Rick conversava animadamente, sempre próximo de mim. Com o tempo, começou a falar mais lentamente e de uma forma mais concentrada, até seu timbre mudou, talvez tentando ser mais sensual. Já havia passado um braço por sobre meu ombro e com a outra mão, quando não estava comendo ou bebendo, me acariciava. Aquilo já estava começando a me afetar positivamente e comecei a me excitar, claro. Numa dessas conversas ele se aproximou bastante de minha orelha e beijou de leve meu lóbulo. Me arrepiei toda e ele notou porque também não pude evitar um leve suspiro. Dali o beijo seguiu para meu pescoço e depois para minha boca, aliás, nossas bocas, porque se antes ele queria, agora eu o queria também. Passamos a nos curtir, beijos, abraços, mãos e toques. O que antes ele fazia, agora eu também repetia:
- Vamos sair daqui. - Ele decretou.
- Para o meu hotel?
- Não para o meu apartamento.
- Rick, eu tenho que trabalhar amanhã. - Insisti sem a menor convicção de querer convencê-lo.
- E você vai, mas só depois que for minha hoje. Agora eu só te levo para o seu hotel se você me falar, olhando nos meus olhos, que não quer ficar comigo.
Eu o encarei, mas as palavras não vieram. Ele sorriu vitorioso e pediu a conta para o garçom. Enquanto aguardávamos a fatura, ele não me soltava. Fez de tudo e mais um pouco para manter acesa aquela chama. Depois de pagar, fomos para seu carro e de lá para seu apartamento. Comecei a me criticar em silêncio porque, a princípio, eu pensava em me guardar para o Mark, mas agora já estava me rendendo ao Rick. Não sei quanto tempo durou o percurso, mas nesse tempo ele não soltou minha mão e quando o fez foi para segurar em minha perna. Quis e manteve contato, se impôs e me convenceu, foi homem e conquistou a mulher. Agora era só questão de tempo.
Subimos aos beijos no elevador de seu prédio que parou em dois ou três andares. Se alguém subiu e desceu, eu não vi, pois ele não me permitia ficar um minuto sem estar em contato com ele. Naquele momento, ele realmente queria e essa vontade, esse querer, me acendeu igual um rastilho de pólvora. Eu estava quase explodindo de vontade, me sentia molhada e sabia que ele também estava louco por mim, pois seu pau estava teso desde que saímos do bar e não baixava de forma alguma. Ainda assim, meu anjinho do ombro direito teimava em gritar e me puxar pelos cabelos, tentando me chamar à razão. Estranhamente, até o diabinho do ombro esquerdo pareceu se compadecer dele, pois não ficou “tacando fogo” em mim, acho que ele também não havia gostado de minha decisão.
Assim que entramos em seu apartamento, Rick começou a me despir com uma voracidade sem igual, bem como a ele próprio. Logo, ele estava só de cueca sem que eu praticamente tivesse colocado a mão nele. Meus seios já estavam em suas mãos e ele os acariciava com vontade, com excitação. Quando não me beijava a boca, meu pescoço ou a orelha eram seus alvos. Aliás, próximo de minha orelha, seus gracejos aumentavam e ele não cansava de me elogiar, dizer o quanto me queria, o quanto me amava. “Amar!?”. Essa palavra me assustou e, embora ele não quisesse me dar chance de pensar em mais nada, eu pensava e muito, mesmo que em silêncio: meu Mark, meu marido, não me saía da cabeça, apesar do que eu pudesse sentir pelo Rick. Precisei parar um pouco aquela afobação toda:
- Rick, para! Eu quero usar o banheiro. – Usei a única desculpa que me surgiu num momento em que consegui separar minha boca da dele.
- Banheiro, Nanda. Agora!? - Perguntou, já tentando me beijar novamente.
- É, banheiro. Sim. Agora! Posso? - Insisti e acho que o convenci pelo tom de minha voz.
Ele parou por um momento, me encarando. Certamente ele imaginava que eu estava procurando uma forma de escapar daquela pegação toda, talvez para pensar melhor. Errado ele não estava, mas, além disso, eu precisava de algo mais, aliás de alguém mais, da única pessoa que poderia me dar uma certeza que eu ainda não tinha. Ele me indicou a direção do banheiro e lá fui eu, segurando meu macaquinho, com metade da bunda para fora e os seios desnudos. Me tranquei no banheiro e, no espelho, vi uma Nanda tomada por uma incerteza avassaladora:
- O que você está fazendo, mulher? - Perguntei, mas minha ouvinte não me respondeu.
Respirei fundo, tentando me acalmar, colocar as ideias em ordem e meu reflexo encarou minha bolsa. Entendi no ato o que eu precisava fazer.
[...]
O dia transcorreu bastante tranquilo. Não fossem aquelas fotos e vídeos da última remessa da Nanda que ousavam permear me pensamento e as várias idas ao banheiro de meu escritório, eu diria que seria um dia como qualquer outro. Claro que quem tem uma Miriam em casa, dificilmente tem um dia tranquilo, afinal, minha caçula havia encasquetado em adotar uma gatinha branca que ficava rondando nosso quintal e nessa empreitada teve a concordância e participação ativa da Maryeva, mestra em adestramento de “pet’s”. Já há alguns dias, elas tentavam amansar a alva bichana com ração, petiscos, mimos e não é que hoje, pela primeira vez, conseguiram acariciá-la! Acariciá-la e domá-la, pois não saiu mais de seus colos, revezando numa e depois noutra. Por medida de segurança, a levamos numa veterinária e, feitos os exames e vacinas de praxe, agora sim Neve se tornava parte integrante da família. Restava saber se Nanda concordaria.
Já à noite, bem tarde, elas já recolhidas e eu também, me preparava para embalar entre os travesseiros quando recebo uma mensagem de Nanda. “Oba! Será!?”, pensei:
Ela - “Tá acordado?”
Resolvi sacanear um pouco e escrevi uma mensagem de volta:
Eu - “MENSAGEM AUTOMÁTICA: Este número está bloqueado temporariamente para mensagens, chamadas, vídeos e transmissões ‘on line’.”
