O som dos passos de Antônio ainda ecoava nos ouvidos de Cassiano, mesmo depois que o prédio ficou em silêncio. Ele desceu as escadas com pressa, quase tropeçando, as mãos suando e as pernas trêmulas. O coração martelava no peito como um tambor de guerra, cada batida mais forte que a anterior.
A luz quente do sol o atingiu em cheio quando saiu do prédio. O ar parecia mais pesado, quase sólido. Ele foi visto. Antônio o tinha visto ali, vulnerável, exposto, com a porra da calça aberta. A vergonha queimava na pele como ácido, e a imagem do rosto de Antônio — mesmo que ele não tivesse conseguido ver claramente — grudava na mente dele como uma sombra.
"Ele viu. Porra, ele me viu."
Cassiano apertou os olhos e tentou controlar a respiração, mas o peito subia e descia rápido demais. O estômago se revirava, e por um momento ele sentiu que fosse vomitar ali mesmo, bem no meio do estacionamento. O mundo ao redor parecia distorcido, fora de foco. Estudantes passavam ao longe, rindo, conversando, suas vozes soando como um zunido irritante nos ouvidos dele.
"Será que ele já contou? Será que alguém já sabe?"
Cada risada parecia um deboche. Cada olhar parecia carregado de uma mensagem secreta. Cassiano atravessou o estacionamento com passos rápidos, como se estivesse sendo seguido, mesmo sabendo que não havia ninguém ali.
Quando entrou no carro e bateu a porta com força, o silêncio finalmente o envolveu. Ele ficou ali parado, as mãos agarradas no volante, os dedos tão apertados que as articulações arderam. A respiração ainda estava irregular, os olhos fixos no vazio à frente.
"Calma... calma, caralho."
Mas não havia calma. O silêncio do carro não ajudava. Pelo contrário, só amplificava o eco do que acontecera minutos antes. O medo subia pela garganta como um gosto amargo, enquanto as imagens continuavam a voltar, mais vívidas, mais brutais.
Antônio. Ele viu.
O que ele faria agora? Iria direto para a reitoria? Contar para alguém? Mostrar a porra de um vídeo? Um arrepio frio subiu pela espinha de Cassiano. Ele sentiu o estômago se revirar e o rosto queimar de vergonha.
Por um instante, ele pensou em ligar o carro e ir embora dali. Ir para casa, para qualquer lugar onde pudesse respirar. Mas ele sabia que não podia. Era uma fuga temporária, e fugir só tornaria tudo pior. Se Antônio realmente estivesse prestes a derrubá-lo, ele precisava estar presente, atento, e não sumir como um covarde.
Cassiano soltou o volante e passou as mãos pelo rosto, respirando fundo, mesmo que o ar entrasse cortado e irregular. Ele precisava voltar. Precisava entrar naquela sala de aula, dar sua aula e fingir que nada estava acontecendo. Ele era professor, afinal. Ele tinha uma máscara para manter.
— Porra... — murmurou para si mesmo, com a voz trêmula.
Abriu a porta do carro com um movimento brusco e saiu, o vento batendo em seu rosto quente. Parou no meio do estacionamento por um segundo, os olhos fechados e a respiração pesada. Quando abriu os olhos de novo, já estava decidido.
"Finge. Finge que está tudo bem. Ninguém sabe. Ainda não."
Caminhou de volta para o prédio com passos firmes, como um homem marchando para o cadafalso. O corredor já estava cheio, alunos passando apressados, as vozes e risadas preenchendo o espaço como um zunido insuportável. Ele não olhava para ninguém, mas sentia os olhares em si, como facas invisíveis.
Cada rosto parecia suspeito. Cada grupo que cochichava, rindo baixo, o fazia imaginar:
"Eles sabem. Antônio contou. Ele me entregou."
Quando finalmente parou diante da porta da sala de aula, seu peito doía de tão rápido que o coração batia. Ele respirou fundo e empurrou a porta, entrando.
A sala estava cheia, o som das vozes abafado conforme os alunos se acomodavam. Cassiano entrou e caminhou direto até a mesa, os passos firmes demais para não parecerem forçados. O coração ainda batia rápido no peito, o suor frio colava a camisa no corpo, mas ele mantinha o rosto fechado, como uma máscara.
