Nossa conversa havia cessado. Eu via pessoas indo para o salão de dança e outras voltando para suas mesas. Após um tempo que não sei quantificar ao certo, enfim vi o Roger e a Lucinha entrarem no salão, vindos daquela maldita porta. De onde eu estava, consegui ver o brilho daquele maldito colar em seu pescoço. Ela também, de lá, buscou o meu olhar e certamente não gostou do que viu, pois notei que seus olhos se arregalaram e ela cochichou algo no ouvido dele imediatamente após. Provavelmente ela entendeu que, naquele momento, eu já estava a par de tudo: da traição, da falta de confiança e transparência, e o pior, da total ausência de cumplicidade dela comigo. Sim, o pior já havia acontecido…
(CONTINUANDO)
Ele me olhou também e cochichou algo para ela, claramente minimizando qualquer reação e a pegou pela mão, dirigindo-se em nossa direção. No trajeto, pararam brevemente em algumas mesas e Roger a apresentou a alguns de seus amigos que eu havia conhecido antes. Alguns deles olharam em minha direção e sorriram disfarçadamente, deixando-me com a impressão de que sabiam o que havia acontecido entre eles há pouco. Conforme eles se aproximavam mais, o brilho daquele maldito colar aumentava e vi que ela tinha um comedido sorriso de satisfação nos lábios, permeado por uma expressão de leve tensão, talvez preocupação com a minha reação. Ela estava corada e seus cabelos pareciam levemente desgrenhados. Entretanto, ela exalava uma aura de felicidade, como a que eu me lembrava dela em nossa noite de núpcias. Roger interrompeu meus pensamentos assim que chegou:
- Desculpe ter roubado sua linda esposa, Santos, mas ela não pareceu se importar e espero que você também não. - Disse com um tom de triunfo e deu um sorriso de cumplicidade para ela, deixando-me ainda mais incomodado: - Ela é surpreendente uma delícia de pessoa. Vale cada segundo de sua companhia…
Eu me levantei disposto a enfrentá-lo de vez, inclusive com punho cerrado. Lucinha, não sei se notando o embate iminente, colocou-se à minha frente, colocando sua delicada e suave mãozinha no meu peito. Ela olhava extremamente apreensiva nos meus olhos, tentando chamar a minha atenção, mas eu só via o Roger na minha frente. Naquele momento, eu estava buscando um mínimo motivo para partir para cima dele de vez. Lucinha me sussurrou:
- Amor, por favor, não… Aqui não! Não estrague tudo o que…
Não ouvi mais nada, mas Roger, negociador astuto, entendeu que havia um risco iminente e se virou na direção da própria esposa, convidando-a para dançarem. Saíram os dois, deixando-me a sós com a Lucinha que não sabia o que fazer comigo. Acabei me sentando, derrotado com a óbvia traição que acabara de sofrer. Não me importava mais se ela tinha transado ou não, para mim a traição contra os meus sentimentos, os nossos votos já eram suficientes e um gosto de derrota, amargo como fel, invadiu a minha boca. Nesse momento, um pequeno filme dos melhores momentos de meu casamento com a Lucinha passou como um flash em minha mente, talvez procurando me dar algum motivo para continuar depois do dia de hoje. Para piorar, eu a fuzilei com os meus olhos injetados de sangue, oriundo de toda a força do ódio e da decepção que acabara de sofrer. Ela sem ter como confessar o inconfessável, me convidou para dançar:
- Vem! Dança comigo, por favor.
Não me movi um centímetro e ela se levantou, esticando sua mão em minha direção, tensa, mas ainda tentando brincar:
- Não se deixa uma dama esperando, caro senhor! - Sorriu docilmente.
Como continuei sem reagir, ela se abaixou e falou em meu ouvido:
- Vem! Eu quero conversar com você e é melhor no meio do salão. Lá ninguém nos ouvirá. Por favor, vem comigo, amor.
Respirei fundo duas vezes, olhando ainda irado para ela e a segui até a pista de dança. Eu não conseguia acreditar no quão aparentemente satisfeita e feliz Lucinha estava quando deslizou em meus braços na pista de dança. Ela estava quente e eu senti um leve perfume de colônia masculina junto ao seu pescoço. Aproximei-me um pouco mais e um outro cheiro também inundou o meu nariz: era de sêmen. Tentei me afastar, enojado dela, mas Lucinha segurou-me firme pelo pescoço e disse:
- Tenho uma coisa pra te falar, é uma confissão, mas preciso que você prometa que não vai fazer cena aqui, nem explodir comigo até eu terminar de explicar.
- Ainda acha que eu tenho que te prometer alguma coisa!? Realmente, acha que eu te devo algo ainda? Por acaso eu tenho cara de idiota, Lúcia Helena!? Já estou sabendo de tudo, porra, tudo!
Ela me olhou intrigada, encabulada e triste, pois só uso seu nome composto quando estou muito bravo com ela. Entretanto, ela entendeu imediatamente que sua confissão era só uma mera formalidade, ainda que necessária. Ainda assim, não sei porque “cargas d’água”, se fingiu de boba, talvez tentasse entender melhor onde estava pisando:
- Por que está falando assim comigo, amor?
