vira depósito de porra na prisão. - Completou.
- Depósito de porra, na melhor das possibilidades. Na pior, ainda pode pegar umas doença braba. - Completou ainda mais o sargento.
Na prática, eu sabia que uma condenação dificilmente alcança o máximo previsto na lei, ainda mais se ele foi primário e de bons antecedentes, mas ainda assim a chance dele ser condenado seria alta.
Nesse momento, ele levantou seu rosto e os olhos estavam arregalados. Eu sabia o que sabia pela minha experiência, mas o efeito pedagógico do “psico-tapa”, aliado às gentis palavras dos que estavam ali, exerceram um forte poder de convencimento sobre o Edson. Depois o cabo da polícia que acompanhava a diligência, ainda jogou a pá de cal em cima dele:
- Sargento… E se a gente levar ele pra dar uma voltinha numa quebrada aí? Só pra ele arejar as “ideia”…
- Não! Não precisa. Eu falo… - Edson, já acuado, arregou: - Fui eu sim. Só posso pedir perdão. Eu fui um moleque.
- Vamos ver se você merece realmente nosso perdão. - Falei: - Por que você fez isso? O que você pretendia?
- Um dia, eu vi a Nan-Má na rua, passeando com as filhas. Ela estava mais bonita que antes: encorpada, siliconada, com aquele olhar bravo que sempre me fascinou e ela devia ter sido minha! Você roubou ela de mim. - Ele media as palavras: - Daí fiz aquilo como um trote, só para encher mesmo, mas como você bloqueou aquele número, eu nem insisti mais.
- Tá. - Olhei para a Nanda e insisti, ainda não convencido: - E por que mudou de ideia? Por que voltou com as mensagens agora?
- Porque me encontrei com ela num supermercado da nossa cidade um dia e vi que ela parecia meio tensa, desligada. Então, a convidei para um cafezinho e tive certeza que o casamento não andava bem. - Ele abaixou sua cabeça, agora constrangido: - Daí pensei que uma “ajudinha” poderia vir a calhar e resolver a situação dela de vez…
Fiz menção de me aproximar dele e os policiais se colocaram do lado dele, inclusive, o sargento me encarou e balançou negativamente a cabeça, como que tentando me dissuadir de atacá-lo. Acenei para ele dando a entender que eu estava bem e continuei:
- Mais uma pergunta: você agiu sozinho nessa história?
- Não, né! - Respondeu, reclamando: - Um amigo, colega de meu curso, tirou as fotos. Ninguém que você conheça…
- Mais ninguém? - Insisti.
Ele se calou e isso aumentou minha desconfiança:
- Mais ninguém, Edson? - Insisti novamente: - Fecha com chave de ouro, homem. Fala a verdade.
O cabo da PM lhe deu um “cutucão” com o joelho e ele, enfim, falou:
- Não. Mais ninguém. Juro.
Suas palavras não me convenceram suficientemente. Eu ainda precisava esclarecer alguns detalhes contraditórios da história que a Nanda havia me contado, mas se eu perguntasse para ele ali, na presença de todos, iria constrangê-la. Preferi não fazê-lo e deixar para confrontá-la depois:
- Quer perguntar alguma coisa para ele, Nanda? - Perguntei.
- Não! Só quero que ele saiba que hoje tenho a certeza absoluta que fiz a melhor escolha quinze anos atrás. - Ela respondeu.
- A gente podia ter sido feliz, Nan-Má… - Insistiu.
Ela deu uma gargalhada debochada dele e apertou meu braço, fazendo questão de exibir sua aliança matrimonial e dizer:
- Isso aqui é algo que você talvez nunca tenha na sua vida. Você não é homem suficiente para um compromisso desse.
Agradeci aos policiais que escoltaram o Edson para fora do estabelecimento e Rubens os acompanhou para finalizar os procedimentos. Isso não acompanhei, mas tive a impressão de ter ouvido um sonoro ai quando eles saíram pela porta afora. Nanda me olhava constrangida e, naquele momento, eu ainda estava carente de algumas respostas. O silêncio já incomodava e ela se adiantou:
- Que bom que você está aqui.