Ela pareceu ter caído na pegadinha porque não insistiu. Pouco depois, enviei outra:
Eu - “MENSAGEM AUTOMÁTICA: Principalmente para conteúdo erótico!”
No mesmo instante, ela respondeu:
Ela - “Sacana!”
Comecei a rir sozinho e respondi:
Eu - “Sou mesmo!”
Eu - “E sei que você adora…”
Ela se calou novamente, mas logo meu celular tocou, indicando uma chamada de vídeo dela para mim. Fiz um charminho, enquanto me despia para atendê-la: “se for pra rolar, já tô pronto”, pensei. Pelado, excitado e já com o pau na mão, atendi:
- Oi, Morena - Falei com uma voz mais grave e sensual, porque brincar também é excitante: - Pronta pra mais uma?
Entretanto, ela não estava. Seu semblante demonstrava claramente que algo não estava bem e meu pau desceu mais rápido que o tempo que levou para subir:
- O que foi? Que cara é essa? - Perguntei.
- Oi, Mor.
Fiquei aguardando e nada dela falar. Ela estava presa, bloqueada, assustada, temerosa e tive que insistir:
- Fala, Nanda!
- Nada não! Só vim te dar boa noite. - Disse e me mandou um beijo: - Tô com saudade.
- Saudade de mim, ok, mas de dentro de um banheiro!? - Falei por ter notado o lugar em que ela estava.
Não terminei de falar e ela sumiu tão rápido quanto apareceu. Se antes eu estava excitado, agora só restava preocupação. Logo, ela voltou a se focalizar, esboçando um sorriso tímido, estranho e falou:
- E aí!? Gostou dos vídeos, fotos, que te mandei?
- Gostar eu gostei… - Falei.
Analisando-a, decidi deixá-la falar o que quisesse para se acalmar, até ter coragem para me falar o que realmente queria. Estava claro que ela queria falar algo, mas não conseguia e pressioná-la poderia ser pior. Então, usei o conhecimento do bom pescador e “dei linha” para ela se cansar:
- Mas pensei que fosse guardar o “brioco” só pra mim. Pô, você não perdoa nada, né!? - Falei e ri.
- Ah, sério, Mor?
- Relaxa. Estou brincando. - Falei e a encarei, sempre sorrindo: - Só não imaginei que você fosse ficar tão à vontade a ponto de deixar rolar anal numa transa eventual ou será que já não era tão eventual assim?
- Pior que… - Parou para pensar como montar uma boa explicação e continuou: - Então… Sim e não.
- Não entendi…
- Eu já tinha ficado com o Andreas numa balada. Ele é um alemão que está passando uma temporada aqui. Ficamos lá, demos umas esfregadas gostosas, fiz ele gozar na minha mão, mas transar mesmo só ontem.
- E daí já rolou afinidade para liberar o anel?
- Pois é… Eu não tinha pensado nisso, nem quando estava com você assistindo. Não planejei mesmo, mas, depois, como ele tinha um pau praticamente do mesmo tamanho que o seu, talvez só um pouquinho mais comprido, acabei ficando curiosa e deixei rolar. - Ela me encarava enquanto falava, mas como eu não me manifestava, insistiu: - Você não ficou chateado com isso, né?
- Claro que não! Se for do meu tamanho, não tem risco de estragar meu parquinho de diversões.
- O parquinho de diversões fica em outro endereço! - Falou e agora riu gostoso pela primeira vez: - Esse outro aí é o buraco do tatu.
- Prazer! Tatu. - Respondi, rindo da deixa.
- Ah, Mor. Para! - Fez um charminho e depois colocou a mão sobre os lábios como sempre faz quando pensa em algo, sorrindo e me dizendo: - Eu te ligo depois, pode ser? Vou resolver uma situação e tem que ser agora.
- Você está querendo me dizer alguma coisa mas não está conseguindo, não é? - Decidi escancarar de vez antes que ela fugisse.
- Estava, mas já decidi. Você confia em mim?
- Confio. Mas e você? Confia em você mesma para tomar a decisão sozinha? - Perguntei e a encarei.
- Obrigada, Mor. - Ela sorriu e agora parecia bastante convicta: - E respondendo sua pergunta, sim, confio em mim, ainda mais sabendo que tenho você do meu lado.
Despediu-se de mim aos beijos e juras, e desligou. Entretanto, eu fiquei com uma sensação de que alguma coisa estava mal resolvida, talvez não entre a gente, mas entre ela e alguém. Não pude deixar de ouvir o eco do nome Rick em minha cabeça.
[...]
Olhar nos olhos do meu marido me deu um norte que eu precisava para me posicionar naquela noite. Voltei a me vestir e fui ao encontro do Rick. Ele precisava se situar também. Ele me esperava só de cueca sobre o sofá da antessala, com um volume que denunciava suas intenções comigo. “Por que não fez isso ontem, seu filho da puta!?”, pensei e logo me repreendi, “Melhor assim!”. Ele se levantou e o peso de seu pau fez com que pendesse para a frente e para baixo, armando uma bela barraca, uma tenda de circo. O espetáculo estava prestes a iniciar e eu precisava tomar uma decisão: ser a palhaça da noite ou voltar para casa continuar assistindo à novela da minha vida. Ele me abraçou, tentando me beijar, mas eu apoiei as duas mãos em seu peito e o mantive longe de mim:
- Vamos conversar. - Eu disse, calmamente.
- Conversar? Agora!? - Perguntou, atônito e praticamente apontou para seu pau sem saber o que falar: - Mas… Mas…
- Sem mas, mais ou menos, Rick. Senta! - Impus: - E vamos conversar.
Ele me soltou e nos sentamos no sofá. Ele me olhava apreensivo, eu diria que até assustado. Respirei fundo uma, duas vezes, enquanto procurava as melhores palavras para falar o que eu não queria assumir, mas eu precisava deixar tudo bem claro para ele e para mim, bem como impor os limites para continuarmos sendo, pelo menos, amigos:
- Não vamos transar hoje, nem nos próximos dias. - Falei olhando em seus olhos para ele entender que eu não estava brincando: - Talvez nunca mais...