- Você está com cheiro de porra, Lucinha, que, obviamente, não é minha! Ainda quer que eu diga mais alguma coisa!?
A velocidade de sua respiração aumentou e notei que ela se movimentou, como se procurasse olhar para algum lugar. Eu já imaginava para onde, aliás, para quem, e preferi não confirmar, com medo de perder a cabeça e a razão de vez:
- Por favor, amor, fica calmo.
- Fala, vai! Você já fudeu mesmo.
Lucinha afastou-se um pouco de mim e me olhou atentamente nos olhos. Um suave sorriso começou a enrugar levemente seus olhos, embora ela estivesse realmente preocupada, temerosa com minha reação. Ainda assim ela me pareceu ansiosa para me confessar o que eu já sabia:
- Eu… Eu… Aí, meu Deus… - Gaguejou, abaixando seus olhos e falou: - Você está certo: eu realmente acabei de fazer sexo com o Roger! Eu… Eu só não pude evitar. Não sei, eu… Ele é o homem mais sexy, másculo, que eu já conheci e…
- Obrigado pela parte que me toca! - A interrompi e tentei me soltar de seus braços, porque eu já não precisava ouvir mais nada, mas ela continuava grudada firme em mim: - Me solta agora, Lúcia Helena!
- Por favor, não... Espera! - Resmungou, sem me soltar e me olhou com os olhos marejados: - Não faz assim. Eu te amo.
- Nossa! Imagino então o que teria feito se não me amasse…
- Amor, não fala assim.
- Quer que eu fale como? - Perguntei e fui sarcástico: - Ah, já sei: Nossa, Lucinha, estou tão feliz em saber que você gozou muito com o pau do cara mais sexy desse mundo. Conta pra mim em detalhes, tá bom, querida? Em detalhes, como foi o meu chifre, conta.
- Poxa, Gê, você sempre pediu que eu fosse transparente com você, estou tentando…
- Isso é verdade! - A interrompi no ato: - Mas a honestidade tem que vir antes, né, Lucinha, antes de fazer ou acontecer alguma coisa, não depois. Cadê aquela história de cumplicidade entre a gente, foi só papo pra boi dormir?
Assim que eu falei, vi que uma lágrima escorreu de seu olho. Eu estava muito irado e me soltei dela, saindo em direção a porta principal do salão, decidido em ir para a minha suíte e talvez para minha casa ainda naquela mesma noite. Parei assim que transpassei o pórtico, sem saber direito o que fazer. Olhei em direção de onde ela estava e vi que tanto Roger como Alícia já haviam se aproximado dela, preocupados com a minha saída. Alícia, inclusive, pareceu discutir com Roger antes de praticamente arrastar a Lucinha para o banheiro. Sinceramente, pouco me importei.
Voltei a caminhar, mas um mal estar repentino, uma falta de ar, uma queda de pressão, sei lá, me fez procurar um banco ali próximo, onde acabei me sentando e baixando a cabeça para tentar melhorar. Pouco depois, senti um toque no meu ombro:
- Está tudo bem aí, Santos?
Reconheci de imediato aquela voz: era Roger, fingindo-se de amigo. Olhei com ódio e tentei me levantar para agredi-lo, mas o mal-estar não me deixava levantar. Tudo girava, minha visão ficava turva e acabei chorando, sem outra possibilidade de reação. Ele ficou tão ou mais assustado do que eu próprio da minha própria reação:
- Poxa, cara, pensei que você tivesse entendido tudo.
- Tudo o que, seu filho da puta? Que aquela biscate miserável me traiu sem a menor consideração? - Respondi e gritei em direção à porta do salão como se a Lucinha pudesse me ouvir: - Puta mesmo! Biscate, messalina do caralho…
- Santos, para! Olha o papelão. Caramba, pensei que a Alícia e eu tivéssemos explicado tudo direitinho para você. Não aconteceu nada demais, foi só uma boa conver… - Tentou mentir, mas desistiu no meio do caminho: - Tá! Sexo. Foi só sexo. Só isso…
- Ah vai tomar bem no meio do teu cu, Roger! Eu só não te arrebento porque não estou me sentindo bem. Aliás, nem tenho que sentir ódio de você. Quem tinha que ser fiel comigo era a Lucinha. Você não é nada, ninguém mesmo, pouco me importa, mas, ela… Poxa! Ela não podia ter feito isso…
- Santos, Santos, Santos… Pensa um pouco, meu caro. Respira fundo e pensa. Quando estávamos na mesa, entre nossas conversas, a Lucinha me disse que vocês tinham suas fantasias, fetiches… Isso é mentira?
Eu o encarei não só bravo, agora com uma vergonha de possivelmente ter sido exposto também:
- Ah… Ela não fez isso!?
- Isso o que, Santos? Dizer que vocês fantasiavam uma terceira pessoa? Que mal tem nisso? Eu e a Alícia já fizemos ménage, swing, várias, diversas vezes…
- Pode parar! Não te dou essa liberdade. Você não é meu amigo, nem nada do tipo para querer vir me dar conselhos.
