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E
ra uma vez num quarto escuro. Com os pulsos sangrando cortados e marcas de duas tentativas de enforcamento. E o ódio, que não se diferia de decepção, por mim mesmo, e por tudo o que conheci até então.
O quarto tem muito sangue, lençóis, tapete, celular. Paredes. Até na porta. E no corredor. Foi uma noite inquietante.
Me sinto fraco além do comum.
Me arrependo?
Não é esse o sentimento.
Mesmo se pudesse voltar e refazer todas as escolhas, não me satisfaria.
Não existe nada que eu queira alcançar.
Cheguei em um ponto sem retorno.
Não existe ninguém que me faça sentir algo.
Esposa. Filhos. Pais. Não me importo com nenhum deles, não mais.
Será que um dia me importei?
Como alguém se torna o que sou?
Onde me perdi?
Ou sempre fui assim? E essa é a verdade que escondi até que a tristeza se revelou inexorável?
Imagino a decisão de partir como uma balança.
De um lado está tudo o que importa, ou deveria importar. A família, os amigos, as coisas conquistadas, e o que se pretende conquistar.
Do outro lado estão os alicerces do suicídio, o medo, a dor, a previsão de fracasso em qualquer futuro possível.
Ao longo de toda a vida sempre pensei em partir, mas, por que eu continuei aqui?
Não sei.
Existiram outras tentativas, em outras idades, assim como as dessa noite, todas falharam, mas, hoje não vou aceitar uma falha como resposta final.
Aconteceu o previsível.
Tudo se tornou o mesmo, escuridão.
E nada mais se difere.
Se antes a balança pendia um pouco para cada lado, dependendo do dia e da hora.
Hoje não há mais nada, o mesmo peso para tudo.
Sem que nada importe.
A grande faca na altura do peito.
O salto. De cima da cama até o chão.
A perfuração.
O adeus.
Enfim, a satisfação de ser parte do nada.
MISSA NOTURNA
Será que é sempre assim?
Ao morrer nascemos em algum outro lugar?
Ou sou especial?
Não. Não eu.
Pude rir.
Se da última vez nasci chorando, dessa nasci gargalhando.
Quase não enxergava.
E até pensei que era cego.
A passagem do tempo atordoava.
Uma falha? Por que eu me lembro da última vida?
E que vida de merda.
Queria esquecer.
Me forçava a esquecer.
Todas as vezes que lembrava de um rosto, focava em outro ao redor.
E eram muitos.
Órfãos.
Vários rostos.
Engatinhavam comigo.
Choravam. Eu não. Permanecia lá, observando ao redor.
Vi a chuva de relâmpagos rosados.
Vi a neve como cinzas.
E o calor das noites.
E percebi que as meninas eram adotadas mais facilmente.
As orelhas, puxadas, longas, diferindo das orelhas das órfãs e órfãos, essas eram as orelhas das duas sacerdotisas que administravam e cuidavam do lugar.
Elas sempre estavam cobertas, como se fosse uma burca religiosa. Negra, com véu na frente do rosto, exceto quando perto das crianças menores.
Levei anos para ver elas sem a parte de cima da vestimenta, encontrando as estranhas orelhas.
Os cabelos dos humanos diferiam do comum, brancos, pretos, castanhos, azuis, verdes, dourados, rosados, alaranjados, não sei, acho que vi todas as cores.
Curiosamente, uma das sacerdotisas era ruiva. A outra tinha cabelos castanhos.
Em geral, todos eram humanos, só alguns com cabelos em cores estranhas.
A diferença eram Fœscéláscas, a ruiva, e Erdréccia, a morena, elfas? Monstruosidades? Entre os fios de cabelos da ruiva se viam dois chifres.
Ao redor, não era uma cidade.
Era uma floresta.
A altura me dava medo.
A ruína era erigida por raízes de uma árvore que sustentava toda a construção em três andares. Com um andar vazio, amplo, abaixo dos demais, sem paredes, apenas os alicerces e os galhos que seguravam o chão do templo.
Ao redor, outras árvores ainda maiores, algumas com vinte ou trinta metros, outras gigantescas, douradas, em até setenta metros do caule às copas frondosas cheias de galhos verdejantes.
