A semana passou voando e na quinta-feira, após uma reunião normal de trabalho, o Alvarenga veio confirmar a informação recebida por sua esposa, a de que iríamos comparecer ao seu aniversário:
- Ué! Se ainda estivermos convidados, nós iremos. - Falei.
- Mas claro que estão! Que pergunta… - Disse, dando-me um abraço.
- Alvarenga, é o seguinte… Somos homens, adultos, maduros e sem frescura… Eu queria te perguntar o que você quer ganhar de presente?
- Um milhão já estaria de bom tamanho, mas se não for possível, uma garrafa de um bom uísque já serve. - Falou e gargalhou: - Cês vão amanhã, né?
- Não. Provavelmente só no sábado…
- Deixa disso, cara. Só estaremos num grupinho bem seleto lá amanhã. Vem também, a gente já esquenta a churrasqueira e faz uma prequência de tudo que vai rolar no restante dos dias.
A Adriana, quieta até então, mas do lado da Andressa, insistiu na proposta. No final, concordamos em ir na sexta após o almoço. A nossa vida nunca mais seria a mesma…
[CONTINUANDO]
No dia combinado, a Andressa foi para casa mais cedo, preparar nossas malas para uma rápida estadia de dois dias. Quando cheguei em casa, após resolver algumas questões do trabalho, ela já estava terminando de se arrumar e estava simplesmente linda, usando um vestido floral e uma rasteirinha, com os cabelos soltos e uma maquiagem levíssima, quase imperceptível com exceção para os seus olhos e boca, contornados com um pouco mais de destaque. Tomei uma ducha rápida, coloquei uma bermuda, camisa polo, uma sandália e saímos.
Em uma hora, mais ou menos, chegamos na chácara do casal de amigos e os encontramos sós ali. Adriana passava uma vassoura no ranchinho, livrando-a de pó e folhas, enquanto o Alvarenga limpava os apetrechos de churrasco. Fomos recebidos aos abraços e selinhos por ambos, mas dada a nossa amizade, aquilo já era tido como normal. Entreguei-lhe o presente, uma garrafa de um uísque exclusivíssimo que ele já fez questão de abrir ali mesmo, servindo-nos duas doses porque elas recusaram no momento. Eu e a Andressa demos uma mãozinha para eles e rapidamente já estávamos os quatro desocupados, papeando e bebericando. Num certo momento, a Adriana falou:
- Até que enfim vou poder apresentá-los devidamente ao meu menino, né? - Eu a encarei sem entender, franzindo a testa e ela explicou: - É, ué! Ao Valentim.
Eu olhei para a Andressa que, de olhos arregalados, parecia tão surpresa quanto eu e a Adriana continuou:
- Eu não tinha falado!? Ah, desculpa, gente! Eu… só espero que isso não seja um problema?
Andressa me olhou de soslaio e eu disse:
- Problema algum. A casa é sua, o convidado é seu. Além do mais, eu já o conheci no churrasco do Celsinho, lembra? Ele me pareceu ser um cara bem educado.
- Ele é um amor, né, amor? - Adriana perguntou ao Alvarenga, dando uma risada.
- Não senhora! Amor sou eu. Ele só é pau pra toda obra. - Ele falou e gargalhou antes de complementar: - Mas o safado só gosta de trabalhar para mulheres, Túlio, se é que você me entende?
- Desde que ele não queira trabalhar para a minha, estou de boa. – Respondi.
- Por falar nisso, fiquei muito feliz em saber que vocês já superaram aquele mal entendido de outro dia. - Disse a Adriana.
- Eu também! - Andressa concordou.
Adriana tomou novamente a palavra:
- E, olha, fiquei em êxtase quando a Dre me contou que vocês já estão se permitindo divertir com essas brincadeirinhas mais pitorescas. Inclusive, me sinto envaidecida por terem incluído o meu Príncipe Valente.
- Príncipe Valente? - Perguntei.
- É! O Valentim… É um apelido carinhoso que eu dei para ele, primeiro por causa do seu nome, segundo em virtude do tamanho da sua espada. – Falou sorrindo e me encarou curiosa, já sacando o seu celular: - Cê quer ver?
- Eu!? Não, obrigado. Não tenho interesse algum em ver a arma do inimigo. – Retruquei, sorrindo.
- Inimigo!? Que nada! Ele é um grande aliado nosso, de confiança mesmo, né, amor?
- Claro que é… - Concordou o Alvarenga, macetando alguns limões para fazer uma caipirinha para as nossas mulheres: - Acho, inclusive, que será uma ótima oportunidade para vocês conhecerem melhor o menino e tirarem eventuais dúvidas sobre essa nossa dinâmica, se tiverem, é claro.