Largou a mochila sobre a mesa, tirou os papéis e os jogou com um movimento seco. Tudo para manter as mãos ocupadas, para ignorar o olhar que ele sentia vindo de todos os lados. Sua própria respiração soava alta demais no silêncio que começava a se instalar.
Ele virou para encarar a turma.
— Vamos começar. Abram no capítulo...
A voz soou firme, mas dentro dele, tudo estava desmoronando. Ele mal conseguia ouvir o que dizia, as palavras saindo de sua boca como um automatismo. Os alunos o olhavam, alguns escrevendo, outros apenas fingindo prestar atenção. Mas Cassiano não conseguia parar de olhar para o fundo da sala.
A cadeira de Antônio estava vazia.
O estômago dele afundou. As mãos começaram a suar de novo, e o papel que ele segurava parecia mais escorregadio. Ele tentou continuar:
— ...no capítulo 6, sobre os movimentos de resistência...
Mas a mente já tinha saído dali. Cada segundo que passava, a ausência de Antônio martelava mais fundo na cabeça dele. "Onde ele está? Será que ele foi...?"
A reitoria. A porra da reitoria. Ele já podia imaginar Antônio entrando na sala, com aquele sorrisinho de lado, contando tudo para os superiores, entregando ele. Sua carreira, sua vida... tudo desmoronando em questão de minutos.
— Professor?
A voz de uma aluna o fez piscar rápido, voltando à sala. O olhar dela era preocupado. Ele tossiu, balançou a cabeça e tentou sorrir.
— Sim... prossiga com a leitura.
As palavras saíram trêmulas. Ele se sentou na borda da mesa, mantendo o olhar fixo nas folhas à sua frente, mas sem enxergar nada. O relógio na parede parecia mais alto que o normal, cada tic-tac soando como um aviso de que algo estava prestes a explodir.
"Calma, ele não pode... ele não faria isso. Não agora. Não tão rápido..."
O ranger da porta interrompeu tudo.
A sala inteira virou o rosto para a entrada, mas Cassiano não precisou olhar. Ele sabia. Sentiu o peso daquele olhar antes mesmo de levantar os olhos.
Antônio entrou devagar, a mochila pendurada em um ombro, os passos arrastados e insolentes. A porta fechou com um baque baixo, mas foi o suficiente para o silêncio tomar conta da sala. Cassiano sentiu o coração subir até a garganta, a respiração travando.
Ele não desviou o olhar. Antônio caminhou sem pressa até a última fileira, como se estivesse em casa. Não pediu desculpas, não deu nenhuma explicação. Apenas jogou a mochila no chão, sentou-se de qualquer jeito e esticou as pernas à frente, relaxado, largado, como sempre.
Cassiano observou tudo em silêncio, o rosto quente e as mãos trêmulas ao lado do corpo. Antônio não olhou para ele. Nem por um segundo. Ele simplesmente pegou uma caneta da mochila e começou a girá-la entre os dedos, o olhar perdido, como se não tivesse nada a ver com aquilo.
E isso foi o pior.
Cassiano esperou uma palavra. Um comentário. Um olhar. Qualquer coisa que confirmasse que Antônio estava ali para destruir ele. Mas não veio nada. O silêncio de Antônio enchia a sala como uma nuvem espessa, sufocando o ar, esmagando cada grama de controle que Cassiano ainda tentava segurar.
"Por que ele não fala? Por que ele tá tão quieto?"
Cassiano voltou para a mesa e agarrou os papéis com força, tentando se concentrar, mas as palavras estavam borradas. Ele não conseguia ver, não conseguia pensar. A única coisa que ouvia era o som do relógio, e o único movimento que via era a caneta de Antônio girando entre os dedos, ritmada, provocativa, como um aviso silencioso.
Cada segundo naquela sala era uma tortura. Antônio estava ali, presente, mas ausente ao mesmo tempo, como se dissesse: "Eu sei. Eu vi. E vou esperar até o momento certo para acabar com você."
Tentou continuar a aula, mas a voz saía fraca, e ele mal sabia o que estava dizendo. A sala parecia menor, mais quente. As paredes o apertavam, e o peso do olhar invisível de Antônio era insuportável.
