Continuação da parte anterior! Lembrando que essa é uma história que envolve elementos de BDSM. Leia apenas se tiver interesse por esse universo!
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Alguns dias depois da partida da Amandinha, estava eu na cafeteria da faculdade, conversando com o Bernardo. O Bê tinha entrado comigo no mesmo ano na faculdade de economia, e desde então ficamos amigos. À primeira vista, poderiam estranhar como nossa amizade era possível. A gente era de mundos bem diferentes: se eu era mais dos esportes e das festas, ele passava horas lendo livros de fantasia ou jogando RPG. Bem nerdão mesmo! Mas acho que nossas diferenças eram o que tornavam possível um espaço maior para troca. Curtia em especial nossas conversas, porque sentia que meu amigo inusitado sempre tinha um ponto de vista diferente para me apresentar.
O Bê estava longe de ser feio. Não tinha um corpo como o meu, mas era alto e em forma. Fazia algum sucesso entre as garotas da turma, com seus olhos claros e ar tímido. Mas confesso que sempre olhei para meu amigo de uma maneira arrogante quando o assunto era mulher. Sem parecer maldoso, mas achava que não tinha a menor chance de um nerd como ele competir comigo, o “Thiagão do futebol”. Tanto é que curtia quando ele vinha me procurar, querendo saber dicas de como chegar nas minas. Me sentia o mestre, dando conselhos para o aprendiz.
Já fazia duas semanas desde que a Amanda tinha viajado. Ela não parava de me mandar fotos dos parques, museus e bares de Madri, contando animada sobre cada novo lugar que visitava, cada nova pessoa que conhecia. Estava feliz por ela, mas na verdade lidava com a saudade em silêncio:
-E aí Thi, notícias da Amandinha?- perguntou o Bê, ajeitando a franja loira que caía sempre na frente dos seus olhos.
-Ah, ela tá curtindo demais lá!- respondi- duro é pra gente que fica, né?
-Hmmm, sei…- os lábios dele desenharam um sorriso irônico- mas vem cá, você ainda tá bancando o santo ou já descolou alguma mina desde que ela foi embora?
Chegou a hora de admitir: apesar de ter prometido para a Amanda que permaneceria fiel, a verdade é que não tinha nem cogitado a hipótese de ficar sem transar durante aqueles 6 meses!
-Porra Bê, você me conhece mesmo, filho da puta!- dei um soquinho de brincadeira no ombro dele- mano, até vou tentar me controla, mas também não sou padre, né?
-Que isso, olha só o Thiago pegador do começo da facul voltando!- riu meu amigo, se lembrando dos nossos de calouro- Aliás, tava aqui tentando lembrar esses dias: qual é o nome mesmo daquela mina que tu comeu na biblioteca uma vez no primeiro ano?
-Ah, a Ju Duarte, de ADM! Caralho, aquele dia foi louco!
Cada segundo daquela transa me veio à mente. A Ju era uma loira maravilhosa: baixinha, dona de um quadril largo e uns seios enormes que ela fazia questão de exibir, desfilando roupas provocantes pelos corredores da faculdade. Ela tinha se encantado por mim em uma festa, e nos pegamos mais vezes durante nosso primeiro ano- uma delas na biblioteca, como o Bê tinha lembrado. A gente estava estudando em uma das mesas de manhã. Como ainda era muito cedo, não tinha mais ninguém ali além da gente. Vendo que as bibliotecárias estavam distraídas, decidimos aprontar em uma das estantes lá no fundo. Lembro até da seção em que transamos: Economia Política. Entre os livros de Marx e Adam Smith, que eram objeto de tanta briga entre a galera militante, meti muito naquela bocetinha rosa inesquecível da Ju:
-É Bê, puta que pariu, vou sentir muita falta dos tempos da faculdade!- confessei. Por mais que evitasse pensar no assunto, sabia que, cedo ou tarde, aquela vida de festinhas da Atlética e jogos universitários teria que acabar…
-Ah, Thi, mas pra você é fácil falar! É só estalar os dedos que as minas já caem matando!- o Bê me disse. Minha percepção de que ele invejava meu sucesso com as mulheres se confirmou.
-Tu também exagera, moleque! Mas vem cá, mudando de assunto: tá de pé nosso cinema hoje?