- Nanda, o que é isso? O que aconteceu? A gente estava bem, se curtindo, embalados e você agora vem com essa! Não estou entendendo…
- Então, vou ser bem clara: você mexeu comigo! Mexeu de uma forma que só o meu marido conseguiu antes. Se eu não fosse casada, acho que me entregaria facilmente a um relacionamento com você. Não sei o que você tem, o que você é, mas… Mexeu comigo. É isso.
- Porra meu, ótimo! Então… Agora a gente pode se entender ainda melhor, porque eu sei bem o que sinto por você. Eu estou apaixonado por você! - Falou me olhando no fundo dos olhos, me fazendo tremer: - Você é uma mulher sem igual. Sua espontaneidade é fora do comum. Me sinto muito bem com você do meu lado, acho que de uma forma como nunca me senti antes.
Tudo o que eu não precisava naquele momento era de gracejos. Não bastasse isso, nesse momento, ainda tocou minha mão e sorriu de uma forma que tocaria o coração de qualquer mulher “apaixonável”, coisa que eu queria deixar bem claro que não era naquele momento:
- Rick, para! - Disse e puxei minha mão das dele: - Não… quero… você! Não quero… que você… se iluda! Eu sou casada, amo meu marido, amo minhas filhas, amo minha vidinha simples e caipira, e não vou me meter numa aventura nessa altura da vida com ninguém. Sexo é só sexo, tiro de letra; mas paixão, sentimento é algo com o que não se brinca e eu não vou fazer isso com você, nem comigo mesma.
- Mas eu não quero ser uma aventura para você, Nanda, eu quero ser uma certeza! A gente pode se entender e você pode até trazer suas filhas pra morarem com a gente. Vou adorar conhecê-las, conviver com elas e vou ser um baita padrasto para elas. Dou tudo o que elas precisarem: escola, balé, natação, o que elas quiserem! Do que elas gostam? É só me falar. Além disso, eu converso com o seu marido, explico toda a situação, puxo o foco para mim, digo que a gente se apaixonou, enfim, que a culpa foi minha. Ele vai entender... Com o tempo, ele vai aceitar, até pelas filhas mesmo, e talvez até vocês possam ser amigos, por que não?
- Rick, tá difícil me fazer entender. Vamos lá de novo... Eu acho até que me apaixo… - Acabei me contendo e ele sorriu, ainda mais surpreso, mas, depois de respirar fundo, fechei a cara e continuei: - Mas eu não quero outro homem, eu já tenho o meu! Se chama Mark e é tudo o que eu preciso. Eu acho que só me confundi. Isso! Não é paixão, é só um querer bem demais, mas que precisa acabar. Acabei misturando sentimento com o sexo e errei feio, comigo e com você. Para você, eu só posso pedir desculpas se dei a impressão de estar disponível, mas eu não estou.
- Mas, Nanda, eu…
- Não! - O interrompi, porque eu precisava falar: - Não vamos continuar hoje. Te agradeço muito pelos bons momentos que passamos juntos, eu adorei mesmo, mas vou sair daqui agora, ir para o meu hotel, depois vou terminar meu treinamento e retomar minha vida com minha família. Se no futuro, surgir uma possibilidade de nos reencontrarmos, seremos os três, digo isso porque meu marido estará junto comigo. Poderemos até nos divertir, quem sabe, não é? Mas só eu e você, nunca mais!
- Poxa, mas…
- Não! - O interrompi novamente: - Espero que possamos continuar sendo amigos, talvez com vantagens, mas essa amizade colorida e pouco definida entre a gente acaba aqui e agora. Espero que respeite minha decisão e não me procure mais. Se tentar manter contato comigo daqui por diante, vou encaminhar para meu marido e vocês poderão se conhecer melhor. Daí o que ele decidir, eu acatarei, porque ele é meu homem e é a ele que eu devo respeito e consideração, acima de tudo e todos.
Ele me ouvia atentamente e acho que desta vez sentiu a pancada, pois seu pau amoleceu rapidinho. Ele se encostou no sofá e ficou me encarando com um olhar perdido, triste até, mas era necessário quebrar esse vínculo, porque, se ele estava realmente apaixonado por mim, não seria justo deixá-lo alimentar uma esperança inalcançável e se eu estava começando a gostar dele, tinha muito mais ainda a perder. Por fim, ele mudou o foco, olhando para uma parede e assim ficou por um tempo. Depois suspirou e disse:
- Vou me vestir e te levo para o seu hotel.
- Não precisa. Vou chamar um Uber. - Falei, já pegando meu celular.
- Não vai, não! A essa hora da noite, não vai. Eu te levo. Pode confiar, não vou te fazer nenhum mal. - Insistiu.
- Eu sei que você não me faria mal algum. - Respondi: - Eu te peço desculpas novamente se te dei alguma esperança sem querer. Acho que eu deveria ter sido mais clara com você e comigo mesma desde o início.
Ele deu um sorriso amarelo e se vestiu rapidamente, me levando em seguida para o meu hotel. No caminho, o silêncio foi cortante e maltratava nossos corações. O meu eu tinha certeza e, no fundo, sabia que o dele também, talvez até mais que o meu. Fiquei com uma amarga sensação, igual à que sentimos nos términos de relacionamentos e isso só me fez ter a certeza de que eu estava fazendo a coisa certa, dolorosa, mas certa. Na frente do hotel, agradeci a carona e lhe dei um beijo no rosto. Ele só deu o mesmo sorriso amarelo de antes, despedindo-se cordialmente e agradecendo minha companhia naquela noite para, depois que desci do carro sem que ele me abrisse a porta, se ir de vez. Subi para meu quarto e mandei uma mensagem para o Mark:
Eu - “Tá acordado, Mor?”