Quando finalmente deu o horário, os alunos começaram a fechar os livros e sair, as cadeiras rangendo contra o chão. Antônio continuou sentado, sem se mexer. Ele deixou que todos saíssem antes, o olhar ainda fixo em algum ponto na janela, a caneta girando.
Cassiano ficou parado junto à mesa, o peito apertado e a garganta seca. Ele esperava que Antônio o encarasse antes de sair. Esperava que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa, só para que aquilo acabasse logo.
Mas não. Antônio levantou-se devagar, pegou a mochila com um movimento preguiçoso e caminhou até a porta. Só então, por um breve segundo, ele parou e virou o rosto. Não sorriu. Não disse nada. Apenas olhou para Cassiano — um olhar direto, profundo, carregado de algo que ele não conseguia decifrar.
Depois, saiu.
A porta fechou-se com um baque que ecoou pela sala vazia. Cassiano sentiu as pernas fraquejarem e afundou-se na cadeira mais próxima, as mãos cobrindo o rosto. O silêncio o envolveu mais uma vez, agora pesado e mortal.
"Ele não precisa falar nada. Já me destruiu por dentro."
A sala estava vazia, mas o som da porta batendo ainda ecoava na cabeça de Cassiano. Antônio tinha ido embora sem dizer nada. Sem provocar. Sem rir. E isso era o pior de tudo.
"Ele está esperando. Jogando comigo. Filho da puta."
Passou a mão pelo rosto, os dedos pressionando as têmporas. A cabeça latejava. O corpo inteiro doía, como se cada músculo carregasse o peso da humilhação e do medo. Ainda sentado, ele olhou ao redor da sala vazia, como se pudesse se esconder ali por mais alguns minutos. Mas não havia onde fugir.
O celular vibrou no bolso. O som fez seu peito apertar. Por um segundo, ele achou que fosse Antônio.
Engolindo seco, puxou o aparelho com dedos trêmulos. Quando viu o nome na tela, sentiu um breve alívio misturado com tensão.
Jorge: "O jantar está confirmado. Espero você às 20h. Precisamos conversar."
Ele ficou olhando para a mensagem por alguns segundos, o coração ainda batendo forte, como se o corpo estivesse tentando se recuperar do dia inteiro de tormento. A mensagem parecia inocente, mas a frase "precisamos conversar" trouxe um peso adicional.
"Será que ele sabe de alguma coisa? Não, impossível... Mas o que ele quer conversar?"
Respirou fundo, tentando organizar os pensamentos. Jorge era um amigo, um colega respeitado na universidade. Talvez fosse bom sentar com ele. Falar. Talvez, só talvez, ele pudesse ajudá-lo a colocar a cabeça no lugar. Cassiano sabia que precisava de alguém. Não aguentava mais carregar aquilo sozinho.
Mas então a outra parte da mente veio, cruel e impiedosa:
"Se ele souber... Se ele descobrir o que você fez, o que Antônio viu, ele nunca vai olhar na sua cara de novo. Jorge é respeitado. Diferente de você."
Empurrou o pensamento para o fundo da mente e se levantou da cadeira. As pernas estavam pesadas, e o corpo inteiro parecia esgotado, mas ele ainda tinha uma coisa a fazer. O jantar seria sua chance de conversar, de ouvir uma voz que não fosse a sua própria consciência se destruindo.
"Você só precisa se recompor. Fingir que tá tudo bem. Por algumas horas."
***
Quando chegou ao apartamento, o céu já estava escurecendo. O lugar parecia mais silencioso do que o normal, como se até as paredes soubessem que ele estava despedaçado. Cassiano jogou a mochila em um canto e seguiu direto para o banheiro, arrancando a roupa pelo caminho.
O chuveiro quente bateu nas costas largas, mas não trouxe alívio. Ele fechou os olhos e apoiou as duas mãos na parede azulejada, sentindo a água escorrer pelo corpo. O rosto de Antônio continuava ali, fixo na mente. O silêncio dele. O olhar que dizia tudo sem precisar de uma palavra.
O rabo ainda pulsava de leve, um lembrete cruel da noite anterior. Uma mistura de dor e prazer que o fez odiar a si mesmo mais um pouco.
— Caralho, para com isso... — murmurou entre dentes, forçando-se a ignorar os pensamentos.