Aquele assunto já me parecia meio forçado e preferi não dar continuidade, mas a Adriana não parava:
- É! Quem sabe até o Túlio não te libera para uma brincadeirinha mais ousada com ele, né, Dre?
A Andressa deu apenas uma risadinha tímida, tão constrangida ou até mais que eu mesmo, balançando negativamente a sua cabeça e evitou me encarar, mas eu queria saber até onde ela poderia estar disposta com aquilo e perguntei:
- Né… Dre!? - Insisti.
Ela me olhou em silêncio e depois de sutilmente mordiscar os lábios inferiores em claro sinal do seu nervosismo, falou:
- Eu disse que não farei nada que não esteja de acordo com você. Se a gente concordar, quem sabe?
- Nossa! E eu aqui pensando que o Túlio fosse o complicado nessa história… - Resmungou a Adriana, ouvindo uma gargalhada do Alvarenga: - Mulher, o seu marido quer saber se você quer dar para o Valentim. Só responde: quer ou não quer?
- Nossa, digo eu, Dri! Olha o jeito que você coloca as coisas, “quer dar ou não”... - Falou de uma forma zombeteira, fazendo todos darem uma gargalhada: - Amiga, penso o seguinte, para chegar nos “finalmentes”, temos que passar pelos “inicialmentes” e nem essa parte eu acertei ainda com o meu marido.
Depois de mais uma risada, o Alvarenga trouxe dois copos de caipirinhas e as serviu, falando na sequência:
- Sou o mais velho aqui e ainda por cima formado em comércio exterior, deixa eu intermediar as negociações, Riana… - Pigarreou, sentando-se todo ereto na mesa, à minha direito e de frente para a minha esposa: - Dona Andressa, a senhora tem algum desejo de cunho íntimo que possa ser atendido pelo senhor Valentim?
- Agora eu broxei de vez… - Resmungou a Andressa, fazendo uma careta: - Acho que nem meus avós falavam assim. Daqui a pouco você irá perguntar se a minha necessidade pode ser atendida pela minha posição do “decúbito dorsal”...
Todos gargalhamos da invertida que ela deu no Alvarenga que seguia sério, apenas tomado por um sorrisinho canalha. Ele não se deu por vencido:
- Correto, madame, vou adaptar a linguagem… - Coçou o queixo por um instante e insistiu: - Andressa, você tem algum tesão no Valentim?
- Nossa… Tesão!?
- Sim, ué! - Ele insistiu: - Tesão, desejo, vontade, tara, interesse, você escolhe o nome. Tem?
- Interesse, talvez…
- Ah é!? E qual seria? – Perguntei eu agora, sorrindo.
- Por favor, né, Túlio! Sua interferência atrapalha o meu mister, mermão! Se fizer isso novamente, vou ser obrigado a retirá-lo da mesa de negociação e colocá-lo de castigo no milho, de joelho, como faziam os antigos.
Novas risadas e após uma pigarreada, Alvarenga perguntou:
- E qual seria exatamente o seu interesse, Andressa?
- Mas foi a minha pergunta! - Reclamei.
- Não! Você tentou constrangê-la com uma entonação machista. Eu, entretanto, fiz apenas uma pergunta. Ah, e como você me interrompeu novamente, vai pro castigo. - Disse apontando um cantinho, mas como o encarávamos rindo da brincadeira, ele mudou: - Olha só... como sou seu amigo, vou substituir o castigo por dois latões estupidamente gelados. Pega lá na geladeira pra gente, vai!
Levantei-me e fui até ali do lado e enquanto caminhava ouvi claramente a Adriana dizer para a Andressa “Fala pra ele, caramba. Assume! É a sua chance! Ele tá de boa, Dre.” Peguei os dois latões e voltei a me sentar à mesa. A Andressa olhava para o Alvarenga e ele falou:
- Estou aguardando a resposta, Andressa.
- Bom... Se estiver tudo bem para todos, eu gostaria de conhecê-lo melhor. - Ela falou.
- Conhecê-lo, assim, de que maneira, sem roupa? - Perguntou a Adriana.
- Riana, se você for me atrapalhar também, vou colocá-la de castigo junto do Túlio.
- Experimenta me pôr de castigo sozinha com ele, amor, experimenta só! Corre o risco de eu te colocar um chifre novinho, novinho...
- Oi!? - Perguntou a Andressa, encarando-a invocada: - Como é que é, sua safada!? Com o meu marido?
