Estava deitada no carpete aveludado do meu quarto, minha cabeça repousava sobre um travesseiro macio, enquanto eu lia "A divina comédia" de Dante. Viajava junto com o personagem e seu guia pelos círculos do inferno. A maneira poética com a qual Dante se expressa, sempre me causou fascínio em demasia, esta é a quinta vez que tomo sua obra em minhas mãos e a sensação é sempre a mesma. Eu amo ler, sem dúvida alguma essa é minha maior paixão e nada me faz mais feliz. Minha biblioteca particular repleta de volumes, clássicos da literatura de todo o mundo, alguns em edições originais, estes últimos são presentes de um misterioso admirador. Todo o mês, recebo uma caixa sempre no dia 21 de cada mês faça chuva, sol, tempestade ela sempre chega. Talvez porque eu nasci no dia 21 de outubro ou é apenas coincidência.
Sou filha única de uma família abastada, mas, isso nunca me fará melhor do que ninguém e nunca quis que me fizesse. Meu Pai, Augusto, é dono do maior escritório de advocacia da cidade de Klint, tem contrato com grandes e pequenas empresas de todo o país e isso lhe rendeu o apelido de Zeus. Por esse motivo, recebi o nome de Atenna a filha mais sábia do poderoso olimpiano e como não podia ser diferente sou apaixonada por mitologia grega. A minha mãe é médica pediatra formada, mas, nunca exerceu a profissão ela é desde sempre a dona de casa esforçada e, a mãe que todos desejariam ter, seu nome é Helena, mas, todos a conhecem por Hera. Não pensem que por ser de família rica sempre tive tudo nas mãos, aprendi a cozinhar, lavar, passar, limpar e arrumar a casa. Temos uma governanta, que trabalha conosco a séculos e duas empregadas que cuidam da casa mas, elas só trabalham aqui a pouco tempo antes minha mãe e eu cuidávamos de tudo.
Nesse domingo é o meu aniversário de 18 anos, minha mãe esta organizando tudo e simplesmente não pediu a minha opinião. Eu sei que vai estar tudo perfeito, não podia ser diferente, todos anos são perfeitos. Mas, porque há uma pequena pertubação dentro de mim? Pela primeira vez, eu sinto que algo diferente irá acontecer neste dia, o dia da 210° caixa. Ouço alguém bater na porta do meu quarto:
– Só um minuto – respondo, levantando do chão pondo o travesseiro sobre a cama e o livro sobre a mesa de cabeceira – Pronto, pode entrar.
– Deixa eu adivinhar estava jogada no tapete lendo outra vez? - minha amiga Louise fala fingindo estar brava.
– Eu sempre estou, bom dia pra você também Louise – respondo a abraçando.
– Bom dia, minha deusa.
– Eu não sou deusa, você sabe disse e muito menos mereço o nome da deusa da sabedoria.
– Diga isso aos seus pais que te deram esse nome! Ei? Esta animada para a sua festa? – ela senta na minha cama, ao meu lado.
– Estou sim, mas, tenho uma sensação de que algo estranho vai acontecer nesse dia.
– Será que aqueles sócios bonitões do seu pai vão estar lá? Tipo o Victor, o Matteo, ou aquele moreno que não tira os olhos de você. – fico vermelha ao lembrar dos olhares daquele homem.
– Será que você consegue não pensar em homens o tempo todo ? O Matteo, eu até entendo mais o Victor? Ele tem quase a idade do papai.
– Ele pode ter a idade do meu avó, eu não ligo pra isso. A senhorita não fuja do assunto tá vermelha igual a uma pimenta só porque falei do moreno.
– Não sei do que você está falando! Aquele homem sempre esteve em todas as minhas festas, eu não sei nem o nome dele, meu pai não me diz. Já fiz a minha melhor carinha de pidona e ele não me conta quem é, sempre fala: "Na hora certa você saberá quem é". Então dona Louise, não me venha com essa! - digo no meu melhor tom zangado para disfarçar o meu rubor.
– Perdão, ó poderosa deusa do Olimpo – diz ela se segurando para não rir.