-Putz Thi, hoje não vai rolar não! Na real já tinha uma outra coisa marcada…
A expressão do Bê mudou de repente, ganhando um ar nervoso. Aquela cara clássica de quem está passando por um grande problema, mas não tem coragem para contar:
-Seu vacilão! Você que agitou da gente ir ver esse filme! Eu nem curto tanto esse tal de Jordan…Jordan…meu, como é o nome mesmo do diretor gringo que você vive falando?
-Jordan Peele! É, pois é, eu tô afimzão de ver! Mas é que…ai, esquece Thi, depois te explico!
-Esquece nada! Caralho Bê, a gente é irmão, você sabe que pode contar comigo!- Tentei tranquilizar meu amigo, mas naquele momento tive um estalo:
-Bê…você não voltou a jogar na mesa de pôquer do Yuri, né?
Com aquele olhar culpado, Ele nem precisou falar nada. Putz, óbvio que ele tinha voltado a jogar a mesa de pôquer do Yuri!
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Sempre fui um cara popular na faculdade. Minha turma principal eram os “heterotops da atlética”, mas conseguia transitar até que bem por diversos grupos. Se era impossível ser amigo de todo mundo da mesma forma, ao menos não tinha ninguém ali no campus que considerava ser insuportável.
A única exceção era o Yuri, um dos meus veteranos. Desde que nos conhecemos na recepção dos calouros, nunca conseguimos nos desfazer da antipatia instantânea que surgiu entre nós. Enquanto eu curtia levar a vida com mais leveza, manter o astral lá em cima, o Yuri era o oposto: cara fechada, caladão, só quebrando o silêncio para fazer alguma brincadeira ácida com alguém que ele achasse inferior. Sempre que estava por perto, o Yuri soltava algum comentário cheio de malícia, planejado sob medida pra me provocar. Quando alguém elogiava meu desempenho na última partida de fut, ou comentava sobre minha fama de pegador entre as meninas, o Yuri ouvia em silêncio e lançava um sorrisinho de canto. Era seu jeito sutil de demonstrar ao mundo o que ele realmente pensava sobre mim.
Quando comecei a namorar a Amandinha, ele ficou ainda mais hostil. O fato do Yuri ter tido um lance de poucos meses com ela no começo do meu primeiro contribuiu para que ele me odiasse ainda mais. Quando nos esbarrávamos pelos corredores, meu inimigo não dizia nada, mas me lançava a um olhar mortal. Seus olhos eram completamente pretos, bem daquele tipo que é impossível distinguir a pupila da íris. Quando ele me via com a Amandinha então, era como se me pegasse no tapa com os olhos.
Eu não deixava por menos e encarava de volta, sustentando a tensão. Mas no geral evitava cair naquela armadilha. A verdade é que aqueles olhos profundos dele me amedrontavam bem mais do que admitia para mim mesmo.
Houve uma única vez em que ultrapassamos o limite das encaradas. Estava mijando sozinho, no banheiro da faculdade, quando senti o Yuri se aproximar. Ele escolheu um mictório bem ao meu lado, apesar de todos os outros estarem livres. De tão grande que ele era, seu corpo tapou a luz do sol que vinha da janela do banheiro.
Por mais que eu tivesse um corpo super definido, tinha que admitir: era impossível competir com o porte daquele cara! Com cerca de 1.90cm, vindo de uma família de militares, ele era grande e forte como um cavalo. O cabelo raspado e a barba cerrada completavam sua aparência de babaca convencido.
Em um primeiro momento, tentei ignorar que ele tava ali. Mas logo o Yuri não resistiu e decidiu me mexer comigo mais uma vez, comentando com sua voz grave:
-Olha só, quer dizer que o “Thiagão” até que não faz feio no banheiro…
Modéstia a parte, nunca pude reclamar do tamanho do meu dote mesmo. Mesmo mole, meu pau sempre foi avantajado, o que desde o colégio ajudou a consolidar minha reputação de garanhão.
-Eu hein, sai pra lá! Que porra é essa de ficar manjando pau dos outros no banheiro?- falei irritado, já devolvendo minha pica pra dentro da cueca.
-Não precisa ficar nervoso não, Thi! É que eu fiquei surpreso, poxa. Pensava que uma bichinha como você nem pau tinha!
