Despedimo-nos e não consegui negar um novo beijo para ele, forte, intenso, amassado, e este tinha um gostinho de despedida que não me agradou em nada, mas era necessário, afinal, se eu queria reconquistar minha família, precisava colocar o pé no chão e mostrar para eles que aquilo fora apenas um equívoco de análise e decisão da minha parte.
Voltei para minha casa com um sentimento de dever cumprido. Tomei um banho que me deu uma deliciosa sensação de relaxamento e dormi tranquila como há muito tempo não fazia. No dia seguinte, logo cedo, uma ligação do doutor Galeano e depois da Bia explodiram o resto de esperança e dignidade que ainda me restavam.
PARTE 14 - DESCARRILANDO DE VEZ!?
Meu calvário começou cedo, não eram sequer oito horas e o doutor Galeano me ligava. Estranhei de imediato, aliás, eu já imaginava o motivo de sua ligação e assim que o cumprimentei, fui direta:
- Certo, doutor, qual foi a droga que aquele miserável enfiou em mim?
- Fernanda, olha só… Tecnicamente, qualquer medicamento é uma droga, então…
- Para, doutor, por favor. Só me fala o que ele me deu!
- Nada.
- Oi!?
- Seu exame deu negativo.
Aquela informação caiu como uma bomba na minha cabeça, afinal, provava que o Rick não era tão canalha assim, aliás, provava o contrário, que ele tão somente quis cuidar de mim e eu surtei. Comecei a me questionar se eu já não teria sido muito rigorosa ou injusta com ele:
- Mas, então, por que eu surtei daquele jeito?
- Zolpidem, mas é uma presunção minha.
- Agora já não estou entendendo mais merda nenhuma! Ele me drogou ou não?
- O problema é que os ansiolíticos, calmantes à base de Zolpidem e Clonazepam não podem ser detectados em exames toxicológicos.
- Mas como o senhor sabe que ele me deu então?
- Por você ter me dito que tomou algo e pelas suas reações depois da ingestão.
- Mas… Mas calmante com álcool só não dá mais sono? Era para eu ter apagado, não surtado daquele jeito!
- Sim e não, não e sim.
- Poxa, doutor, facilita um pouco, por favor.
- Fernanda, o Zolpidem, misturado com álcool, pode ter um efeito hipnótico no usuário, facilitando que seu usuário seja sugestionado, justamente porque pode causar tontura, confusão, problemas de raciocínio e de julgamento.
- O senhor está achando que ele me deu isso e mandou eu dar para ele?
- Pode ser… Ou pode ser simplesmente que sua raiva era tão grande naquele momento pelo flagra que sofreu que você quis se punir de alguma forma e imaginou que o sexo desesperado, violento, selvagem, poderia servir a esse intento.
- Agora fiquei com mais dúvida do que antes. Já não sei se ele fez, não fez, sugeriu, ou se fui eu mesma que o ataquei.
- Infelizmente, querida, não dá para saber com certeza.
Conversamos mais um pouco, inclusive sobre minha recente reunião com minha família, que ele comemorou bastante e desligamos. Fui me arrumar para o trabalho, tomei um café numa padaria próximo e fui para a empresa, agora com uma baita interrogação sobre a pessoa do Rick.
Assim que entrei na empresa, notei um clima estranho: parecia que as pessoas me olhavam de soslaio, algumas comentando coisas, outras cochichando. Realmente muito estranho. Entrei em minha sala e comecei a cuidar de alguns documentos até que minha secretária entrou e fechou a porta atrás de si:
- A senhora já tá sabendo?
- Sabendo o quê, Lili?
Ela fez uma cara de surpresa e frustração, suspirando fundo e insistiu:
- Sério que a senhora não tá sabendo?
- Poxa, do que você está falando?
Pegou então seu celular e acessou um site de fofocas locais e a primeira imagem que surgia era do título: “Flagra na madrugada!” e a imagem era de uma certa mulher de um certo advogado beijando um certo ricaço chegado recentemente de fora dentro de um certo carro. O carro? O meu! Acredito que não preciso dizer quem eram os demais atores daquele flagra noturno. Meus olhos se arregalaram e olhei para ela sem saber o que dizer. Ela se levantou e pegou um copo de água, entregando-me em seguida. Agradeci e pedi que me deixasse sozinha. Acessei a mesma notícia em meu celular e não havia erro: era eu e o Rick, quase nos engolindo dentro do meu carrinho.