- Ué!? - Resmungou a Adriana e levantou as mãos e os ombros, como se não entendesse a colocação dela e continuou, indicando o Alvarenga: - Você quer pegar o meu amante e eu vou ficar com quem, com o corno da história? Ele eu já pego todo dia, eu quero é novidade!
- Sem essa, né, Dri, o Túlio é meu!
- Mas vejam só… Ela pode conhecer outro, eu não posso conhecer outra… Tá certo isso, Arnaldo? - Brinquei, usando um jargão muito conhecido.
- Ééééé… Olha só, Galvão, a jogada foi forte e já mostrou que os jogadores vieram decididos na disputa da bola. Ééééé… Ainda assim acho que o time da nossa atacante Andressa parece mais determinado e preparado para dominar a bola da partida, tentando claramente deixar o marido de escanteio. - Disse o Alvarenga.
- Cara, essa é a voz do Casagrande! O Arnaldo fala com uma voz fina… - Falei, rindo.
- Eu nunca consegui imitar o Arnaldo direito, não sei porquê… - Ele justificou, pigarreou e retomou à intermediação, olhando para a Andressa: - Certo... Já sabemos que você tem um interesse, precisamos aprofundar para entendê-lo melhor. Tem como você explicar para a gente?
Andressa deu de ombros e falou sem dar muita importância:
- Ué! Conhecer é conhecer! Conversar, saber coisas dele, do que gosta, suas preferências… Ah, sei lá, gente! Como vou saber se ele me interessa se não sei nada dele? Mesmo quando eu era solteira, eu nunca fui do tipo que ficava com qualquer um só por ficar. Acho que o cara para ficar comigo tem que ter alguma coisa que me chame a atenção, uma… afinidade, química… sei lá.
- Pelo menos já estamos começando a entender a sua posição. Você quer conversar com ele para saber se ele lhe desperta o tesão, é isso? – Insistiu o Alvarenga.
- Começa por aí... – Ela concordou.
- Ok! Agora vou negociar com o outro lado… - Disse o Alvarenga e se virou para mim: - E você Túlio, estaria disposto a ceder esse espaço para a Andressa conhecer melhor o Valentim?
- Não vejo problema algum em eles conversarem. Conversar não arranca pedaço.
- Exatamente! A negociação está progredindo rápido, Riana. Observe e aprenda. - Falou para a esposa que fez positivos com as duas mãos, sorrindo para ele que se virava novamente para a Andressa: - Vamos aprofundar as hipóteses, Andressa… Se você gostar do que irá ouvir do Valentim e se isso te acender a libido, você estaria disposta a ir além?
- Nossa, Alvarenga, que pergunta! - Andressa respondeu encabulada, mas quis entender melhor: - O que seria exatamente “ir além”?
- Ué! As hipóteses são muitas, minha cara, tipo dançar, beijar, dar uns amassos, transar… - Ele explicava com um certo desdém, tentando mostrar que seriam situações sem importância.
Andressa deu uma golada em sua caipirinha, fazendo uma careta rápida e me encarou sem saber o que dizer. O Alvarenga, vendo que o peixe tentava fugir do anzol, insistiu:
- É tudo hipótese, ok? É um contrato verbal ainda sem validade jurídica alguma.
- Dançar talvez sim, por que não? Mas o restante acho muito difícil: primeiro, porque acho tudo muito rápido e segundo, porque eu não quero constranger o Túlio.
- Mas, e se o seu marido estivesse disposto a “ir além”? Sabe, experimentar as loucas sensações de liberá-la para outro. Hipoteticamente falando, é claro…
- Bem… Nesse caso, hipoteticamente, talvez eu pudesse experimentar mais uma ou duas coisinhas… - Ela respondeu, olhando para mim.
- Minha testa já está coçando... - Resmunguei, sorrindo para ela e peguei na sua mão: - Acho difícil, hein!? Não sei se dou conta de ver outro devorando essas carninhas gostosas.
- Cara, que coisa mais machista!... - Resmungou a Adriana, entrando de vez no jogo: - Isso é coisa de homem frouxo, Túlio. Homem que se garante não tem esse medo não!
- Não é medo…
- E é o quê, então!? - Ela me cortou: - Você acha que se a Andressa transar com o Valentim, ela vai te abandonar, ao filho, a empresa, a vida que tem com você e sair vadiando o mundo com o amante? Lógico que não, né, cara!?