Aguardei alguns minutos, mas nada dele me responder. Tentei mais duas vezes, mas nada dele me responder. Certamente já estava dormindo. Eu queria conversar, eu precisava, mas me resignei, não sem antes enviar algumas outras para extravasar um pouco do que eu tinha certeza:
Eu - “Só queria dizer que eu te amo!”
Eu - “Sem dúvida alguma, sem medo, sem ressalva.”
Eu - “EU TE AMO MUITO, MUITO, MUITO!”
Eu - “💋”
Ainda esperei ansiosamente um, cinco, dez minutos, mas nenhuma resposta retornou. Realmente, ele devia estar dormindo. Eu queria fazer o mesmo, mas meu sono não chegava. Decidi tomar um banho para relaxar, mas a água que caía só serviu para disfarçar as lágrimas de uma tristeza que eu não entendia ao certo de onde brotava. “Você fez o certo, seu marido vai entender e vocês vão ficar bem!”, repeti várias vezes para mim mesma, mas a tristeza aumentou e logo me vi, encolhida debaixo do chuveiro, chorando a perda de alguém que nunca deveria ter significado nada para mim. Eu me culpava pela minha dor e pela que causei ao Rick. Entendi, nesse momento, que o Mark estava certíssimo quando propôs que transas deveriam ser eventuais e sem repetição: o risco era grande demais de criarmos sentimentos e eu quase caí nessa armadilha. Ou caí direitinho, me partindo, e agora só me restava colar os pedaços e seguir em frente.
[...]
Quando a Nanda desligou, fiquei com uma forte impressão de que algo estava acontecendo. Não sei se tomei a decisão correta de deixá-la buscar a tranquilidade para falar, mas no final de nossa conversa, ela pareceu ter tomado uma decisão importante. Ainda assim um frio na barriga me fez temer que ela pudesse ter tomado alguma decisão contra a gente, contra o nosso casamento, mas me recriminei em seguida, pois eu a conhecia, confiava. Só me restava torcer e esperar pelo melhor. Assim, entorpecido por pensamentos inseguros e tendenciosos, virei a noite na cama, sem conseguir pegar no sono. Só quase de manhãzinha consegui dormir para ser acordado às seis e retomar minha rotina, levando minhas filhas para a escola.
Aliás, meu despertador carrasco gritava sem piedade alguma, fazendo o que eu esperava que fizesse: me tirar daquele torpor. Minha vontade foi jogá-lo da sacada, mas era a vida me chamando à realidade. Acordei as meninas, preparei seu café da manhã, elas se arrumaram e eu as levei para a escola. Voltei para casa e decidi dar uma cochilada. Ao tentar ajustar novamente o despertador, notei algumas mensagens da Nanda que haviam chegado próximo da meia noite, mas que eu, preocupado e atordoado com dúvidas e inseguranças, e um sono que vinha e ia, chegava e não ficava, não ouvi, nem respondi, mas que tinha que fazê-lo agora:
Eu - “Eu também te amo, sua boba!”
Eu - “Aconteceu alguma coisa?”
Eu - “Você estava triste ontem e fiquei com a impressão que não me disse o que queria realmente dizer.”
Ela não recebeu as mensagens, sinal de celular desligado, ou no modo avião cochichou minha insegurança ao meu coração, fazendo ecoar uma batida dura em meu peito. Deitei na cama, mas minha ideia de cochilar teve que ser abandonada, porque meu sono sumiu novamente. Me levantei, me aprontei e sai mais cedo para o escritório, afinal, “cabeça vazia, oficina do diabo!”. Eu precisava me ocupar até conseguir conversar e entender o que se passava com minha digníssima onça branca. Por volta das onze e meia, recebo uma mensagem dela:
Ela - “Preciso ter uma conversa séria com você à noite.”
Ela - “Agora vai ficar tudo bem.”
Ela - “Eu te amo!”
Ela - “💋”
Ler aquelas mensagens me trouxeram um pouco de paz, mas o contexto da segunda me deixou um pouco assustado. “Como assim agora vai ficar tudo bem” e desde quando não estavam? Então minhas suspeitas estavam corretas e alguma coisa estava acontecendo. O dia decidiu passar lentamente, se arrastando. Eu não estava aguentando mais esperar para falar com ela. Entretanto, ligar ou incomodá-la estava fora de cogitação, afinal, ela também tinha seus próprios compromissos. Os segundos viraram minutos, os minutos horas e as horas zombavam de mim, simplesmente paradas ao meu lado. Acabei me resignando e tentei focar em minha rotina para aproveitar da melhor forma possível aquele dia.
No final dele, voltei para casa com minhas filhas. Fizemos tudo o que já costumávamos fazer, preparar o jantar, jantar, lavar a louça, secar e guardar. A ausência da mãe fez nascer uma espécie de instinto materno ou doméstico nelas, pois passaram a me ajudar a cuidar da casa com mais frequência, dentro de suas respectivas capacidades, é claro. Depois foram cuidar de suas obrigações e eu me sentia orgulhoso em vê-las se tornando cada vez mais independentes. Já eram quase oito horas e não aguentei mais, decidi mandar uma mensagem para Nanda:
Eu - “Oi, sumida.”
Eu - “Já parou por hoje?”
As mensagens foram recebidas, mas não lidas e, por consequência, não respondidas. Ela parecia querer maltratar meu coração. Me sentei no sofá da sala, assistindo um noticiário qualquer e minha ansiedade só aumentava. Depois de um tempo, o som de uma notificação em meu celular chamou minha atenção. Era ela me mandando uma mensagem:
Ela - “Desculpa, chegamos tarde hoje e eu estava jantando.
Ela - “Para variar, esqueci meu celular no quarto.”
Ela - “Vou tomar um banho e te ligo por volta das 22:00, porque acho que as meninas devem estar acordadas agora e, então, conversamos com calma.”
Eu - “Está acontecendo alguma coisa, Nanda?”
Ela - “Está e não está!”
Eu - “???”
Ela - “Depois eu te explico.”
Ela - “Fica tranquilo.”
Eu não aguentava mais esperar e insisti:
Eu - “Mas ficar tranquilo, de que maneira!?”