Quando saiu do banho, passou as mãos pela cabeça careca e encarou o espelho. O rosto estava cansado, as olheiras mais fundas do que o normal, e o crucifixo de ouro brilhou sob a pele molhada do peito. Ele ficou ali por um momento, olhando para si mesmo, tentando encontrar algo familiar naquele reflexo.
"Você não pode desmoronar agora."
Vasculhou o armário até encontrar algo que considerou aceitável: uma camisa simples e calça escura. Nada chamativo. Nada que pudesse dar margem para mais pensamentos tortos. Quando terminou, pegou a chave do carro e saiu.
***
No caminho até a casa de Jorge, o silêncio do carro o deixou sozinho com os próprios pensamentos. A mente continuava voltando para Antônio.
"Ele não falou nada. Mas ele sabe. Ele viu. E eu sei que ele vai usar isso contra mim. É só questão de tempo."
Apertou o volante, o peito pesado, a respiração curta. Por um segundo, pensou em virar o carro e ir para qualquer outro lugar. Mas Jorge estava esperando, e ele não podia dar o luxo de perder o único contato que ainda parecia confiável.
O jantar talvez fosse uma distração. Talvez ele conseguisse segurar a máscara por mais algumas horas.
Quando Cassiano estacionou o carro em frente à casa de Jorge, ficou ali por um segundo, as mãos ainda no volante. Respirou fundo e olhou para a fachada iluminada. Tudo parecia calmo demais. Seguro demais.
"Você consegue. Finge que tá tudo bem."
Abriu a porta e saiu, ajustando a postura, os ombros largos erguidos como uma armadura. Mas, por dentro, Cassiano estava ruindo.
***
Jorge abriu a porta com o mesmo sorriso calmo e seguro de sempre. A casa estava iluminada, cheirando a vinho e especiarias, um contraste gritante com o caos que fervilhava na mente de Cassiano.
— Pontual como sempre, Cassiano. Entra.
Cassiano forçou um sorriso, assentindo enquanto passava pela porta. Tentou manter a postura firme, o rosto sério, mas a tensão pesava nos ombros. Jorge percebeu — claro que percebeu. Ele era um homem atento.
— Se sente à vontade. A casa é sua.
A sala estava acolhedora, com uma iluminação suave. A mesa de jantar estava posta com simplicidade, duas taças de vinho e um prato de entradas já à espera. Cassiano largou a mochila perto da porta e seguiu Jorge até a mesa, as mãos nos bolsos da calça para disfarçar os dedos trêmulos.
— Bebe alguma coisa? — Jorge perguntou, já segurando a garrafa de vinho tinto.
Cassiano assentiu. Ele precisava beber. Precisava de algo que aliviasse o peso esmagador que sentia no peito. Jorge serviu as taças com movimentos calculados, os olhos observando Cassiano de canto enquanto ele se sentava.
— Você tá bem, Cassiano? — A voz de Jorge veio baixa, mas firme, como a de alguém que não aceita respostas vazias.
Cassiano ergueu a taça e deu um gole grande demais, o vinho descendo quente e rápido.
— Sim. Só cansado. Foi um dia longo.
— Um dia longo ou alguma coisa te incomodando?
Os olhos de Jorge pareciam atravessá-lo. Cassiano desviou o olhar e bebeu mais um gole, tentando não pensar no peso que aquelas palavras carregavam. Mas ele sabia que não conseguiria segurar aquilo por muito tempo. A garrafa de vinho seria a responsável por arrancar dele o que estava enterrado.
Os minutos avançaram, e a comida foi servida. Jorge, como sempre, conduzia a conversa com naturalidade, falando de trabalho, dos alunos e de reuniões intermináveis na universidade. Cassiano tentava responder, manter o diálogo, mas sua mente continuava voltando para o mesmo lugar: Antônio. O olhar dele, o silêncio, o que ele podia estar fazendo agora.
Cada gole de vinho tornava o mundo um pouco mais lento, mais turvo. Cassiano já não conseguia fingir com tanta habilidade. A postura estava relaxada demais, e os olhos começavam a perder o foco. Jorge percebeu, apoiando os cotovelos na mesa e encarando-o de frente.