Desesperada, tentei ligar para o Mark que rejeitou minha ligação. Eu ainda tinha esperança de que ele não tivesse visto a notícia, porque ele odeia fofoca, mas isso de nada adiantaria, porque mais cedo ou mais tarde, ele ficaria sabendo. Liguei novamente e agora meu celular estava bloqueado. Acessei o WhatsApp e havia um “print” do mesmo site em uma conversa dele, seguida de duas simples frases:
Mark - “Nunca mais me procure.”
Mark - “Fale através de sua advogada.”
Tranquei minha sala e comecei a chorar, culpando-me por ser tão burra ao ponto de ter me permitido beijá-lo novamente e em um local público. A cidade toda já devia estar sabendo e agora não havia mais o que fazer: minha separação era coisa certa! Mas e minhas filhas? Eu precisava saber como elas estavam e o Mark teria que me atender, por bem ou por mal. Liguei no telefone de seu escritório e mandei, não pedi, mandei que sua secretária o chamasse para mim. Depois de muito insistir, ela o fez e ele estava mais seco que isopor no deserto:
- Mark!?
- O que você ainda quer comigo, Fernanda?
- Por favor, eu fui lá ontem terminar com o Rick e…
- E por que o beijou como uma louca por bons quase quatro minutos? - Interrompeu-me, questionando.
- Uai, é que… é que… Foi uma despedida, isso! Ele aceitou ir embora e acabou rolando. Ah, mas antes ele apagou o vídeo na minha frente, eu vi, não tem mais nada.
- Bom para você ele ter apagado o vídeo.
- Mark, por favor…
- Chega! Eu tenho mais o que fazer. Vá cuidar da sua vida, ok?
- Mark, por favor, eu quero ver minhas filhas. Elas estão precisando de mim!
- Você está louca!? A Maryeva acabou de ligar para mim xingando até a terceira geração de seus antepassados. Estou indo lá na escola agora para socorrer minha filha novamente.
- Eu juro que não fiz nada querendo! Eu fui para terminar com ele. Para, por favor, me escuta…
- Estou de saída…
- Se você não me ajudar eu vou lutar pela guarda das meninas, Mark! Não vou ficar sem ver as minhas filhas. Você não tem esse direito!
- VÁ À MERDA! - Gritou e desligou a chamada.
Tentei ligar novamente e agora esse número também estava bloqueado. Saí da minha sala quase correndo e fui até meu carro. Saí da empresa e dei uma volta no quarteirão industrial, parando em frente a um imenso terreno vago e gritei com todas as forças dos meus pulmões, pois eu precisava extravasar. Depois, respirei fundo, tentando conter as lágrimas que não caíam, jorravam, e desisti de forçar uma aproximação, voltando para a empresa. Tranquei-me na minha sala e passei o dia praticamente isolada, incomunicável, sustentada apenas por algumas bolachinhas de nata que tinha num pequeno buffet onde ficava a minha cafeteira.
Por volta das dezesseis horas, ouvi batidas incessantes na porta de minha sala e a Lili que não parava de me chamar. Apesar de eu tê-la mandado me deixar em paz, ela continuou insistindo e fora três palavras que mostraram que meu dia, que já estava péssimo, iria piorar ainda mais:
- Oficial de Justiça, dona Fernanda.
Gelei no ato, pois já imaginava que o Mark havia tomado alguma providência contra mim e estava certa. Assim que abri a porta, um senhor maduro, com seus talvez cinquenta e poucos anos, perguntou se eu era Fernanda Mariana Branca Di’Maghi e, apesar do meu nome composto, confirmei:
- Dona Fernanda, sou Lucindo Farias, Oficial de Justiça da comarca local e estou aqui a mando do doutor Ribamar para te entregar uma intimação. A senhora poderia assinar aqui para mim?