Eu - “Você conheceu alguém e quer se divorciar, não é?”
Ela ficou um breve momento em silêncio e respondeu:
Ela - “😯”
Ela - “Como você adivinhou!?”
Um calafrio percorreu minha espinha de ponta a ponta. Conclui que o filho da puta do tal Rick havia conseguido dobrar minha onça e agora ela preparava o campo para me contar que queria partir para outra. Aquilo me doeu fundo, na alma mesmo. Pensei em brigar, discutir, mas, com a distância, seria como entregá-la de bandeja ao inimigo e, mesmo se estivesse na minha frente, de que adiantaria? Enquanto eu me remoía, vi que ela começou a teclar uma nova mensagem. Eu já esperava o pior:
Ela - “Estou brincando, seu bobo!”
Ela - “🤣🤣🤣”
Ela - “Só vou tomar um banho e depois te ligo.”
Ela - “Vou explicar tudo direitinho, mas não quero me divorciar de você não, seu bocoió.”
Ela - “Essa foi boa.”
Ela - “Vou me afogar embaixo do chuveiro agora dando risada de você.”
Ela - “Eu te amo, seu bobo!”
Ela - “Fui!”
“Brincadeirinha sem graça!”, pensei. Não me restava outra coisa a fazer senão esperar. E assim fiz, acompanhado agora por uma cerveja e uns amendoins temperados com sal e alhinho frito em lâminas finas. Por volta das nove e meia da noite, como de costume, minhas filhas vieram pedir a benção e se retiraram para seus respectivos quartos. Minha ansiedade começou a aumentar exponencialmente. Decidi permanecer na sala, apenas fechando a porta que separa a área social da reservada, assim poderíamos conversar com mais privacidade. Britanicamente às dez horas, Nanda não me ligou! “Porra! Que mulher complicada. Quer me infartar mesmo. Só pode…”, pensei.
[...]
Eu notei, claro, que ele estava nervoso pela forma que teclava comigo, mas quando recebi aquela perguntando se eu havia conhecido alguém e queria me divorciar dele, não aguentei e caí numa risada nervosa em meu quarto. “Bobo demais, sô! Será que ainda não sabe o quanto eu o amo?”, pensei, mas depois me recriminei por pensar assim dele, afinal, eu havia realmente conhecido alguém que havia mexido comigo. Eu, inclusive, iria contar isso para ele, mas ainda não sabia como e mais que isso, não sabia como ele reagiria ao saber.
Fui tomar um merecido banho e coloquei uma camisolinha simples, mas confortável. Depois me deitei na cama e fiquei aguardando dar o horário combinado com ele para fazer uma chamada de vídeo. O que eu tinha que falar, que eu ainda não sabia como, teria quer ser olhos nos olhos, não queria uma mensagem me representando. Acabei cochilando e, assustada, acordei já depois das dez e meia. Mandei uma mensagem no ato para o Mark:
Eu - “As meninas já dormiram?”
Ele - “Já. Vamos conversar?”
Nem respondi essa última, fazendo uma chamada de vídeo para ele que me atendeu no ato:
- Até que enfim, hein!? - Falou, chateado.
- Desculpa, Mor. Eu acabei cochilando aqui. - Respondi, claramente constrangida, mas sem esconder um sorriso por vê-lo: - Tô com saudade de você, seu grosso. Não briga comigo!
- Não brigar!? Eu estou tentando conversar com você o dia inteiro e você está praticamente me ignorando. Que palhaçada é essa, caramba? O que está aconte…
Nesse momento, do nada, me deu um aperto no peito e comecei a chorar, fazendo com que ele se calasse imediatamente e arregalasse os olhos. Não sabia o que ele pensaria de mim, mas um medo tomou conta de meu coração e só consegui chorar, nada mais que chorar. Eu queria tratar daquele assunto de uma forma leve, para ele entender que o Rick não havia significado tanto assim para mim, mas acabei começando da pior maneira possível:
- Nanda, o que está acontecendo? - Perguntou, agora preocupado: - Falei alguma coisa? Fiz alguma coisa para você ficar assim?
- Não. Você não fez nada. Eu que fiz… - Respondi, ainda chorando.
- Meu Deus do Céu, Nanda. Fala comigo, se abre, põe pra fora. - Pediu, pois, pela distância, a única coisa que ele conseguiria fazer era me ouvir, mais nada.
- Espera aí… - Pedi e fui pegar uma garrafinha de água no frigobar.
Não demorei um minuto sequer. Retornei e tomei um pouco de água para me acalmar. Eu tremia de nervosa e me controlar parecia uma coisa cada vez mais difícil e distante. Logo, ouvi sua voz:
- Você está grávida e não sabe se o bebê é meu. É isso? - Perguntou, sem papas na língua.
Aquilo me surpreendeu de uma tal maneira que acabei me afogando com a água que bebia. Cuspi um tanto longe e comecei a tossir violentamente, dando tapas no meu próprio peito, tentando respirar. Fiquei assim um tempinho e depois o olhei assustada pelo celular:
- De onde você tirou isso, Mark!? - Perguntei.
- Não é uma caneta de teste de gravidez que está aí atrás de você?
Então olhei para trás e vi alguns documentos que eu estava analisando antes de cochilar e minha canetinha tradutora. Olhei para ele e comecei a rir, depois a gargalhar e, por fim, chorava do absurdo que ele falara. Num momento em que o encarei, vi que ele já estava ficando “pê da vida” e se preparando para uma bela discussão. Peguei a canetinha e a exibi para ele no celular enquanto ainda tentava me controlar. Depois de um tempo, falei:
- Eu nunca fui boa em inglês, você sabe disso. Então, tive que comprar essa canetinha pra me ajudar. - Disse, ainda rindo: - Essa foi ótima! Só você mesmo para me fazer dar risada num momento como esse.
- Ô, Nanda… O que está acontecendo, então? Você anda com uma cara ultimamente, um clima de velório nas nossas últimas conversas...