Ao ouvir isso, uma raiva insana subiu em mim:
-Bichinha é teu cú, arrombado! Vem cá pra você ver quem é o viado aqui!
Furioso, dei um soco na direção do Yuri, mas acabei acertando o ar. Ele desviou sem dificuldade, sendo ágil o suficiente para logo em seguida me aprisionar em uma chave de braço. Tentando me desvencilhar daqueles braços gigantescos, senti a respiração pesada do Yuri no meu cangote, o peso do seu corpo pesado contra o meu:
-Você se acha muito macho né, Thiago?- ele ria no meu ouvido- mas você não me engana não. Bem adestrada, é capaz de você virar uma bela de uma mocinha!
Ele ia ver só quem era a mocinha! Espumando de ódio, procurava de todo jeito me libertar da chave de braço do Yuri. Porém meus esforços foram inúteis: por mais que reunisse todas as minhas forças, mal conseguia sair do lugar. Caralho, que vergonha! Pelo espelho, assistia ele se divertindo ao ver meu suor escorrendo pela testa:
-Vai machão, quero ver você sair daqui, vai!
Fui salvo pelo Otávio, meu parceiro mais chegado do fut, e por outros dois caras do time, que entraram no banheiro naquele momento. O Yuri então me largou e os moleques nos separaram. Mas não satisfeito, já cerrei o punho e parti para cima, pronto para arrumar confusão de novo! Notando meu estado, o Otávio me puxou com dificuldade para fora do banheiro, mas antes de sair, me virei para trás novamente, querendo continuar a bater boca com meu inimigo.
Mas ele já tinha recuperado um ar tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Tudo o que se limitou a fazer foi dar uma piscadinha e mover os lábios. Então me disse mais uma vez, apontando pra mim:
“Mocinha".
Cacete, se não fosse pelo Otávio, era capaz de eu ter arrombado a porta do banheiro para pegar aquele imbecil no soco!
Pois é, acho que esse histórico explica o porquê da minha reação quando descobri que o Bê frequentava a famigerada roda de pôquer do Yuri. Todas às quintas, uma galera se reunia na república do Yuri para passar uma noite regada a jogo, álcool e outras coisas mais. O que começou como uma brincadeira tinha se tornado quase um cassino. Pelos rumores que rolavam, os valores das apostas estavam cada vez mais altos, atraindo até um pessoal de fora da facul.
E bem, os devedores não eram cobrados de forma que se poderia chamar de gentil. Pelo o que sabia, Yuri e o comparsa dele, o Nicolas eram implacáveis com quem ficava devendo:
-Bê, não sei o que você tem na cabeça! Quantas vezes tenho que te falar que essa galera do Yuri não vale nada! Você ainda vai se foder bonito nessa!
-Eu já tô ligado, Thi! Sei bem a hora de parar!
-Meu cu que sabe, tá falando igualzinho a viciado em jogo já!
-Tá bom, tá bom, Thi- sempre quando tinha alguma discussão, notava que o Bê era o primeiro a bater em retirada- prometo que essa vai ser a última vez!
-Espero mesmo, hein!- falei nervoso, me levantando para sair- mas depois a gente conversa melhor, tenho que ir pra casa resolver umas coisas. E ver o que vou fazer à noite né, já que meu melhor amigo me deixou na mão!
-Ah Thi, por favor- ele também se ergueu e se aproximou de mim, contornando a mesa-não quero ficar brigado contigo não! Depois de hoje, te juro que não vou mais lá, sério…
Respirarei fundo antes de responder:
-Ok, Bê…mas você sabe que te falo isso porque me preocupo com você! Promete mesmo que essa vai ser a última vez?
-Prometo sim, Thi! Na moral, eu sei que você tá certo!
-Beleza, lek! A gente vai se falando…
Caminhei até minha casa, que não ficava muito longe da faculdade. Bem, tinha cumprido meu papel de amigo. Tudo o que me restava era esperar pelo melhor!
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Naquela época, dividia um apartamento com o Otávio. Mas como ele tinha acabado de começar a namorar a Isadora, uma outra menina da faculdade, ele mal parava em casa. Quando cheguei, conversei um pouco com a Amandinha por ligação. Depois de quase uma hora de conversa, desliguei e parei enfim para descansar. Eram os últimos minutos do pôr do sol. Sem a perspectiva do rolê com o Bernardo, fiquei só eu ali, sentindo um súbito sentimento de solidão.