- Claro. Eu… Eu assino. - Disse e assinei: - Do que se trata?
- É uma ordem de restrição! A senhora não poderá se aproximar a menos de cem metros das pessoas aqui indicadas. - Disse e me mostrou, lendo seus nomes em seguida: - Mark Carrara Di’Maghi, Maryeva Di’Maghi e Miryan Di’Maghi. Caso a senhora desobedeça a ordem, poderá ser presa em flagrante e ainda responder a processo criminal. A senhora entendeu?
Eu fiquei estática, perdida e a ponto de desabar. Ele insistiu:
- Dona Fernanda, a senhora entendeu?
- Mas… Mas… Por que? O que foi que eu fiz?
- Desculpe, senhora, mas não conheço os detalhes do processo. Estou aqui apenas para cumprir minha função e intimá-la. - Disse e depois de me olhar de uma forma seca, apática, completou: - A senhora também tem quinze dias para apresentar sua defesa, se quiser.
Só nesse momento, eu o encarei e acho que ele se compadeceu de mim, afinal, eu era só o pó, o ó do borogodó. Despediu-se, enfim, deixando-me com cópias de diversos documentos. Voltei a me fechar em minha sala e liguei para a única pessoa em que consegui pensar. A Denise recebeu a notícia muitíssimo bem:
- Puta que pariu, sua filha da puta do caralho! O que foi que você fez dessa vez, peste dos infernos? - Esbravejou, jogando o restante de sua imagem de princesinha pelo ralo abaixo.
Contei, resumidamente, e ela até que recebeu bem as informações. Pelo menos, não me xingou mais. Depois escaneei os documentos e enviei para ela analisá-los e ela me disse que ligaria para o Mark. Meu turno estava próximo de se encerrar, mas ela me retornou a chamada:
- Nanda?
- Oi, Denise. E aí? O que aconteceu?
- Ah, Nanda! O que aconteceu!? Aconteceu que sua traição agora tá na boca do povo, sua idiota! Na escola das suas filhas, o assunto do momento é quem era a casada que estava traindo o marido. Quando sua filha mais velha viu que era você aos beijos no carro, surtou outra vez. A diretora ligou para o Mark que foi lá buscá-la e ela estava tão alterada que ele teve que levá-la para o pronto atendimento para ser contida: tiveram que sedar a sua filha! Ele, ótimo advogado que é, pegou um laudo do psiquiatra, declarações da diretora, professora e funcionários da escola, mais as fotos e a notícia do site de fofoca, e entrou com um pedido de restrição. O Juiz deu a liminar na mesa hora.
- Ah, Denise, pelo amor de Deus!
- “Amor de Deus”!? Você quer que eu diga o quê, caralho? Será que você ainda não entendeu a merda que você está fazendo na vida da sua família? Com a sua, eu estou pouco me lixando, mas olha o que você está fazendo com as suas filhas, Fernanda!
- Juro que não fiz nada. Eu só fui lá para terminar e mandá-lo embora. Só que… Só que… Ah, sei lá, a gente tava conversando, ele sendo romântico… Daí me pediu um beijo de despedida e eu dei.
- Ah, ótimo! Parabéns… - Zombou literalmente de mim: - Fazer isso dentro de um carro, que não tem vidro fumê, num local com movimento, foi uma ótima ideia… Realmente, parabéns!
- Poxa, para, Denise! Por favor… - Suspirei fundo: - Você consegue me ajudar de alguma forma? Por favor…
- Já conversei com o Mark. Ele disse que está disposto a pedir a suspensão da medida se você honrar a proposta de divórcio e guarda que já fez. As visitas seriam livres, mas respeitando a vontade das filhas: se elas não quiserem te ver, você respeita.
- Mas e se ele fizer a cabeça das meninas contra mim?
- Ele!? Cê tá louca, Fernanda? Desde quando ele precisa fazer alguma coisa para te prejudicar? Você dá muito bem conta de fazer isso sozinha!
- É, eu sei. Desculpa. Eu só tô nervosa. - Suspirei novamente e conclui: - Tudo bem. Façam a papelada que eu assino. Assino qualquer coisa para poder voltar a me aproximar de minhas filhas.