Abaixo, árvores menores, muitas cortadas adentrando as águas de um rio largo e profundo, de forte correnteza.
Se viam peixes em muitas cores e tons, com a natureza florescendo harmoniosamente ao som de pássaros e de seres rastejantes, nenhum desses advindos da Terra, todos segundo a própria evolução nesse outro mundo.
Aprendi a língua antes de ter forças para me manter em pé.
E depois esqueci a outra língua. A do outro mundo, meu mundo.
Não, meu mundo é esse! Queria queimar as outras memórias.
Eu sou esse mundo. Esse mundo sou eu.
Perdi rostos e memórias.
O casamento estava lá, mas, com quem?
E quem eram as pessoas que diziam me amar? E quando eu deixei de acreditar nelas?
Somente uma lembrança não se desfigurava, a última noite. As outras eram confusão.
Era normal que a noite permanecesse por várias noites? E o dia por várias dias?
Eu dormia e passava o tempo estudando com a espada.
E era noite. Eu acordava, repetia o treino com outros órfãos, e era noite. E dormia, e acordava e era noite.
Não era o comum?
Depois o mesmo com o dia.
Três ciclos de sono por noite.
Três ciclos de sono por dia.
Não.
Lá era diferente. Um ciclo com dia e noite por sono.
Seriam setenta e duas horas de noite. Setenta e duas horas de dia.
Um dia de cento e quarenta e quatro horas.
Qual será o tamanho desse planeta?
A única coisa que percebi é que não foi pensado para a vida humana.
Apenas uma lua, como na Terra.
E uma estrela.
Eu completava dez anos quando percebi, não existiam visitas exceto por uma fhauren chamada Svellyrianna.
Ela tinha uma carruagem e levava e trazia os órfãos.
Não se explicava quase nada.
Talvez pela idade.
Aos dez anos aprendi a palavra, fhauren.
Uma fhauren era uma outra espécie, vou chamar elas de ninfas, pois é o que mais se assemelha com minhas memórias.
Eram nascidas da natureza, e não precisavam do sexo masculino para isso.
Nasciam em árvores, e eram raras.
Não se alimentavam.
Não iam ao banheiro.
E nunca as vi dormindo.
Fœscéláscas, a ruiva. Assim como Erdréccia, sempre se vestia de preto.
Roupas largas cobrindo quase todo o corpo, com exceção dos pés e das mãos.
Ela quase não falava com os menores.
Sempre se afastando, principalmente dos órfãos do sexo masculino.
Era a que mais me atraía.
Ela tinha uma bunda tão enorme, que mesmo com as vestes sacerdotais por vezes se via os contornos do corpo.
E esse era outro problema.
Meu corpo infantil. Minha mente atormentada de adulto.
Eu queria foder as duas.
A outra, Erdréccia, de longos cabelos castanhos e escuros. Ela tinha algo diferente, tatuagens.
Eu vi, subiam pelo braço, mesmo que ela sempre usasse as vestes negras, uma vez, enquanto ventava, a manga longa do manto eclesiástico subiu, e eu vi, desenhos em formas estranhas, negros na pele parda bem clarinha.
Que tipo de sacerdotisa tem tatuagem?
O orfanato era também um templo.
O altar ficava no centro, desabado por tanto tempo que a vegetação esverdeada já cobria as paredes.
As raízes também tinham uma escadaria, bem no centro da construção, de lá se alcançava o rio e a margem desse.
De baixo, olhando a construção, parecia prestes a desabar.
Colhíamos nas hortas. Pescávamos. Preparávamos as comidas. Limpávamos o lugar.
Era uma vida tranquila, com brincadeiras na beira do rio.
As noites eram claras e quentes.
Os dias cobertos por brumas e gélidos em todas as estações.
Por vezes a água até congelava perto das margens.
Eu queria aprender mais, mas as sacerdotisas sempre evitavam qualquer palavra com aqueles do sexo masculino.
Elas só falavam com as meninas, que repassavam as ordens aos meninos.
Nem mesmo éramos permitidos no templo durante os cultos. Só entrávamos lá para limpar e fazer orações.