Decidi ir ao cinema, mesmo sozinho. “Bom, se o Bê fala tanto desse tal Jordan aí, deve ter algum motivo”. Tomei um banho e me vesti com uma calça jeans e uma camiseta branca simples, daquelas mais justas. Vaidoso, sempre curti usar roupas que deixassem meu físico à mostra. Antes de sair, dei uma última olhadela no espelho. Sorri contente com o que vi: o mandibular quadradão, o sorriso confiante, o cabelo liso castanho arrumado em um topete. “Quem sabe dou sorte essa noite!”, foi meu último pensamento antes de sair de casa.
Cheguei a tempo de pegar a sessão que tinha planejado ir com o Bê. Sentando na poltrona marcada, ouvia as pessoas conversando baixinho. Não sabia bem o que esperar: nunca fui muito cinéfilo, e o pouco que conhecia de cinema devia à minha amizade com o Bê. Mas, para minha surpresa, as pouco mais de duas horas de filme passaram voando. Acabei curtindo aquela mistura entre comédia, drama e terror- e até me peguei reflexivo logo quando as luzes da sala se acenderam e os créditos começaram a rolar na tela.
O filme contava a história de uma família que, durante um feriado em uma cidade de praia, se depara com uma brutal invasão de “cópias”, pessoas idênticas a eles, mas que moravam um mundo subterrâneo. Toda aquela estabilidade típica de classe média americana- um estilo de vida que, enfim, não era tão diferente do meu até então- era aniquilada sem dó, durante apenas um feriado. Como iria aprender muito bem nos próximos meses, todos os nossos referenciais de vida, tudo o que acreditamos sobre nós mesmos, podiam se transformar em um piscar de olhos…
Mas o “Thiago” filosófico deixou a cena logo que saí da sala. Perto da entrada do cinema, encontrei a Ju-sim, aquela mesmo, a da biblioteca - conversando com uma amiga.
Nossos olhares se cruzaram. Ela com certeza sabia que a Amandinha tinha viajado:
-Opa, fala Ju! Tudo certo?
-Tudo ótimo, Thi!- disse ela, com os seios enormes pulando no top apertado- essa é a minha amiga Camila.. Cami, esse é o Thi da economia, aquele do futebol!
-Ah, eu já ouvi falar bastante de você! Não tem nem como, né?- sorri tímido em retorno, mas orgulhoso de saber que minha fama de “macho alfa” corria o campus- mas não imaginava que você era do tipo que curtia cinema!
-Nem eu, para falar a verdade!- a Ju concordou com a amiga.
-Porra, eu curto demais! E não é só filme de ação e de super-herói não, curto umas coisas mais diferentes também. Tava vendo o último do Jordan Peele agorinha!
Bom, minha amizade com o Bê tinha me ajudado nisso também: soar inteligente era um a mais na hora de chegar nas minas!
-Olha só, além de tudo é culto…- a Camila deu um sorrisinho pra amiga- mas bom, agora tenho que ir! Amanhã pego o ônibus cedo pra São Paulo!
-Tá bem, amiga! Me avisa quando chegar amanhã!
-Pode deixar! Tchau Ju!- elas se abraçaram, e logo depois também me despedi da Camila, com um educado beijinho na bochecha- Tchau Thiago…foi um prazer! Juízo, hein?
E com esse comentário cheio de duplo sentido, ela desapareceu em um carro de aplicativo. Sobramos eu e a Ju.
Não me entendam mal, eu amava minha namorada. É sério! Mas convenhamos, 6 meses? Com todas aquelas meninas dando mole? É claro que eu tinha que me aliviar em algum momento!
-A Amandinha viajou né, Thi?- disparou a Ju, sem perder tempo- pra onde ela foi mesmo?
-Espanha! Tá lá há duas semanas já!