- Cheguei a pensar que vocês tivessem tido um caso… - Falei sem pensar.
- Eu sei. Eu imaginei…
- Recebi outras fotos de vocês, se beijando… Me explica.
Antes que ela pudesse falar algo, Rubens chegou, já falando:
- Que situação, hein!? Vamô tomá um chope pra relaxar?
Eu o olhei de soslaio e voltei a encarar a Nanda, aguardando uma resposta que não vinha. Ela olhava para meu peito, mexendo num botão de minha camisa para despistar. Ele sentiu um clima estranho, pesado e praticamente começou a nos empurrar em direção à escada que dava acesso ao terraço:
- Sei que vocês estão tensos, mas acho que vocês precisar relaxar, “desanuviá” como vocês falam no interior. - Insistiu: - Depois vocês conversam com calma.
Subimos as escadas e, ao invés de acompanhá-los, voltei à mesa em que estava quando cheguei para pegar celular e carteira que só então vi que havia deixado para trás. Ainda tinha uma tulipa praticamente cheia e me sentei para tomá-la. Pouco depois Rubens chegou e se sentou:
- Não tenho o direito de me meter, mas vou te falar com o direito de quem quase quebrou o nariz na sua cabeça, e que cabeça dura… - Riu e completou: - Cara, ela foi tão vítima quanto você.
Apenas esbocei um sorriso constrangido para ele e falei:
- Será?
Mostrei então algumas fotos que eu havia recebido, deles inclusive se beijando e abraçados, e contei sobre as contradições do dia do motel. Ele me ouvia atento, alterando seu olhar para as fotos, vez ou outra:
- Sobre as fotos, não posso te falar nada. Sobre a história do motel, eu me lembro de termos realmente ido os três para o shopping, lanchar e beber algo, e lá ela encontrou esse panaca aí. Depois, como chovia, ele ofereceu carona para ela e não sei para onde foram. - Coçou o queixo me encarando: - Nem sei se eu devia ter te falado isso, mas tô vendo que você é um cara correto. Então, seja uma vez mais e converse com ela depois com calma. Se vocês quiserem, podemos ir até meu apartamento depois. - Agora me deu um tapa no ombro e um sorriso, só contido pelo peso do momento: - Assim fico de olho para as crianças não fazerem besteira.
Olhei em direção da Nanda e ela já se encontrava sentada numa mesa, ao lado da Sabrina que tentava conversar com ela. Aliás, não olhei, fuzilei, e Rubens me criticou. Nanda se mantinha quieta, sorrindo timidamente para Sabrina, mas com o olhar fixo em mim:
- Vamô lá!? Vem beber com a gente. - Rubens insistiu.
- Essa história está mal contada, Rubens. Acho melhor ir embora ou vou acabar discutindo com ela.
- Não! Não vai. - Ele insistiu: - Vamos fazer assim: se eu ver que o clima vai azedar, entro e aparto os dois. Valeu? Tenta conversar numa boa, cara.
Peguei minhas coisas, minha taça de chope e no caminho a escada para a saída exerceu uma forte atração para mim, a ponto de eu parar em dúvida se devia sair ou ficar. Olhei em sua direção e ela se levantou, talvez pronta para vir em minha direção. Não tive tempo de descobrir porque Rubens me pegou pelo braço e praticamente me arrastou em direção a mesa em que ela estava com Sabrina. Após ele fazer uns arranjos, me colocou sentado ao lado da Nanda e se sentou ao lado da Sabrina. Começou a puxar conversa conosco e realmente eu não estava afim de confraternizar. Nanda também parecia deslocada. De tanto tentar, acho que cansou e começou a dar atenção a Sabrina, bem como conversar com os demais. Eu já estava no quarto ou quinto chope e pouco interagia com os presentes até que Sabrina soltou uma pérola:
- Nanda, minha boiadeira, onde cê aprendeu a capar daquele jeito?