O símbolo era o mesmo, uma cruz, mas não existia bíblia nem nenhum ensinamento que eu conhecesse.
Aliás, se quer recebíamos ensinamentos religiosos.
Eram orações sobre fartura, e pedidos de boas colheitas, além de agradecimentos pelo teto e pela flora e pela fauna.
Talvez tenha sido curiosidade.
Talvez eu só estivesse entediado.
Numa das noites, depois do treino, já usando escudo e espada, depois do banho no rio retornei ao quarto.
E enquanto os outros garotos dormiam, me esgueirei até o terceiro andar.
De lá alcancei o templo pelo teto.
Minha sombra foi projetada na parede oposta, e me abaixei, rastejando cinco metros acima do chão, onde, diante do altar, Fœscéláscas ajoelhada se masturbava.
Ela usava a cruz, em ouro, e enfiava fundo, até não conseguir mais enfiar.
Ela gemia baixinho. De olhos fechados. Mordendo os lábios.
Prata se via no colar dela, afiado no que parecia machucar a pele, arranhando conforme ela se movia. Era um tipo intrincado de cilício.
O pendante era grande, férreo, chegando até os seios.
Braceletes nos dois braços e pulseiras nos dois pulsos, ambos de prata, cilícios afiados arranhando a pele branca.
Sem as vestes episcopais, eu via o corpo dela.
Seios fartos, com mamilos invertidos.
Abaixo deles, mais ferros machucando a pele, parecia um tipo de renda em prata, o mesmo que se via no lugar da calcinha, que não existia, eram só esses ornamentos estranhos e que feriam.
As coxas grossas e a bunda gigantesca apontando na minha direção.
Meu caralho tão duro que comecei a bater uma punheta no ritmo que ela atolava a cruz na boceta.
Entre os fios longos e vermelhos, chifres, curtos, o que dava a ela uma feição única, que não combinava com nenhum animal, e que distorcia a imagem humana.
As velas ao redor bruxuleavam nos vitrais em azul, amarelo, e tons de bronze, alguns ainda quebrados, refletindo a luz lunar que era intensa.
Lá, toda noite era lua cheia.
Lá, toda noite tinha oração restrita das sacerdotisas.
Será que ela se masturbava sempre?
Um breve suspiro me tomou, esperança talvez, tinha algo lindo para ver todas as noites.
E quando Erdréccia estava presente, o que acontecia? Será que elas se masturbavam juntas? Ou a ruiva era algum tipo de rebelde?
FHAURA
— O que temos aqui? — meu corpo infantil tinha gozado seis vezes, eu estava concentrado na ruiva, hipnotizado pelos piercings nos mamilos dela, pelas curvas e pela bunda colossal, e nas tatuagens dela me imaginava lambendo e mordendo. Não vi o manto negro, onde não se via nem os olhos, se aproximar. — Então. Se explique.
Envergonhado, levantei erguendo as calças.
Foi nesse instante que Erdréccia se virou para o andar de baixo e viu a ruiva se acabando na masturbação compulsiva.
A sombra refletida na parede, advinda do brilho da lua cheia, chamou a atenção da ruiva, que segurou as veste e se virou para o telhado:
— Quem está aí?
— Eu, sua puta. E esse pequenino aqui. — ela segurou meu braço e eu me revelei. — Se vista, e vamos pensar numa punição para o humano.
Fui levado até o último andar do orfanato.
Lá, existia uma cama grande, e algumas velas iluminando o lugar. Era o escritório também, com uma mesa ampla e muitos papéis por cima, com penas e tinteiros.
Nas paredes, de forma circular, um armário com livros cingia o cômodo.
— A quanto tempo vocês estavam lá? — Fœscéláscas inquiriu com receio.
— Cheguei no momento em que me viu. O mocinho estava lá, você gozou? — Erdréccia falava casualmente, como se acostumada com expressões vulgares, o que destoava da aparência dela coberta pelo véu e vestes negras.
— Não.
— Ela não era excitante o bastante?
— Não é isso. Ainda não sai nada. — expliquei.
— Os meninos demoram mais tempo que as meninas. Entre os humanos. — Fœscéláscas justificou. E me surpreendeu. — E há excitação, sem a porra?