-Ah, sei…- e nisso ela veio se aproximando- e quer dizer então que você vai ficar sozinho nesses 6 meses? Poxa, com um gatão desse em casa, ia pensar duas vezes antes de viajar…
E nisso, ela passou a mão no meu bíceps, saliente por conta da camiseta justa que vestia. Sutileza não era uma palavra que combinava com a personalidade da Ju:
-Bora pro carro, Ju! Tô com o apê só pra mim hoje…
Nem precisei dizer duas vezes. No carro, não conseguia tirar os olhos daqueles peitos, que chacoalhavam à medida que eu fazia as curvas. “Vida de artilheiro é assim mesmo, Thi”, o Otávio costumava me dizer. Um comentário típico de hétero escroto. Mas ah, por que esconder? Era bem isso mesmo que eu era. Pelo menos até o Yuri aparecer na jogada…
No dia seguinte, assim que acordei, peguei o celular na mesa de cabeceira. Ainda sonolento, tentava acompanhar as notificações do WhatsApp. Comecei pela conversa com a minha namorada: fui rolando o dedo para conferir as fotos de ensolaradas praias na Espanha, onde ela tinha ido passar o fim de semana. Cansado da noite anterior, enviei um simples “que top”, acompanhado de um emoji qualquer.
A Ju dormia ao meu lado, nua, com a mão repousada no meu peito. Ainda estava fresco na minha a cena do meu caralho grosso se perdendo no meio daqueles peitos. “Caralho, que gostosa da porra!”. Um sentimento de culpa passou minha mente. Mas tão rápido como veio, foi embora.
“Vida de artilheiro é assim mesmo, Thi”.
Decidi então me levantar para fazer um café. Fui até a cozinha, depois de vestir uma cueca e regata. O Otávio tinha me avisado pelo WhastApp que só ia voltar pra casa no dia seguinte. “Ok, já abri a conversa com Amandinha, com o Otávio…”. Me dei conta, enquanto passava a água do café no filtro, que alguém ainda não tinha me mandado notícias. Como será que tinha sido a noite do Bê?
Celular vibrando na mesa da cozinha. Confiro: por coincidência, eram duas mensagens dele. Curtas, diretas ao ponto:
“Thi, tô indo aí”
E em seguida:
“Deu merda”
Odeio dizer isso, mas aquele gostinho de “eu avisei” era uma delícia. Idiota, otário, vacilão. Agora o Bê vinha correndo pedir ajuda! “Calma Thiago, agora não adianta, você tem que ser um bom amigo”, reconsiderei, enquanto despejava o café na xícara.
Meu amigo chegou em pouco tempo. Quando ouvi o barulho da campainha, fui correndo atender, curioso para saber o que os próximos minutos me reservavam. Assim que abri a porta, ele foi entrando em direção a cozinha, cabisbaixo, daquele jeito de quem está prestes a desabar. Já sentado na bancada, cobriu o rosto com as mãos, chorando que nem um bebê:
-Porra Bê, o que aconteceu?
-Caralho Thi!- ele fungava- deu muito ruim ontem, você não tem ideia!
Sentei ao lado dele para ouvir a história. Enquanto eu tinha passado a noite assistindo ao filme que tínhamos combinado de ver, e depois macetando a xaninha apertada da Ju, meu amigo havia arrumado uma bela de uma encrenca. Segundo ele, tudo tinha começado bem na mesa de pôquer: algumas boas mãos e bang!, tinha conseguido uma boa grana. “Tava me sentindo o DiCaprio, no “Lobo de Wall Street!”, o Bê falava.
Mas é claro, uma rodada a mais, uma dose de whisky a mais, um beck a mais…. a maré de sorte do meu amigo começou então a virar. A partir daí, ladeira abaixo. A fortuna do “Lobo de Wall Street” foi escapando rodada a rodada das mãos. Como o Bê não tinha o sangue-frio de um bom jogador de pôquer, ele foi ficando cada vez mais nervoso, sem conseguir reverter a situação. “Agora parece mais o DiCaprio no final do Titanic!”. A brincadeira me veio na cabeça, mas achei melhor deixar quieto:
-Ah Bê, eu te falo que jogo é cilada! Ainda mais com aqueles escrotos que andam com o Yuri!- cheguei mais perto e coloquei minha mão nas suas costas- mas tá, afinal, quanto você tá devendo?
Silêncio. Após poucos segundos, o Bê me respondeu baixinho:
-Oito mil reais, Thi…
-O QUÊ?
-Oito mil reais, porra!- ele gritou. O rosto roxo de desespero.
Levantei da bancada com as mãos na cabeça. Como meu amigo, que era tão inteligente, tão racional, tinha conseguido se meter naquela situação, ainda era um mistério para mim . Mas tentei me acalmar. Me sentei de novo do lado dele:
-Bê, não esquenta não, parceiro! A gente vai dar um jeito nisso!