- Ok. Vou resolver os detalhes com ele e te retorno o quanto antes.
- Obrigada, Denise.
- Boa tarde, Fernanda. - Disse e desligou sem esperar mais nada.
Voltei para minha casa e liguei imediatamente para o doutor Galeano, pois havia tomado uma decisão que precisava ser iniciada o quanto antes: eu faria terapia para aprender a controlar meus impulsos. Eu mesma já não estava mais me suportando, imagina eles então que estavam sendo minhas vítimas. Ele me atendeu, ouviu tudo o que havia acontecido e concordou em me atender. Nesse mesmo dia tivemos nossa primeira sessão por meio virtual. Falei tudo o que estava sentindo a meu próprio respeito e ele não perdoou, foi mais pai que terapeuta, puxando firme minha orelha. Ainda assim eu precisava ouvir aquilo e entender de uma vez por toda que não podia deixar que outros dominassem minha vida, nem mesmo uma certa Nanda que eu tinha dentro de mim mesma.
No meio da noite, após meu banho e um lanche rápido, a Denise voltou a me ligar e enviou um esboço da petição do meu divórcio. O Mark não queria mais perder tempo e depois da minha última burrada, eu entendia perfeitamente sua pressa. Correto como sempre, tudo o que havíamos conversado ele cumpriu. Apenas a questão da pensão alimentícia não havia sido colocada, mas fiz questão de pedir que a Denise inserisse um valor que eu entendi justo para minhas filhas: se ele não quisesse usar tais valores, que fosse depositado numa poupança para o futuro delas. Era o mínimo que eu deveria fazer:
- Vocês têm mesmo certeza do que estão fazendo, Fernanda?
- Tenho, Denise… Infelizmente, hoje é o melhor a ser feito! Eu só estou causando mal para eles. Eu também vou fazer um treinamento e intercâmbio nos Estados Unidos, e… Bem, assim ele fica livre para tocar a vida dele.
Ouvi um choro baixinho do outro lado da linha. Minha advogada estava chorando por ter que fazer o meu divórcio:
- Denise, cê tá chorando de novo? - Perguntei, mas nem esperei a óbvia resposta para continuar: - Outra coisa: eu sei que você gosta muito do Mark. Se a minha opinião ainda valer alguma coisa, eu gostaria muito que você ficasse com ele. Tenho quase certeza que você poderá dar para ele tudo o que eu não fui capaz de dar…
Nu! Por que eu fui falar isso? Ela desabou a chorar alto, em prantos mesmo, do outro lado da chamada. Ficou assim um bom tempo e encerrou a chamada sem sequer se despedir de mim. O pior de tudo é que fui sincera! A Denise tem exatamente o perfil de que poderia dar o prazer no meio liberal que o Mark gosta e ainda ser fiel ao relacionamento com ele. Eu acredito que ela nunca correria o risco de se apaixonar ou, pelo menos, de não ficar tão refém de uma paixão como eu fiquei. Ela não me ligou mais nessa noite e eu dormi, pouco, mas dormi.
Sonhei com meu Mark novamente, lindo, imponente, sempre charmoso, vestido num terno de alfaiataria fino. Era apaixonante vê-lo ali sob o olhar orgulhoso, sendo reconhecido por seus diversos amigos e familiares. Ele estava num altar e acompanhadas de uma música belíssima, minhas filhas entravam vestidas como daminhas de honra. Após uma marcha nupcial, as portas do santuário se abriam e Denise entrava, resplandecente, iluminada por um sorriso de uma felicidade autêntica que não cabia em seu coração. Vestia um lindo vestido de noiva clássico, com pouco decote, mas muita transparência que, sem ser vulgar, a deixava muito sensual. Com passadas decididas, vinha acompanhada de um senhor que eu não reconheci, mas que parecia igualmente feliz. Aproximaram-se do Mark e ele a entregou para ele, meu marido a beijou na testa e uma lágrima escorreu do rosto dela. Acordei em prantos! Isso não era um sonho, era o pior dos meus pesadelos, mas tudo se encaminhava para aquilo a depender dela.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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