- Apesar da intromissão desnecessária da dona Adriana… - Disse o Alvarenga encarando-a de uma forma invocada: - Sou obrigado a concordar, porque somos exemplo disso. Desde que ela começou a sair com outros, a nossa vida sexual só melhorou: a nossa cumplicidade aumentou de uma forma que eu nunca imaginei ser possível; os nossos sentimentos um pelo outro nunca foram tão validados e revalidados a cada nova situação; o número de nossas transas aumentaram vertiginosamente; a variedade das posições, afinal ela aprende com outros e vem treinar comigo para não fazer feio depois; enfim…
Dei uma golada na minha cerveja e olhei para a Andressa que sorria, mas balançava negativamente sua cabeça, levando tudo na brincadeira. Ali, todos estavam contra mim, menos a minha esposa que se mantinha neutra:
- Gente, olha só… Eu não sou dono da Andressa, já falei isso para ela. Se ela quiser de verdade e me prometer que não afetará o nosso casamento, é claro que ela poderia “ir além”. Só peço que vá devagar, porque eu nunca me imaginei fazendo isso e por isso não sei como reagiria, aliás, nem sei se gosto exatamente da ideia ainda. É complica…
- Deixa eu te perguntar uma coisa? - Pediu a Adriana, interrompendo-me, e assenti com um movimento de cabeça: - Você gosta de ver a Andressa tendo prazer, ficando satisfeita, não gosta?
- Claro que sim!
- E se eu te dissesse que ela iria gozar horrores fazendo amor com ou… Não, não, não! Amor não, desculpa… transando com outros caras, isso te agradaria? - Ela insistiu.
- Claro, ué! Se chegássemos ao ponto dela transar com outro, o mínimo que eu espero é que o cara a satisfaça tanto quanto ou mais do que eu faço.
- Acho difícil, hein! – Falou a Andressa: - Você já me satisfaz plenamente.
A Adriana a encarou com uma cara invocada pela tirada da amiga que lhe cortava os argumentos, mas depois de suspirar profundamente, continuou:
- Ótimo! Vocês dois conhecem e já praticaram todas as posições do Kama Sutra?
- Que pergunta é essa, Adriana!? - Resmunguei, sorrindo, mas confessei: - Claro que não! A gente varia entre várias posições, mas… eu nunca sequer li o Kama Sutra, então nem tenho como responder isso.
- E se eu te dissesse que ela poderá aprender posições novas e que irá trazer isso para dentro da intimidade de vocês, apimentando ainda mais as suas relações, isso não te agradaria?
Dei de ombros e respondi:
- Aprender coisas novas é sempre legal, mas ela não precisa aprender isso com um amante. Pode comprar um Kama Sutra, como você mesma indicou, e nós dois praticamos.
- Não é a mesma coisa, cara! – Falou o Alvarenga, agora tomando para si a palavra: - Uma coisa é a teoria, a outra é a prática. Aprender com um professor ali, “in locu”, é muiiiiiiito melhor!
Errado ele não estava, mas eu preferi não lhe dar razão naquele momento. Ele continuou:
- Cara, olha só… Vocês já estão com um pezinho dentro. Só está faltando um empurrãozinho para experimentarem as delícias de um relacionamento liberal. – Deu-me um tapinha no joelho e falou: - Deixa eu te propor uma coisa: por que você não libera a Andressa apenas para ela conhecer mais intimamente o Valentim? Nem estou falando de ir para os “finalmentes”, mas, pelo menos, para os “inicialmentes”.
- Ué, mas eu já disse que conversar está liberado.
- Dançar?
- Pode ser… Havendo respeito, não vejo mal algum.
- E se na dança rolar um beijo?... - Insistiu o Alvarenga.
- Isso! Dar uns amassos, namorar… - Completou a Adriana.
Olhei para a Andressa que estava vermelha e eu já não sabia se apenas pela sua típica timidez ou por efeito da bebida. Entretanto, eu conhecia a minha esposa como ninguém para saber que a forma como ela estava sentada, apertando uma perna na outra e respirando mais entrecortadamente, demonstrava que a situação não a deixava exatamente confortável. Então, eu perguntei:
- Você gostaria disso, Andressa?
- Eu só não quero me desentender com você, amor. - Foi a sua resposta, claramente em evasiva.
Fiquei em silêncio por um instante e para não ouvir uma resposta definitiva dela que pudesse me colocar contra a parede, perguntei onde ficava o banheiro. O Alvarenga me indicou as possibilidades e decidi usar um que ficava ao lado da piscina, do outro lado da área de lazer. Ali sozinho, sentado no vaso sanitário, pude respirar em paz um pouco, raciocinar sem pressão e mesmo ainda um pouco incomodado, decidi dar um voto de confiança para a minha esposa. Devo ter ficado uns dez, não mais que quinze minutos ali e saí disposto a encerrar de vez aquela conversa. Ao abrir a porta, dei de cara com a Andressa me esperando do lado de fora:
- Quero falar com você. - Ela me pediu.