— Cassiano, o que tá acontecendo?
A voz dele era séria agora, mas ainda cuidadosa, como quem pisava em um campo minado. Cassiano abriu a boca para dizer algo, mas as palavras não vieram. Ele baixou os olhos para a taça e girou o vinho dentro dela, as mãos trêmulas.
— Nada, Jorge. Nada.
— Para de besteira. Tá na cara que tem alguma coisa errada.
Cassiano respirou fundo, as narinas dilatando, o peito pesado. Ele sabia que Jorge não ia deixar passar. E parte dele queria contar. Parte dele precisava contar.
— Eu... — começou, a voz falhando. Ele mordeu o lábio e fechou os olhos. — Eu fui ao prédio velho hoje. O arquivo morto.
Jorge franziu o cenho.
— O que você tava fazendo lá?
Cassiano abriu a boca, mas as palavras não saíram. A garganta estava seca. Ele bebeu mais um gole do vinho, longo, e soltou o ar devagar. O rosto queimava, o corpo inteiro estava quente.
— Eu precisava ficar sozinho. — A voz saiu baixa, quase um sussurro. — Precisava me aliviar.
O silêncio na sala ficou pesado. Jorge não disse nada por alguns segundos, como se tentasse processar. Quando finalmente falou, a voz veio calma, mas firme:
— E alguém te viu? Foi isso?
Cassiano assentiu, os olhos fixos no fundo da taça. Ele não conseguia olhar para Jorge.
— Antônio.
O nome saiu quase como uma maldição, e o coração de Cassiano afundou ainda mais. Finalmente, ele olhou para o rosto de Jorge, esperando uma reação — choque, nojo, raiva — mas não veio nada disso. Jorge apenas ficou ali, pensativo, como se estivesse calculando cada palavra antes de dizê-la.
— Esse Antônio... é aquele aluno? O que te dá trabalho?
— Sim.
— E ele disse alguma coisa?
Cassiano balançou a cabeça negativamente, os ombros caindo um pouco.
— Não. Não disse nada. Só... tava lá. Me viu e saiu. Desde então, ele não fala nada. Não faz nada. Mas eu sei... eu sei que ele tá esperando alguma coisa. Ele vai acabar comigo, Jorge.
As últimas palavras saíram mais altas, como se Cassiano estivesse lutando para conter a própria voz. Jorge observou o amigo em silêncio, os olhos firmes, mas não julgadores.
— Você tá se torturando sozinho, Cassiano. — Jorge finalmente disse, a voz baixa, mas firme.
— Se ele não fez nada até agora, talvez ele não faça. Talvez ele só... não se importe.
Cassiano soltou uma risada amarga.
— Ele se importa, Jorge. Eu vejo nos olhos dele. Ele sabe que tem o poder agora. Ele tá só esperando pra usar isso contra mim.
Jorge ficou em silêncio novamente. Ele pegou a garrafa e serviu mais vinho para os dois. O som do líquido quebrando o silêncio parecia quase ensurdecedor.
— Escuta, Cassiano. — Jorge voltou a falar, com a voz mais séria. — Isso é grave. Você precisa ser cuidadoso. Não pode dar mais motivo pra esse moleque. Se ele quiser te prejudicar, ele vai. Mas ficar nessa paranoia só vai destruir você antes que ele tenha chance.
Cassiano abaixou a cabeça, os olhos ardendo. Por um segundo, ele achou que fosse chorar ali, na frente de Jorge. Mas se controlou. Ele não podia cair mais baixo.
— Você promete que não vai mais voltar naquele prédio? — Jorge perguntou, quase como um pai falando com um filho problemático.
Cassiano assentiu, mesmo sabendo que não era uma promessa que ele podia garantir.
— Obrigado, Jorge. — murmurou, sem olhar para o amigo.
O silêncio voltou a reinar na sala, mas agora era um pouco menos sufocante. Jorge pegou um prato e começou a recolher os restos do jantar, deixando Cassiano sozinho com sua taça de vinho quase vazia.
Ele olhou para o reflexo da própria mão tremendo no vidro da mesa. As palavras de Jorge ecoavam na cabeça dele, mas o peso do olhar de Antônio ainda estava lá, gravado em sua pele.
"Ele tá só esperando."