— Sim, muita. — a conversa deveria ser constrangedora, mas elas agiam naturalmente, então, fiz o mesmo. — Foram seis vezes, até eu ser pego.
— Parabéns. — Erdréccia demonstrava certa admiração. O que me empolgou:
— Seriam mais, se eu pudesse. — imaginei que nesse mundo isso fosse normal, então tentei. A pica fazendo curva nas roupas apertadas e curtas, isso só de olhar a ruiva sem o véu, com ela ainda usando a estola clerical.
— Esse é um templo à mãe das fhaurens. Fhaura, a Deusa da Luxúria. Que os homens chamam de Deusa da Devassidão. Lá, diante do altar, não se deve esconder o prazer, é pecado.
— Perdão, por ter pecado. — não controlei o riso. E me dirigi à Erdréccia. — Com o perdão da ousadia, você ora igual a ela?
— O que quer dizer garoto? — a aspereza dela me fez gelar. — Faz pouco de nossa criadora? Ri, de nossos costumes?
— Perdão. — me ajoelhei. A ira dela me fez perceber que falei demais. — Minha dúvida era outra. Não tive a intensão de a ofender. E nunca teria tal intensão. Devo minha vida às duas. E, adianto, a Deusa de vocês, é também a minha. Lhes juro.
— E qual era a sua intensão?
— Ele queria se você também gozava como eu. — a ruiva foi assertiva.
— É isso? Que criança. Eu gozo ainda mais que ela.
— Deve ser esplendido. — assumi. E a desafiei. — Se possível. Me permita assistir?
— Esse é ponto. — a morena explicou. — Você não tem o direito de me espiar. Ou de espiar qualquer cuidadora. Minha resposta seria sim, se você não tivesse a profanado com seu olhar.
Maldição! Eu tinha mesmo chance?
Não. Ela está falando isso para me torturar?
— Por outro lado. É uma grata surpresa. O tesão do menino. — a ruiva se aproximou e tirou as minhas mãos de cima da minha calça, o membro estava lá, duro. — Isso pode ser algo bom.
— É perigoso. Não vale a pena.
— Só se existir penetração. Um pouco de exibição será o suficiente. Para ele, e para nós.
— Para você, Fœscéláscas. Fale por si. Me desagrada ele ser tão novo e agir dessa forma, nos estuprará, se baixarmos a guarda.
— Jamais! — ainda ajoelhado. Garanti. Eu tinha meus erros, mas, estuprador é demais até para mim. — Eu juro! Faço o que for necessário para provar.
— Qualquer coisa?
— Tudo.
— Tudo é tanto. Uma criança não pode responder tamanha vastidão e ser levada a sério.
— Até a morte. — imaginei que elas não me matariam. Então, garanti. — Pega o punhal e me acerta no peito.
— Assim, seríamos como a sua espécie. Que abusa e mata por razões tolas. Somos fhaurens. Escuta com atenção. Teu teste será outro.
— Que pensas, Fœscéláscas?
— Retira teu manto, e me acompanha. — a ruiva tomou a frente após deixar cair as vestes, e nua ela caminhou. A morena deixou as vestes ali e a seguiu.
Não sabia se era para fazer o mesmo, mas não perdi a chance.
As segui, nu, correndo pela escadaria que guiava de volta ao altar do templo.
CRUZ
A cruz tinha trinta centímetros, em ouro, até o limite, no oposto, pouco mais de dez centímetros.
A ruiva, permanecendo excitada, me encarava, predadora, ela ficou com a parte mais ampla da cruz.
Erdréccia, enfim revelando a nudez, me atraía com dois piercings em cada mamilo.
Cilícios nos braceletes e punhos, com o metal, em bronze, acompanhando as voltas dos seios.
Nesses, os piercings dos mamilos tinham correntes que se ligavam aos cilícios, finas e delicadas, descendo pelas costas dela, como uma calcinha fio dental atolada na bunda enorme.
Nas coxas grossas mais cilícios.
As tatuagens dela, negras, nas coxas, braços, ombros. Quase como a ruiva, que tinha tatuagens nos ombros, braços e costas. Padrões tribais, sem sentido para mim.