- Eu também quero falar com você, mas você pode começar…
- Aqueles dois já devem estar bêbados. Eu não quero fazer nada que te desagrade. Esquece dessa história pelo nosso bem.
- Bem, você é quem sabe. Eu estava disposto a te liberar desde que isso não prejudique o nosso casamento, mas se você não quer…
Ela me olhou de uma forma desconfiada e perguntou:
- Sério!? Liberar, assim… Liberar de liberar? Tudo mesmo!?
- Eu estou disposto a te liberar pelo menos uma vez. Se for tão mágico para nós dois como eles falam, quem sabe a gente não repete, mas, a princípio, seria somente hoje e isso se você se sentir realmente atraída pelo tal Valentim. Apesar de que eu ainda não ter certeza se ele é mesmo a melhor escolha…
Ela me olhou intrigada, certamente duvidando das minhas intenções e isso ficou claro na sequência:
- Não quero que você transe com a Adriana!
- Nem pensei nisso.
- Ah tá… Não, né!? Me engana que eu gosto, senhor Túlio…
- Sério! Não pensei mesmo. Mas é claro que eu vou querer a minha vez no futuro, só não sei quando, nem com quem.
- Mas eu… eu… não sei se gosto dessa ideia.
- Qual é, Andressa!? Somos um casal, lembra? Direitos iguais: se você pode, eu também posso!
- Eu não com isso não, Túlio!
- É pegar ou largar? Se quiser mesmo ir para o tudo ou nada, eu também terei a minha vez.
Ela me encarou com uma expressão invocada, não respondendo a minha proposta, mas vindo com outra informação:
- Tá. Isso a gente conversa sobre isso depois... Deixa eu te falar, o Valentim já chegou e veio acompanhado.
- Como é que é?
- É! Ele e o Celão. Esse é o outro PA da Adriana, o mesmo que a gente encontrou no shopping naquela vez.
- Bom, isso dificulta um pouco mais as coisas…
Ela apenas deu de ombros e seguimos até próximo de uma área coberta lateral onde todos conversavam animadamente, rindo e brincando entre si. Assim que pus os pés lá, o Valentim veio me cumprimentar com um abraço gentil, afinal, já nos conhecíamos do churrasco do Celsinho. O tal do Celão já estava abraçado por trás à Adriana, encoxando-a descaradamente:
- Celão, não sabia que você vinha hoje. – Falou o Alvarenga, mas, antes de qualquer resposta, já foi me apresentando: - E esse aqui é o Celão, Túlio, outro amigo íntimo nosso, aliás, íntimo da minha esposa.
- Isso! Da esposa, né, Alvarenga! Não me comprometa, cara. - Ele concordou, dando uma risada e me esticou a mãozorra na minha direção, e ainda brincando com ele, disse: - Até parece que vou querer essa bunda branca aí...
Se o Valentim já era grande, o tal Celão era imenso! Um negro de pele bem negra mesmo, quase preta, alto, forte, mas não um forte cultivado em academia, era da natureza dele. O seu braço era mais grosso que a minha coxa e a sua força naturalmente descomunal, porque quando apertou a minha mão, pensei que fosse me quebrar os dedos, tanto que pediu desculpas após o meu gemido de dor, soltando-me:
- Foi mal, cara, foi mal... Às vezes exagero sem querer. - Explicou-se: - Tá tudo bem, né?
- Estou bem. Fica tranquilo... - Respondi.
- Então, Alvarenga, eu não vinha mesmo. Só que já vinha trocando umas mensagens com a Drizinha e ela me contou do seu aniversário aqui. Daí calhou de eu passar pela cidade hoje e pensei em vir dar um abraço, se é que você me entende?
- Abraço, né? O aniversário é meu, mas o abraço é ela quem ganha - Resmungou o Alvarenga.
- Ah… Tá com ciúme, tá? - Disse o Celão, rindo: - Vem cá, bebê, vem que o titio também te dá um cheiro, vem…
- Sai pra lá, seu nojento! Vá dar cheiro nas tuas negas… - Disse o Alvarenga tentando se soltar do abraço do Celão, naturalmente em vão.
Após o Celão lhe dar um beijo no pescoço, ele o soltou e falou:
- Nega nada, Alvarenga, hoje vou de loirinha… - E encarou a Andressa, continuando: - Talvez de moreninha também.
Um silêncio abrupto surgiu pela forma como eu e a Andressa o encaramos. A Adriana nem deu tempo de um mal entendido começar e já foi dizendo:
- Eles não são do meio, Celão. - Mas me encarou e, sorrindo, disse: - Quero dizer, não são ainda! Quem sabe hoje a Dre não desencanta, né, amiga?