- Eu sei, Mor. Desculpa. - Suspirei para parar de vez com as risadas e o encarei: - Eu quero contar uma coisa séria com você, mas, eu quero que você saiba que eu te amo acima de qualquer coisa, menos de nossas filhas, é claro.
- É claro! Então, diga, uai!
- Rick…
- Ah… O Rick. Tinha que ser esse Rick. É aquele carinha de São Paulo, não é? - Perguntou, mas claramente já sabendo a resposta, continuou: - O que foi agora? Ele continua dando em cima de você? Está te atrapalhando aí? Aliás, você não me falou muito sobre ele. Não contou o que aconteceu, como foi, etc., etc. Por que?
- Nossa… Calma! Eu não te liguei para você me interrogar. Quero conversar numa boa, te explicar algumas coisas, mas preciso que você fique calmo e que entenda que está tudo bem entre a gente, e espero que continue assim. - Frisei a última parte e continuei: - Ah, e não te contei, por nada, não, uai! Eu só queria te contar pessoalmente. Sei lá! Brincar com sua curiosidade…
- Tá bom. Me engana que eu gosto. Tem caroço nesse angu, não tem? O carinha foi de São Paulo para Manaus atrás de você e não me diga que ele foi “turistar”, porque não foi. Eu sei bem identificar qual foi a intenção dele, mesmo sem ter falado com o elemento. Daí você fica de mistério comigo… - Parou para respirar, sempre me encarando e continuou: - Poxa! Isso sim é motivo para me deixar cabreiro. Só vou te lembrar uma coisinha: uma de nossas maiores brigas foi justamente por você me esconder as coisas…
- Eu sei. Desculpa. Por isso quero te contar tudo. - O interrompi.
Ele me encarava pelo celular e um silêncio começou a incomodar demais. Eu queria ser o mais transparente possível, mas de uma forma que não o assustasse tanto, então perguntei:
- O que você quer saber?
Ele, enxadrista, moveu uma peça sentido a confiança que havia depositado em mim e me deixou em xeque:
- O que você quer me contar? - Frisando bem o “você”.
Me calei novamente. Estava claro que eu não sabia por onde começar. Eu sou uma administradora, meu forte não são as palavras, mas os números, mas ainda assim parecia que todo o dicionário havia me fugido pelos dedos. Acho que ele, cansado de esperar alguma definição, perguntou:
- Fala, vai. Você se apaixonou por ele, não foi? - Perguntou com um certo desdém, imaginando que eu fosse negar e ainda lhe “comer o toco”.
- Pois é… Mas acho que não.
“Acho que não.” Que porra de resposta foi essa!? Normalmente, ele a interpretaria como uma possível pegadinha minha, mas ali, agora, havia mais que simples palavras, havia um verdadeiro contexto envolvido, embutido nas entrelinhas. Ele se calou e acabei errando ao acompanhá-lo. Ninguém falava, ninguém perguntava, as brincadeiras haviam cessado e só o nada nos envolvia. Depois de um tempo, ele reiniciou a conversa:
- Acho que eu não entendi…
- Eu não sei, não sei… Olha só… Já tem um tempo que ele tem me cercado, mesmo eu tendo falado que sou casada, tenho filhas, família, uma vida e que ele foi só uma transa, nada mais. Só que…
Me calei novamente. Eu não sabia como dizer o indizível. Não sabia como falar para o homem que eu amo que eu me apaixonei ou quase por outro. Isso seria a máxima traição e com certeza iria feri-lo demais. À essa altura, eu já me culpava por ter iniciado aquela conversa que eu deveria ter deixado para tê-la pessoalmente com ele. Entretanto, já iniciada, ele nunca me deixaria sem terminá-la:
- Eu acabei gostando dele de uma forma que eu não sei explicar. Acho que… Eu acho que ele acabou ficando num patamar acima dos outros com quem já tive algo, mas muito abaixo de você. É isso.
- Você o ama?
- Não! De forma alguma. - Fui enfática.
- Você está apaixonada, Nanda?
- Não. - Acho que agora não fui tão convincente.
- Você está apaixonada por ele, Nanda? - Insistiu, vendo que eu titubeei.
- Não. Não sei. - Piorei ainda mais minha situação.
- Você está apaixonada por esse Rick, Nanda? - Insistiu novamente e agora frisando o nome dele.
- Não. Acho que não. Não sei. Talvez… - Pronto. O que já não estava bom, agora tinha ficado ainda horrível.
- Como assim, talvez? - Mark me perguntou com postura ereta e assustadoramente calmo.
Nesse momento, meu sangue gelou. Eu conheço meu marido. Bravo, ele é mau: xinga, briga, discute, mas resolve o problema; mas, calmo, ele é assustador: imprevisível e até vingativo. Arregalei meus olhos, mas, não tendo para onde ou como fugir, continuei:
- Eu não sei direito. Eu sinto algo por ele. Ele sempre me tratou muito bem, com educação, carinho, interesse e… Sei lá! Foi diferente de todos que eu encontrei na minha vida, com exceção de você. Acho que nasceu alguma coisa, mas olha... Escuta… - Encarei bem a tela do meu celular e disse: - Eu te amo e não pensei em momento algum te deixar. Eu não conseguiria viver um minuto longe de você e das meninas…
- Você já está longe da gente há uns dezoito dias… - Ele falou inadvertidamente para o nada, ainda baqueado com aquela revelação.
- Ah, é… - Sorri timidamente, constrangida pela invertida: - Mas foi por trabalho, não por escolha própria.
- Tá. E daí? O que você está pensando em fazer?
- Fazer, não. Já fiz! - Falei alegre com minha iniciativa da noite anterior, tentando passar alguma certeza: - Ontem, ele me convidou para sair, irmos num barzinho, beber, comer alguma coisa e eu fui. Depois acabamos ficando e fomos para o seu apartamento, de onde eu te liguei…
- Sei… - Acabou me interrompendo, aparentemente sem muita paciência por já imaginar onde aquela história iria terminar.