A parte menor da cruz atolou na boceta da morena.
E as duas, de pernas abertas, se revelando para mim, me observavam.
— Seu teste é não se tocar. E não nos tocar. Mostre que não é um animal.
Minha rola dura colocava em dúvida o exigido pela ruiva.
Por outro lado, eu sempre me controlei.
E não seria diferente nesse mundo.
Ambas vasculharam o chão, e moveram uma rocha, ali uma coroa de espinhos e prata foi segura por Erdréccia, que se coroou.
Depois de um tempo, gozando, com as duas segurando as próprias mãos, forçando até o limite do que atolava a boceta delas, elas viraram de costas uma a outra.
A cruz agora com o lado maior em Erdréccia.
Ela enfiou no cu. E foi engatinhando para trás, até que Fœscéláscas fez o mesmo.
Elas empurravam uma na outra.
E os dedos se atolavam nas bocetas molhadas.
Nenhuma tinha pelos.
As duas tinham bocetas com lábios saltados, tatuados ao redor até perto da cintura, acostumados às fodas das orações, ou talvez mais, um passado obscuro.
Elas gozavam metendo pelo cu.
O que era impressionante.
Em determinado momento, minha pica começou a escorrer porra, e elas foram atraídas pelo cheiro.
Os olhos dela, vidrados em meu sexo.
Elas se controlaram, e depois me beijaram, nos cabelos negros, e saíram, colocando a cruz em cima do altar:
— Você passou no teste. Se orgulhe, humano.
O PACTO FOI FIRMADO
Os poucos garotos partiram.
Foram para a guerra contra o chamado Principado das Potestades.
Uma criatura do oceano.
Um demônio, diziam.
— Existe magia aqui? — Erdréccia me levou para caçar. Avançávamos pela floresta quando a questionei.
Não tinha voltado a espiar as sacerdotisas, mas notei que as orações aumentaram após minha visita naquela noite.
Elas se masturbavam compulsivamente.
— Magia? Não. Existiu um dia, mas é uma história antiga.
— Sou bom escutando histórias. Pode me contar.
— Quem sabe outro dia. Agora você tem que prestar atenção nos rastros.
— Não consigo ver nada. — eu era péssimo em rastrear. Quase sempre tinha brumas, e a umidade era tanta que tornava quase sereno o ar comum, que, de dia, ainda era pior, gélido. — Você consegue mesmo ver os rastros?
— Claro que sim. Talvez você seja jovem demais. Ainda não é a hora correta para você.
— Não diga isso, só não tenho prática. E você é uma péssima mestra. — ela não ensinava nada, era praticamente andar por horas em buscas de rastros.
— Você não presta atenção. Se fosse Fœscéláscas você até decoraria os movimentos. Aposto que pode desenhar as tatuagens dela.
Não disse nada, mas realmente tinha desenhado as tatuagens dela num caderno enquanto estudava a linguagem local.
— Se não existe magia, como existe um demônio? — insisti.
— Ele não é um demônio mesmo. É como os humanos chamam eles. É um povo que vive no fundo do oceano. Eles estão aumentando as águas, subindo o oceano. Dizem que um dia todo o mundo estará embaixo d’água.
— Isso é impossível. Seria muita pressão... — decidi não usar meus conhecimentos do outro mundo. — E existem muitas outras raças?
— Não mais. Eram milhares. Dezenas de milhares. E agora são poucos, com os humanos ainda sendo alguns milhões. De resto não deve existir uma dezena de milhar unindo todas as raças.
— Sinto muito.
— Pelo quê? Você é só um menino.
— Um menino humano. — observei. O arco nas minhas mãos, a flecha lá, apontada para algo que eles chamam bílseis, animal quadrúpede, com longos chifres, semelhante ao cervo de pelos brancos cujas colunas saem para fora, ósseas, ligadas aos chifres.
Disparei.
Errei, por muito.
— Caralho... — puto, fui atrás da flecha com a criatura correndo e desaparecendo na neblina.
A flecha tinha se quebrado.
Minha vontade era chorar, mas me contive.
Aquilo tinha se repetido por dias.