- Ué! Precisando de uma mãozinha… - Disse o Celão, abrindo a chulapa daquela mão que mais parecia uma raquete de tênis.
Andressa deu uma risada nervosa e negou instintivamente com um movimento de cabeça, certamente imaginando que se o ditado estivesse certo e uma certa parte da anatomia dele corresponder ao tamanho da mão, aquele cara seria quase um tripé. Ele, aparentemente sem entender a recusa da Andressa, perguntou:
- O quê? Não gosta de negão? - Falou sorrindo.
- Acho que ela ficou com medo do tamanho da sua “mão”. - Retruquei, sem tirar os olhos dele.
- Ahhh… Tem motivo para ter medo de mim não, tem branquinha? – Deu uma gargalhada e olhou para a Adriana.
- Olha… - A Adriana gargalhou alto e já foi explicando: - Eu não indico para uma primeira vez! Depois que você treinar com o Valentim um pouco, até acho legal se arriscar, mas hoje, eu não indico.
- Oxi, mulher! Tá queimando o meu filme?
- Tô não, seu negão gostoso do caralho, mas ela… - Adriana olhou e veio abraçar a Andressa: - Ela é novatinha, cara! Tem que começar devagar, né…
- Mas eu sei fazer devagar…
- Sabe nada!
- Sei sim!
Ficaram nessa discussão, brincando, se tocando, rindo. O Alvarenga me pediu ajuda para acendermos a churrasqueira e colocarmos algo para preparar. Fiquei meio sem jeito de deixar a Andressa com a Adriana e os outros dois, mas ele me pegou pelo braço e foi me conduzindo até a cozinha:
- Só vão conversar, cara. Relaxa!
- Porra, Alvarenga, qual é!? Eu já não estava confortável com um e agora aparece outro, e... e... Porra! E ele é dez mais safado do que o primeiro!
- Calma, Túlio, relaxa. Eu também não esperava, mas não vejo problema algum, afinal, ambos são de confiança. Fica sussa que tá tudo sob controle! Ah, e como eu te disse, se você não se sentir à vontade, pode abortar a qualquer momento. O importante aqui hoje é que todos aproveitem, entendeu?
Abortar já me parecia uma boa opção, porque relaxar, eu simplesmente não conseguia. Pegamos algumas vasilhas com carnes e voltamos até o rancho da churrasqueira do outro lado da piscina. Ao passarmos por eles, a Andressa me olhou sem saber o que fazer, mas eu não a culpava, porque eu também não sabia. O Valentim seguia conversando algo com ela, tentando quebrar o gelo, enquanto o Celão papeava animadamente com todos ali.
No rancho, fui buscar um saco de carvão num canto mais afastado e quando voltei, não havia ninguém mais onde antes eles estavam e isso me incomodou mais do que eu imaginava. Olhei para o Alvarenga que já cortava e temperava alguns cortes de carne, mas antes que eu pudesse perguntar, vi surgirem o Valentim e o Celão, carregando uma imensa caixa térmica como se fosse um isopor. Chegaram e a colocaram próxima à geladeira:
- Bebe uma cervejinha aí, Túlio? - Perguntou-me o Celão.
Assenti com a cabeça e ele pegou quatro latões da caixa térmica, entregando uma para cada um. Assim que as abrimos, o Valentim brindou:
- Aos amigos!
Brindamos com ele e o Celão retrucou:
- Ao Flamengo!
- Tá de palhaçada, né, tição? Aquela bosta de timeco!? Não viu a surra que ele tomou ontem? O São Paulo, logo o time das gazelas, colocou o Flamengo de quatro… de quatro, cara! - Falou o Alvarenga, gargalhando: - Ainda bem que você tem uma cabeça pensante aí embaixo, porque a de cima é caso perdido.
- Vai se foder, ôôô Alvarenga! Respeita o meu Mengão…
A partir daí a conversa virou uma palhaçada só entre eles. Eu ainda não me sentia parte da galera e mais ouvia do que falava, mas sempre tentando ser cordial e educado com todos. Colocamos algumas carnes para assar e nos sentamos numa mesa. Logo, a Adriana surgiu e arrastou o Alvarenga para o lado, falando algo em seu ouvido e pela forma como ele me olhou, meio que sorrindo, acredito que era sobre mim e a Andressa. Ele disse mais alguma coisa que pareceu não agradá-la, mas ele insistiu e ela se deu por vencida. Ele retornou para à mesa e logo as duas apareceram. A Andressa trazia uma travessa de salada e a Adriana outra com arroz branco. Depois, a minha esposa veio se sentar ao meu lado e a Adriana entregou uma caixinha para o seu marido. O Valentim já parecia saber do que se tratava e me perguntou:
- Joga um truquinho, né, Túlio?