- Não foi nada disso! Até estava caminhando para terminar assim, mas não foi. - Respirei fundo e continuei: - Então… Já tem um tempo que eu estou meio confusa com ele. Toda essa atmosfera de sedução, charme… Não sei bem. Eu acabei ficando curiosa e acho que me deixei ser envolvida por ele. Desculpa!
O Mark tinha o pior dos semblantes possível. Sua tristeza, seu choque com minhas revelações, me mostraram o quanto ele me amava e o quanto aquilo havia doído nele. Fiz um esforço enorme para não desmoronar em lágrimas e continuei:
- Só que ontem, depois de falar com você, olhar em seus olhos, eu entendi que estava errando com quem mais me importa e não podia deixar aquilo continuar. Então, tive uma conversa definitiva com ele. Pedi para ele se afastar de mim e nunca mais me procurar, porque eu já tinha você, minhas filhas, enfim, minha vida e não queria ele nela.
Ele me encarava e, sinceramente, eu não sabia o que falar que pudesse amenizar a dor que minha confissão lhe causara ou mesmo se deveria falar mais alguma coisa. Lágrimas acabaram descendo por meu rosto:
- Mark… - Pedi que me encarasse.
Ele, entretanto, se mantinha calado, triste, distante, eu diria até que constrangido com meu relato. Ele olhava para o celular, mas parecia não me ver nele. Nesse momento, fiquei ainda mais temerosa com os efeitos que aquela minha confissão poderia causar nele ou no meu próprio casamento:
- Nanda… - Voltou a falar com uma entonação calma, quase paternal: - Eu não sei o que aconteceu entre vocês dois, porque você nunca me contou e, vou ser sincero, parece que você ainda não está à vontade para contar. Eu não vou te obrigar, fica tranquila, aliás, nem posso. Só escuta… - Respirou fundo e continuou: - Quando nos demos essa liberdade para explorarmos o sexo longe um do outro, a ideia era apenas essa, extravasar a tensão, ter um sexo gostoso, gozar e pronto. Quando propus de não repetirmos os parceiros, era justamente para não correr o risco de criarmos sentimento e…
- Mas você repetiu com a Iara e não adianta negar! - Acabei o interrompendo.
- Sim. Repeti. É verdade.
- Vai me dizer que também não tem nenhum sentimento por ela?
- Tenho. Tenho, sim, uai! - Agora era eu quem sentia a dor que uma confissão como aquela causa e ele continuou como se não significasse nada para ele: - Um carinho, tesão, mais nada fora isso.
- Mas como você consegue? Ela foi sua namorada…
- Ela foi minha namorada. - Frisou bastante a palavra “foi” e continuou: - Só que ela é passado e eu não procuro ninguém no presente para compartilhar o meu futuro. Eu já tenho você. Você me completa e às vezes até sobra. – Sorriu meio constrangido e continuou, me atingindo em cheio: - Bom… Pelo menos, eu tinha você. Não sei mais…
- Ah, Mor. Para! É claro que você me tem. Meu coração é só seu. Só fiquei um pouco confusa, mas já passou. Eu sei o que eu quero e não quero mais ninguém a não ser você. - Sorri em meio as minhas próprias lágrimas, tentando animá-lo ou convencê-lo e completei: - E as minhas filhas, é claro.
- É claro! – Concordou e continuou: - Então, por que você está chorando?
- Porque eu não quero te perder e sei que te decepcionei de novo.
- Me decepcionou? Talvez... Por que gostou de um cara que te tratou bem? Então... Nanda, te tratar bem é o mínimo que eu espero que um amante faça. Fico feliz que tenha sido assim. Agora, você, e somente você, é a única pessoa que pode dizer quando e até onde um homem pode ir. Ele se interessou, insistiu, caberia a você ter cortado os laços para não passar pelo que está passando. Eu não posso controlar os seus sentimentos, só posso alimentá-los por mim, e agora torço para que o que você sente por mim seja maior do que o que sente por ele.
- Mor, para! É claro que eu te amo muito mais que ele.
- “Muito mais que ele”, Nanda? - Perguntou, claramente chateado: - Escuta o que você acabou de falar “eu te amo muito mais que ele”!
- Mor, por favor. Eu tô confusa. - Comecei a chorar: - Eu gosto dele, talvez até tenha me apaixonado, mas eu amo só você. Não quero outro. Por favor, me ajuda.
Houve um silêncio da parte dele, porque da minha eu chorava sem parar. Entretanto, eu sabia que precisava me controlar, porque eu havia causado tudo aquilo e era eu quem tinha que resolver. Só não sabia como. Depois de um tempinho, me fiz de forte, me controlei e enxuguei algumas lágrimas, voltando a falar:
- Mor…
- O que foi, Nanda?
- Você me desculpa? Sei que você está decepcionado, eu te conheço…
- Olha só… Não vou dizer que estou feliz com o que você me contou. Eu não tenho ciúmes quando você transa com outros, mas você me falar que se apaixonou por outro me incomodou, doeu bastante. - Arregalei meus olhos e eles voltaram a marejar: - Mas acho que você resolveu a questão até que bem. Só espero que tenha forças para evitá-lo, se ele te procurar novamente. Toma cuidado, por favor.
Foi o “por favor” mais doído que já ouvi na minha vida. Sei da força dessas palavrinhas. As crianças aprendem desde cedo seu significado. Mas ouvi-las da boca de meu marido, quase como uma súplica, praticamente um pedido de socorro pela gente, me quebrou. Eu senti um medo terrível de perdê-lo como nunca havia sentido antes. Aliás, não apenas de perdê-lo como meu homem, mas pela primeira vez, eu corri o risco de me perder como sua mulher. Eu não conseguia falar mais nada e ele também ficou em silêncio. Depois de algum tempo assim, ele se despediu de mim, ainda dizendo que me amava, mas eu estava tão mal, tão confusa, que não respondi nada e ele encerrou a chamada com um semblante ainda mais triste.