— Talvez você devesse ter escolhido outro dos garotos, para ficar.
— Você é uma boa escolha. Seu vigor. Na punheta. Tem que transferir isso para outras áreas da vida.
— Não existe mesmo magia? — de todos os mundos que podia reencarnar, logo um sem vantagens? Eu era uma pessoa normal!
— Por que está tão fixado nisso? Encare a realidade. Vamos, vou te ensinar o que fazer quando estiver sem flechas.
Finalmente algo de útil!
A segui e fomos até uma árvore.
Erdréccia me ensinou a escolher a madeira perfeita, e depois cortamos parte do tronco.
Não podia usar os galhos. Nem as raízes.
As flechas precisavam ser feitas de troncos.
Ali improvisamos um acampamento.
E das folhas venenosas imbuímos a madeira, lascada lentamente.
As flechas encheram as aljavas.
— Você não sabe sobre as fhaurens? Sobre a luxúria delas? É por isso que não nos teme? — o assunto veio numa noite, conforme nos escondíamos após semanas na floresta.
Somente Erdréccia caçava para me alimentar, e minhas falhas se acumulavam.
— Tudo que sei é o nome. E que nascem de árvores.
— Não está errado. Agora, a maldição. Se não dispensarmos nossos desejos sexuais, sofremos de insanidade de depravação. Nos tornamos loucas ao ponto de buscar sexo em tudo, e todos.
— Parece algo terrível. — e maravilhoso ao mesmo tempo.
— Agora vem o pior. Se realizamos sexo com humanos, ou qualquer macho de outra espécie. Conjuramos um averno. Não é imediato, mas ele sempre vem. Pode levar dias, há relatos de fhaurens e humanos que viveram por meses juntos até a aparição. E com essas criaturas eclodem os desastres.
— Desastres?
— Cidade se tornam ruínas. E os machos que são atirados ao redor do mundo.
— Isso é absurdo, como assim?
— Ninguém sabe ao certo, no entretanto, num ataque averno o que há ao redor é atirado por dimensões obscuras que interligam pontos do planeta que estão distantes. Não há relatos de sobreviventes machos, por outro lado, as fêmeas são poupadas.
— Os avernos as engravidam?
— Eles tentam.
— Você já viu um deles?
— Não.
A história parecia uma besteira inacreditável.
— E já viu uma fhauren enlouquecer por não ofertar tesão à Deusa?
— Também não...
Novamente outra história sem pé nem cabeça.
Não era possível.
Ou era?
De qualquer forma, aquele mundo era físico, como a Terra.
Sem magia.
Não fazia sentido existirem criaturas bizarras e maldições.
— Já conheceu alguém de outra raça, fora humanos e fhaurens?
— Nunca.
Suspirei.
Talvez fossem mitos.
Qual era a chance disso tudo existir?
Resolvi arriscar e criar algo bom para mim:
— Me oferto a vocês. Você e Fœscéláscas. Para seus rituais, podem me usar.
— Você não compreende. Esse mundo nos odeia. Vivemos isoladas de grandes reinos. Lá, somos escravizadas. Nos colocam para abusos com animais, e os humanos aplaudem isso. Por que você se ofertaria para nossos rituais?
— Quero ser útil. Nisso eu prometo, virilidade e perversão.
— O averno te buscará. Não vale a pena arriscar...
— Como não? Vejo vocês, se masturbando sempre. Quase sem parar. Mesmo aqui, quando você se afasta, sei o que vai fazer. Não é melhor viver sem esse tormento? Lembro quando viu meu sêmen. Isso ajudará com sua condição?
— Certamente. — ela caiu em tentação e retornou a si na mesma velocidade. — Não, é muito arriscado.
— Eu suporto. Exijo enquanto homem o auxílio de seu lar. Não ficarei sem que nada possa ofertar. Ou fico como marido das duas, ou parto para nunca mais voltar.
— Não. Fique. — ela pensou e propôs o pacto. — Se caçar um bílseis, então será digno. O fará só.
— Considere feito. — me afastei. E quando seguíamos por caminhos diferentes escutei:
— Tiev! — era meu nome nesse mundo. — Se for digno, serei seu receptáculo de porra! Lhe juro!