- Tá certo. Posso não ser seu amigo ainda para conversarmos sobre esse assunto, mas, acredite ou não, tanto eu como a Alícia fomos o mais sincero possível com você. A Lucinha também queria ter sido, mas acho que o medo da sua reação, plenamente justificável, fez com que tomasse uma decisão questionável. - Ela falava com uma calma quase convincente: - Ela não te traiu, meu amigo. Apenas nos aliviamos de uma tensão primitiva, mas ela nunca deixou, nem deixará de te amar.
- Ah claro! Claro que não traiu… Aliás, chifre não existe, não é mesmo? É psicológico, só uma coisa que colocam na sua cabeça. - Ironizei.
- Para com isso, Santos! Quanto drama, cara... Você estava sabendo de tudo! A Alícia te contou o que eu queria e como eu estava fazendo, o passo a passo, não contou? Eu também te dei a deixa. Se você não queria que acontecesse, por que não parou tudo, pegou tua mulher e foi embora? Tudo bem, ela pode ter cometido um erro, tudo bem, eu concordo com você; mas, seguindo essa linha de raciocínio, você também errou, talvez tanto quanto ou até mais que ela, porque você é mais velho e maduro, além de ser o homem e chefe da sua casa.
Respirei fundo, tentando me acalmar e melhorar o suficiente para sair dali, só que o Roger não dava trégua:
- Ela estava excitada e teve receio, por isso não abriu com você o desejo que estava sentindo. Ok, ok, ela omitiu, não foi transparente… Mas e você, fez o que? Ora, meu caro, fez a mesmíssima coisa: foi medroso e não falou para ela que sabia muito bem o que estava acontecendo e que não concordava. Os dois foram covardes e deixaram chegar onde chegou, simples assim! Não a culpe exclusivamente por um erro que também foi seu!
Eu continuava de cabeça baixa, respirando lentamente, com dificuldade e a visão ainda meio turva. Ele se calou por um segundo e logo depois me deu um tapinha no ombro, oferecendo um copo de água trazido por alguém:
- Não confio em você! Deve estar querendo me dopar para continuar comendo aquela filha da puta… - Falei.
Após breves segundos de silêncio, ele riu e falou:
- Você é muito idiota! Olha pra mim, seu babaca, vou beber da sua água. - Olhei para ele, sem saber porquê, e ele tomou mesmo um gole e ainda fazendo aquele característico “Ahhhh!”, insistindo na sequência: - Agora bebe um pouco e se acalma.
Acabei aceitando e pouco após já me sentia levemente melhor. Ele continuou:
- Mas em uma coisa você está certo: só não vou fuder sua mulher o resto da noite se ela não quiser, porque, por mais que você negue, Alícia me contou que você se excitou com a situação também, sabe, curtiu esse negócio de ser corno, só não está sabendo como administrar a emoção da primeira vez.
Ouvia ele falando com uma franqueza que me doía e, instintivamente, neguei com a cabeça. Ele voltou à carga:
- Para com isso, Santos! Vai lá conversar com a sua mulher. Se resolva com ela numa boa. Temos muito trabalho para fazer a partir de segunda e você não vai querer deixar os meus milhões parados, sem rendimento, vai?
- Dinheiro não é tudo… - Resmunguei ainda chateado.
- Não, não é, mas é a brita que asfalta os caminhos.
Aquele miserável parecia ter resposta para tudo e não se cansava de argumentar:
- Vamos fazer assim: hoje eu comi sua mulher, numa próxima vez, você come a minha. Está bem assim? Aproveita, porque não faço essa proposta para todos. Só estou te fazendo porque gostei de você.
- Você é um verme, Roger, fala da Alícia como se ela fosse um objeto, sem vontade, um pedaço de carne…
- E que carne, hein!? - Riu e voltou a falar sério: - Mas, falando sério, você está errado! A Alícia me disse que gostou muito de você. Inclusive, se estou aqui, é muito por insistência dela, preocupada com os seus sentimentos. - Deu dois tapinhas nas minhas costas e insistiu: - Vai lá, Santos, se acerta com a Lucinha…
- Tudo bem. Eu vou conversar com ela, mas disso para a gente se acertar, tem uma distância muito, mas muito grande mesmo.
- Pense em tudo o que conversamos. Nas falhas dela e nas suas também. Depois decida com calma e prudência. Não quero prejudicar o casamento de vocês, muito pelo contrário, quero ajudá-los a crescer e multiplicar, muito mesmo, e de todas as formas. Fique certo disso.
Ele se levantou e entrou no salão. Ainda fiquei alguns minutos sentado ali, pensando e me recompondo. Depois decidi entrar novamente. Lucinha estava sentada à mesa, junto do Roger e da Alícia, parecendo lamentar alguma coisa. Fui em sua direção, mas nem precisava, pois, ao me ver, ela própria se levantou e veio ao meu encontro, abraçando-me como se não me visse há séculos. Eu não a recusei, mas também não tive prazer algum naquele contato. Era chegada a hora e ela não teria mais como fugir.
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