-Que jeito o quê, Thiago? Eles me falaram que eu tenho uma semana pra pagar, se não…se não, vai saber lá o que eles fazem comigo!
Chorando daquele jeito, meu amigo parecia ainda mais magro do que de fato era. O Yuri e aquele capanga dele fariam picadinho do Bê:
- Mano, pode deixar que eu vou conversar com o Yuri sobre isso.
O Bê, pela primeira vez encontrando um fiapo de esperança no qual se agarrar, tirou as mãos do rosto:
-Sério, Thi? Mano, não precisa, eu me viro sozinho!
-Eu não te falei que a gente é irmão?- disse, abrindo os braços para um abraço- vem cá, a gente vai sair dessa junto!
Enquanto nos abraçávamos, meu amigo só murmurava “obrigado”, “obrigado”. Resolvi então preparar um pouco mais de café para ele, que finalmente estava se acalmando, enxugando as lágrimas. Foi quando a Ju entrou na cozinha, só vestindo calcinha e uma camisa minha, que ficava mais larga nela:
-Bom dia, Thi!- ela disse bocejando, ajeitando despreocupada os cabelos loiros- ah, você é o Bernardo, da turma do Thi, né?- ela disse, achando meu amigo na bancada.
-Eu mesmo!- os olhos do Bernardo pousaram nos peitos dela, para logo em seguida desviarem para mim. Ele deu um sorriso, como se estivesse dizendo “não acredito!’.
Nisso, recebi uma notificação no WhatsApp. Em situações como aquela, quando não podíamos conversar, a gente tinha o hábito de trocar mensagens, mesmo estando os dois a passos de distância:
“Cachorro! Enquanto eu tava me fodendo ontem, você tava aqui comendo essa gostosa!”
“Cada um passa o tempo livre como quer, otário!”- respondi em silêncio.
Eu mal sabia, mas aquela foi a última vez em que pude me gabar de uma conquista minha pro Bê…
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Combinei com meu amigo encrencado de ir até à república onde o Yuri morava no final da tarde de segunda, depois do treino de fut. Tinha uma noção de onde meu rival morava, mas o Bê me enviou por mensagem o endereço exato. “Esse frouxo bem que podia ir comigo pelo menos! Já entregou tudo na minha mão”, matutava contrariado no ônibus, quando chegou o ponto apontado no aplicativo do celular. Desci e engoli em seco, me preparando para uma conversa que prometia ser difícil.
“Não desanima não, Thiagão! Lembra de quem você é”. Tentava me manter confiante. Toquei a campainha da casa, já ensaiando minha cara séria. Quem abriu foi o Nicolas, comparsa do Yuri. Grande como um vagão de trem, o que sobrava em músculos parecia faltar em inteligência, pelo jeito lesado com o qual ele falava:
-O que você quer?
-Vim falar com o Yuri- mantive uma pose confiante.
Em seguida, ouvi o barulho de passos, cada vez mais altos, descendo a escada:
-Pode deixar Nico, eu assumo daqui…
Reconheci aquela voz de trovão: era o Yuri. Ele estava sem camisa, usando apenas uma bermuda de futebol. Imaginei que devia estar fazendo exercícios em casa. Além de estar pingando de suor, notei que seus músculos estavam com um contorno mais definido, talvez por conta do “pump” pós-treino. Com aquela cara de escroto, ele ostentava o peitoral peludo e forte.
Logo quando bati meus olhos no Yuri, um calafrio meu corpo. Mas não era de medo ou ansiedade diante da presença dele. Era uma sensação diferente, algo novo despertando em mim.
Na época eu ainda não sabia, mas esse algo tinha nome. Era tesão:
-Ah, olha só quem chegou! Bem que seu amiguinho tinha me avisado que você viria hoje…
Abrindo passagem para mim, o Yuri sorriu. Sua cara de mau parecia dizer que ele estava contando os segundos para aquele encontro. Os olhos pretos brilhavam:
-Pode entrar, Thiagão! A casa é sua.
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Esse conto ficou um pouco mais longo, para introdução das personagens e da trama, mas os próximos vão ser mais dinâmicos. Quem gostou, não esquece de dar estrela e comentar :)