– Cala a boca, Lou.
– Tá bom, não tá mais aqui quem falou. Você já escolheu a seu vestido? Diz que sim.
– Até que enfim perguntou por algo descente, sim eu já escolhi. Mas, você só vai ver no dia como todo mundo.
- Ah não! Atenna Zennit , me mostra esse vestido agora! Isso é uma ordem.
- Desculpe querida, mas, eu só sigo ordens do papai e da mamãe. Mas, porque eu sou muito boazinha, eu vou te dar duas dicas.
– Nossa! Quanta bondade tem dentro desse coraçãozinho – diz ela morrendo de rir.
– Primeira dica, se você usar branco eu vou te matar. Segunda dica, farei jus ao meu nome. Pronto, agora você já pode imaginar o meu vestido.
– Vou ter que ser a segunda mais bela do evento esse ano novamente? - ela faz biquinho.
Louise é a filha mais velha da nossa governanta e também a minha melhor amiga. Todos os anos, ela está ao meu lado na minha festa de aniversário desde que erámos bebês e segundo ela, é sempre a segunda mais bela do evento. Bom, para mim não faz diferença ela ser a segunda ou a primeira mais bela do evento. Louise é deslumbrante sua pele negra tem um brilho invejável e ela nunca precisa de maquiagem, seu cabelo é um mar cachos poderosos, seus lábios e cílios são naturalmente volumosos e seus olhos de um castanho escuro profundo, seu corpo esbelto é cheio de curvas, típico do povo brasileiro. É difícil bater essa mulher.
– Deixe de drama, Louise. Eu que estou preocupada em ser a segunda, você é linda garota!
– Vindo de você é mais que um elogio – nós caímos na gargalhada, mas somos interrompidas por um toque na minha porta.
– Pode entrar - sabendo que é o meu pai.
– Boa tarde meninas - o meu pai nos cumprimenta.
– Boa tarde, papai – levanto e dou um beijo no seu rosto – O Senhor chegou mais cedo hoje, aconteceu alguma coisa?
– Não, está tudo bem. Eu passei aqui para te avisar, que amanhã a noite quero conversar com você sobre o seu aniversário, por isso não marque nada com ninguém amanhã a noite. Entendeu?
– Sim, Senhor.
– E Louise, nem tente arrastar ela pra lugar nenhum dessa vez, está me ouvindo? – fala em um tom de voz mais sério.
– Pode deixar Senhor Zeus –
– Bom, agora podem continuar o papo de vocês.
– Até o jantar papai.
Ele sai sem responder, fechando a porta atrás de si.
– Oh Zennit, seu pai quase me assustou.
– Relaxa, você já conhece o meu pai, sabe bem que ele não é nenhum monstro ou coisa do tipo.
– Sim, eu sei. Que horas são?
– 16:45.
– Bom, tenho que ir.
– Mas já? – digo fazendo biquinho.
– Sim, tenho que arrumar o meu quarto e procurar um vestido descente para o seu aniversário, já que não posso mas, usar o que escolhi.
– Ah, desculpa. Pode ir, daqui a pouco eu vou ter que me arrumar para o jantar mesmo.
– Até mais, beijos! – ela sai deixando a porta aberta.
Eu jogo o meu travesseiro de volta no tapete, pego o meu livro, fecho a porta e deito novamente no tapete. Depois de tentar em vão ler um parágrafo do livro deixo-o de lado, para me concentrar na pergunta que não sai da minha cabeça: O que o meu pai quer falar comigo?
A pergunta se juntava a sensação de que haveria algo diferente naquele dia e isso foi o suficiente para me fazer perder o jantar e me deixar inquieta o resto da noite. É a primeira vez, que o meu pai me chama para ter uma conversa antes do meu aniversário, na verdade é a primeira vez que ele me convoca abertamente para uma. Será que fiz algo de errado? Não, ele teria me dado uma bronca ontem mesmo. Eu não consigo, pensar em nada que possa ser assunto dessa nossa conversa. Adormeço já tarde da noite, ainda sobre o tapete , entregando-me a um sono profundo e sem sonhos.