- Cara, eu jogava bastante na faculdade, mas já faz um tempão que não bato um carteado.
- Bora, cartear então. Vamos dar um intensivão pra tu! - Disse o Celão.
O Alvarenga separou os reis do baralho e os embaralhou debaixo da mesa, colocando as cartas ocultadas em cima da mesa. Cada um escolheu uma: eu e o Celão tiramos os reis pretos, formando uma dupla; Valentim e Alvarenga formariam a outra:
- Nunca aprendi a jogar isso… - Resmungou a Andressa.
- Cola em mim que eu te ensino, princesa. - Falou o Celão.
- Nada disso! - Falou o Valentim: - Fica aqui que eu e o Túlio vamos te explicando durante a partida.
- Corta prazeres do caralho! - Resmungou o Celão: - A mulher é dele, mané, não é tua não!
- Mais um motivo para ela ficar aqui com ele então. - Retrucou o Valentim, puxando um fósforo para o seu lado: - Um ponto pra mim só por essa invertida.
- Vai tomá no meio do teu cu, folgado do caralho! Dá essa bosta de palito aqui e dá logo essas cartas. - Disse o Celão.
A Andressa pegou no meu braço e ficou prestando atenção enquanto jogávamos. Eu e o Valentim nos dividimos em ensinar o básico, naipes, cartas boas, manilhas e ela seguia interessada, aprendendo. Eu e o Celão ganhamos a primeira partida com uma trucada de seis do meu parceiro que tinha um Zap contra um Sete Copas do Valentim. Depois, eles ganharam a outra partida, demoradamente disputada ponto a ponto. Na terceira, na última jogada, o Alvarenga enrolou o meu parceiro que tomou uma trucada de Espadilha, matando o seu dois de Ouros na última rodada:
- Dois de Ouros, Celão? Pode fazer tempo que eu não jogo, mas eu sei que isso não é carta para chamar... – Resmunguei.
- Foi mal, parceiro. Pensei que ele estivesse blefando.
As meninas pediram para tentar uma partida com os vencedores, mas assim que eu me levantei, o Alvarenga, com a desculpa de cuidar da churrasqueira, pediu que a Andressa tomasse o seu lugar e a Adriana o meu:
- Eu olho lá, Alvarenga, pode ficar aí. - Falei.
- Relaxa, Túlio! Gosto de churrasquear. Deixa as meninas aí e vamos tomar uma branquinha que eu ganhei de um amigo de Minas. - Foi a resposta dele.
Assim que nos aproximamos da churrasqueira, a, no máximo, oito metros de onde a partida começava, o Alvarenga, após nos servir uma dose de uma Salineira, falou:
- A Adriana me disse que você está disposto a deixar rolar se a Andressa quiser. É verdade isso?
- Sim e não! Eu só espero que não aos “finalmentes”. Ainda estou meio... sei lá.
Ele tomou mais uma dose e me serviu outra:
- Sabe, Túlio, as pessoas têm uma ideia errada de nós, os maridos cornos…
Eu virei a dose e o olhei, levantando os ombros, pronto para negar o óbvio e ele sacou de antemão:
- Tá! Você não é, ainda! - Frisou, já colocando uma terceira dose: - Como eu dizia… Fazem uma ideia errada porque acham que somos frouxos, fracos, ruins de cama, até gays… Ih, cara, pensam horrores! Só que é justamente o contrário. Um homem, para chegar ao ponto de liberar a sua mulher para outro, tem que ser muito macho, seguro de si e do seu casamento.
- Ainda estou tentando me convencer disso.
- Só queria te dar os meus parabéns, cara! Hoje eu tenho um orgulho muito maior de te chamar de meu amigo, justamente pela sua coragem. Parabéns, mesmo!
- Acho cedo para comemorar… - Resmunguei, virando uma talagada que descia macia junto das demais.
- Não! De forma alguma! Você é um cara ímpar, extremamente corajoso e generoso. Quero que saiba que eu estarei aqui e vou ajudá-lo no que precisar durante essa passagem.
- Você fala como se já tivesse tudo certo para acontecer…
- Vai acontecer, isso é certo! Talvez não hoje, não amanhã, mas é questão de tempo. Quando se toma uma decisão como a que você tomou, é uma questão de tempo.