Nanda sorriu de seu comentário e eu, já embalado pelo chope, acabei rindo também e ainda complementei:
- Até onde vi, ele saiu mancando porta afora. - Bebi mais um gole de meu chope: - Se não capou, ele vai ficar um bom tempo com o pau de molho…
Rubens aproveitou a deixa e começou a gargalhar, tentando nos entrosar ao grupo. Logo, voltaram a conversar entre si e eu insisti com a Nanda:
- Vai me contar sobre os beijos?
- Você pode não acreditar, mas fiz aquilo para ele te deixar em paz. Eu já estava desconfiada que ele estava armando a história das fotos. Então, na segunda, eu prensei e ele me confessou tudo.
- E por que não me ligou para contar isso? Eu teria vindo te ajudar, sei lá, feito alguma coisa.
- Porque… Porque… Ah, sei lá, porque, Mark!
- Você tá me escondendo alguma coisa e eu já tô de saco cheio dessa sua mania de esconder a verdade. Ou você fala, ou eu saio daqui agora e nunca mais olho na tua cara!
- Ah, Mark…
- Você fez alguma cagada, não fez!? Fala! - Pedi, alterando pouco o tom da minha voz, mas o suficiente para chamar a atenção de todos.
- Mark!? Cara… Deixa pra depois. - Me pediu o Rubens.
Olhei para Nanda que abaixou a cabeça envergonhada:
- Chega! Pra mim já deu. - Disse e me levantei, saindo em direção as escadas.
Saí porta afora do restaurante e me encaminhei para meu carro. Lá dentro, já pronto para dar a partida, a porta do passageiro se abriu e Rubens entrou, tirando a chave do contato:
- Tá louco, cara? Você bebeu um tanto. Não vai pegar rodovia nem a pau. - Falou, bravo: - Pode brigar comigo se quiser e a porrada vai ser braba, mas não te devolvo as chaves.
- Tá de palhaçada, né, Rubens!? Dá essa merda aqui. - Mandei, alterado.
- Vai se ferrar, não dou!
- Me ferrar? Mais!?
Ele me olhou e agora havia empatia. Vi que ele entendeu que minha situação não estava nada bem:
- Cara… Não vou falar para vocês conversarem agora, porque já vi que não vai dar, mas você não pode dirigir assim, bêbado e transtornado. - Falou, agora com a mão em meu ombro: - Pega aqui as chaves do meu apê. Chama um Uber, vai pra lá e descansa. Depois dou um jeito de levar seu carro e aí, quando você estiver melhor, você vai embora.
Eu ainda o encarava bravo, mas já entendia sua preocupação e já estava quase concordando com suas palavras. Então, ele fechou com chave de ouro:
- Você tem filhas, não tem? Elas precisam do pai bem e inteiro.
Nessa hora não aguentei e até chorei um pouco, mas me constrangi por fazer isso na presença de um praticamente desconhecido e me recompus como pude, enxugando uma lágrima:
- Obrigado, mas não vou para seu apartamento, Rubens. - Respondi.
Peguei meu celular e pedi um Uber, inserindo um endereço onde eu sabia que encontraria guarida. O carro chegou rápido e me despedi dele, pedindo que entregasse a chave do meu carro para a Nanda e que ela resolvesse o que fazer com ele:
- Por que você mesmo não entrega? - Me perguntou apontando para a sacada do terraço do restaurante, de onde ela me encarava.
Nem respondi e entrei no carro do aplicativo. Em quinze minutos, eu chegava ao meu destino. Autorizado a entrar, em não mais que cinco, chegava à porta de entrada e uma figura conhecida já me esperava com um sorriso no rosto, que se transformou em preocupação ao ver o estado em que eu chegava. Denise me abraçou carinhosamente e me puxou para dentro de seu apartamento, fechando a porta atrás de nós.