Assim que ele desligou, um quase inaudível “eu te amo” escapou de meus lábios, mas já era tarde demais e isso fez com que eu me criticasse ferozmente:
- Mas que palhaçada foi essa, Fernanda Mariana!? Sua filha de uma puta! É o seu marido dizendo que te ama e você não respondeu? Você tem alguma dúvida se o ama, sua idiota!? - Gritei para mim mesma.
Eu queria dizer isso! Eu precisava dizer que o amava acima de todos, não mais que nossas filhas, mas esse já é um amor diferente, eles não concorrem entre si, só se complementam e fazem disso o meu mundo. Entretanto, eu precisava deixar bem claro que nenhum homem se equiparava a ele. Nenhum! Tentei ligar para ele, mas não fui atendida. Insisti uma, duas, três vezes e só agora ele me respondeu, mas através de uma mensagem:
Ele - “Vá dormir, Nanda!”
Ele - “Amanhã a gente conversa mais.”
Eu - “Me atende.”
Eu - “Eu que falar com você.”
Ele - “Não!”
Ele - “E se você insistir, vou desligar o celular.”
“Turrão!”, pensei e sabia que, se eu insistisse, ele desligaria mesmo! Ele é assim, forte, íntegro, determinado, mas eu sabia que minha confissão o havia machucado, mais do que ele queria demonstrar. Eu precisava curá-lo, consertar tudo aquilo. Eu precisava dizer que o Rick não significava nada para mim e que, apesar de que eu sentir alguma coisa, era ele, o meu Mark, o homem que eu amava e queria do meu lado.
Decidi escrever uma mensagem para ele, contando tudo, exatamente tudo o que havia acontecido entre mim e o Rick desde que nos conhecemos. Meus dedos começaram a doer de teclar na tela do celular. Então, espelhei o aplicativo em meu notebook para facilitar. Sentada em frente ao meu notebook voltei a escrever e as palavras foram surgindo com uma quantidade e rapidez que não pude evitar de xingá-las:
- Agora vocês aparecem bonitinhas, né, suas filhas da puta! Quando eu precisei, onde vocês estavam?
[...]
Apaixonada. De várias coisas que poderiam acontecer, ela tinha logo que ter se apaixonado pelo amante. Por mais que ela dissesse que me amava, e eu não tinha motivo para duvidar, ela havia se apaixonado por outro e isso me doeu no fundo da alma. Eu acho até que ela tomou uma decisão madura quando disse que pediu para o outro se afastar dela, porque ela já tinha marido, filhas e família, mas, pessoalmente, não senti muita firmeza em suas palavras. Ela não me convenceu e ponto.
Aliás, se ela não havia me convencido, quem sabe o outro? Sou homem, sei que muitas vezes, mulheres nos dizem não querendo dizer sim. É tudo uma questão de contexto e interpretação: um olhar, um movimento de cabelo, um suspirar diferente, um morder de canto de boca, tudo pode mudar o contexto e como eu não estava lá presenciando o que fora dito, não tinha como imaginar qual seria a reação dele dali por diante.
Além disso, há o fator sentimento. Afinal, se ela desenvolveu uma paixão por ele, ele também poderia ter desenvolvido por ela, o que eu já desconfiava há muito tempo, e uma paixão, se for alimentada por ambos os lados, tem grandes chances de se transformar em amor, e aqui reside o problema: amor é um sentimento muito forte, complexo e imprevisível. Sinceramente, eu não sabia o que fazer e só podia torcer para que ela fosse forte o suficiente para levar adiante sua decisão de não procurá-lo mais e de evitá-lo, caso ele a procurasse.
Perdido em meus pensamentos e dúvidas, recebi uma mensagem dela, querendo conversar novamente. Só que eu não queria. Aliás, eu não conseguiria encará-la novamente. Não apenas a dor, mas agora também o medo tomavam conta de mim. Um medo de perder minha amiga, minha companheira, minha esposa. Acabei me acovardando e pedi que fosse dormir. Na verdade, um misto de dor, raiva, saudade e o medo mesmo chegaram a me impelir para mandá-la à merda pela traição que me fizera. Afinal, sexo com outro eu aceitava, mas me considerei traído por ela ter se apaixonado. “E se eu me apaixonasse pela Iara. Será que ela iria gostar?”, cheguei a pensar.
Ela insistiu. Queria porque queria conversar comigo, mas fiquei irredutível e disse ainda que, se ela insistisse, eu iria desligar meu celular. Claro que eu não o faria, mas o colocaria no silencioso, sem dúvidas. Ela, enfim, parou.
Deitei-me e minha cabeça parecia pesar uma tonelada, no mínimo. Aliás, todo o meu corpo parecia ter ficado pesado, ou talvez minhas forças tivessem se esvaído com aquela inesperada revelação, sei lá... Depois de um tempo, acabei cochilando, ou isso, ou eu estava tendo uma alucinação das mais esquisitas, pois ouvi e vi meu anjinho gritar forte: “Ela não te traiu, burrão! Ela é só uma vítima do acaso.”. “Concordo com ele. Ela não tem culpa de ter achado um pauzudo gostoso.”, falou o diabinho em seguida. Não preciso dizer que isso terminou em briga entre eles: nem concordando em partes, eles se entendiam. Na briga, o diabinho levou a melhor e, segurando o anjinho no chão com seu pé, continuou para mim: “Um pau só não levanta uma barraca, seu babaca. Precisa de mais coisa.”. Mais estranho foi ver o anjinho concordar com ele e, depois de conseguir se desvencilhar do diabinho, me falar: “Verdade. Precisa de três paus para isso: amor, confiança e um objetivo em comum!”. “Nada disso!”, gritou o diabinho e continuou: “Precisa de uma boa pegada, cumplicidade e família!”. O anjinho o encarou surpreso com a última palavra, aliás, ele e eu o fizemos, e logo depois vi os dois saírem de mãos dadas em direção ao bar da minha casa. Preferi não imaginar o que foram fazer por lá. O pior é que ambos tinham razão, dentro de suas respectivas visões. Acabei abrindo meus olhos e, atordoado, dei uma boa olhada em direção ao bar de minha casa: ninguém! Me recostei novamente e passei a pensar naquele estranho devaneio.