Olhei na direção da Andressa que parecia estar se divertindo na partida e falei meio emocionado:
- Eu só espero não me arrepender, cara. Eu amo demais a Andressa. Espero de coração estar fazendo a coisa certa.
- Você não vai se arrepender e digo mais, vai gostar tanto que irá querer repetir. Vai por mim, o negócio é viciante.
Fiscalizamos o ponto das carnes, mudamos algumas de posição, acalmamos uma parte do braseiro e voltamos para a mesa. A tal “Sorte de Principiante” reinava absoluta no local, porque a dupla formada pelo Valentim e pela Andressa já tinha ganhado uma e dava de nove a três na segunda. Nesta rodada, a Andressa vinha imbatível, segurando o casal preto nas mãos. Após a Andressa fazer a primeira de Espadilha, o Celão, tentando amedrontá-la, trucou num blefe. A Andressa o encarou com uma deliciosa carinha invocada e falou bem baixinho, delicadamente:
- Seis!
- O QUE VOCÊ DISSE MULHER!? – Gritou o Celão e insistiu, dando dois tapas na mesa: - Tira o pau da boca para falar comigo, porra!
- SEIS, SEU FROUXO DO CARALHO! - Ela soltou a voz, gritando alto, e ainda o insultou na sequência: - Você só tem tamanho, Celão, aposto que deve ser broxa também.
O negão ficou branco e todo mundo gargalhou da cara de surpresa que ele fez. Após alguns instantes, todos ficaram em silêncio, aguardando o desfecho, mas ele antes olhou para o Alvarenga e resmungou:
- Sacanagem, cara! Cês contaram para eles que eu falhei na última?
O Alvarenga negou com um movimento de cabeça e gargalhou alto:
- Claro que ninguém falou nada, seu burro, mas agora você é réu confesso!
O Celão olhou de soslaio para mim e depois para a Andressa que o encarava de olhos arregalados. Ele tentou se justificar:
- Só aconteceu uma vez! E, na minha defesa, eu já tinha dando uma com a Adriana.
- E eu com isso!? Vai aceitar os meus seis ou não, Celão? – Andressa insistiu, tentando fazer um sorriso malvado, mas que só a deixava mais graciosa.
- Vai! Já fodeu mesmo. Joga aí! - Ele respondeu.
Adriana virou o Zap na mesa e começou a comemorar, aliás, todos riam e zombavam do Celão, mas o Valentim ainda tinha mais uma para ensinar:
- Dressinha, presta atenção: quando teu oponente for folgado e você tiver um Zap na última rodada, principalmente se encerrar a partida, pega a carta, lambe o verso e cola na testa do burro que te chamou. - Ele pegou a carta e fez o que falava, terminando por dar um tapaço com a carta na testa do Celão que não teve nada a fazer a não ser aceitar.
A gargalhada foi geral porque a cara do Celão, irritado e inconformado era hilária. Pedi para tirar novas duplas, mas o Valentim disse que iria usar o banheiro e esticar um pouco as pernas. Isso não seria problema algum se a Andressa também não tivesse se levantado, dizendo que iria pegar uma caipirinha. Meio sem reação, acabei me sentando e formando dupla com o Alvarenga, enquanto a Adriana jogaria com o Celão. Para meu alívio, logo a Andressa voltou, mas emburrada, com um biquinho que eu conhecia bem, tudo porque a caipirinha havia acabado. O Valentim voltou e tomou conhecimento do seu problema, anunciado num quase grito de inconformismo pela Adriana, ele se encarregou de preparar uma nova. Assim que ele se afastou, o Alvarenga olhou para a Andressa e pediu:
- Andressa querida, será que você não poderia pedir para o Valentim dar uma olhada na carne lá para mim também, por favor.
Ela foi até onde ele já cortava alguns limões e conversou com ele, chamando a sua atenção para a churrasqueira que ele foi verificar, ajustando alguns espetos. Ficaram de papo por lá mesmo que, dada a distância, eu não conseguia ouvir, mas certamente devida estar bom, pois ela sorria a todo o momento, isso quando não deixava escapar uma risada mais alta. A minha atenção seguia dividida entre a partida e a minha esposa, o que, naturalmente, prejudicava o meu rendimento na jogatina. Eu observava os dois se entrosarem mais e mais a cada momento, e sabia disso porque ela já não me procurava com o olhar há um tempinho, e isso fazia eu me sentir muito mal. A Adriana entendeu de imediato o que se passava comigo e colocou a sua mão sobre a minha, puxando-me para perto dela e cochichando no meu ouvido um simples:
- Relaxa, amigo. Ela não deixará de ser a sua esposa e irá amá-lo ainda mais depois de hoje.
[CONTINUA]
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