A sala estava mergulhada em silêncio. Jorge havia se recostado no sofá depois de ouvir a confissão de Cassiano. Ele estava calmo, mas não desinteressado. Observava o amigo como quem examina um problema complicado, mas que ainda pode ser resolvido.
Cassiano, por outro lado, estava despedaçado. Sentado no sofá com os cotovelos apoiados nos joelhos, ele segurava a cabeça entre as mãos, os olhos fixos no chão como se quisesse abrir um buraco ali e se enterrar. A garrafa de vinho quase vazia e as taças abandonadas sobre a mesa eram testemunhas do peso da noite.
— Você não pode continuar assim, Cassiano. — A voz de Jorge finalmente cortou o silêncio. Era firme, mas carregada de cuidado.
Cassiano não respondeu. Ele sentiu Jorge se mexer ao lado, aproximando-se mais um pouco. O calor da presença dele pareceu invadir o espaço entre os dois.
— Você vai deixar esse moleque te destruir? — Jorge perguntou, mais próximo agora.
Cassiano soltou um riso fraco, amargo, ainda sem levantar o rosto.
— Ele já me destruiu, Jorge. Eu tô fodido. Só falta o mundo saber.
Jorge ficou em silêncio por um momento. Cassiano sentiu a mão dele pousar em seu ombro, um toque firme e quente, diferente de qualquer coisa que ele estivesse acostumado. Aquilo o fez se encolher levemente, mas não se afastar.
— Escuta. Não importa o que ele viu, não importa o que ele faça. Você ainda tem o controle, mesmo que não pareça. — Jorge apertou o ombro dele de leve. — Mas você tem que parar de se destruir antes que ele consiga.
Cassiano finalmente levantou o rosto. O olhar que ele encontrou no de Jorge era intenso, sério, mas carregado de algo que ele não conseguia nomear. Não havia julgamento. Não havia desprezo. Era cuidado.
Por alguma razão, isso o deixou ainda mais frágil. Ele sentiu os olhos arderem e desviou o rosto, mordendo o lábio para conter a raiva, a vergonha, o nó na garganta que parecia crescer cada vez mais.
— Eu não sei como fazer isso. — murmurou, quase como um sussurro.
Jorge se inclinou mais para perto, o rosto agora a centímetros do dele. Cassiano sentiu o cheiro sutil do perfume de Jorge misturado ao vinho, algo limpo, masculino, completamente diferente do cheiro de suor e luxúria que ele conhecia tão bem. Era uma presença que o fazia se perder.
— Você não precisa saber. Só precisa confiar.
O tom de Jorge era baixo, quase íntimo, e Cassiano não conseguia desviar os olhos dele. O peito subia e descia rápido, a respiração pesada, enquanto ele sentia a tensão no ar se transformar em algo impossível de ignorar.
Por um segundo, ninguém se moveu. A sala estava quieta demais, o mundo inteiro parecia ter parado ao redor deles. A única coisa que Cassiano conseguia ouvir era o bater descompassado do próprio coração.
Então Jorge fez o que ele não esperava.
Com um movimento lento, como se estivesse dando tempo para Cassiano recuar, Jorge deslizou a mão da nuca até o rosto dele e puxou-o para perto. Cassiano sentiu o toque quente dos dedos contra a pele, e quando percebeu, os lábios de Jorge estavam nos seus.
O beijo foi calmo no início, quase hesitante, mas firme. Jorge não invadiu. Não forçou. Apenas segurou o rosto de Cassiano, prendendo-o ali, oferecendo algo que ele não sabia que precisava.
Cassiano não resistiu. Não havia violência, não havia humilhação — só o peso suave do toque e o calor dos lábios contra os seus. Ele fechou os olhos, entregando-se ao momento, sentindo o corpo inteiro estremecer. As mãos dele subiram devagar, pousando nos braços fortes de Jorge, segurando-o como se estivesse se apoiando para não desmoronar.
Jorge aprofundou o beijo, movendo os lábios com mais intensidade, a respiração quente misturando-se com a dele. Cassiano sentiu a barba roçar levemente em seu rosto, uma sensação nova, que o fez suspirar sem perceber.
Quando o beijo se desfez, os dois ficaram ali, próximos demais, as testas quase se tocando. Jorge ainda segurava o rosto dele, os olhos fixos nos seus.
Cassiano não conseguia falar. O coração batia tão rápido que ele sentia que poderia desmaiar. Jorge sorriu de leve, como se pudesse ver a confusão no rosto dele.
— Viu? O mundo não desabou.
Cassiano respirou fundo, desviando o olhar.
— Por que você fez isso?
Jorge soltou a mão da nuca dele devagar, como se estivesse com cuidado para não espantá-lo.
— Porque você precisava saber que alguém ainda tá do seu lado.
Cassiano ficou em silêncio. Aquela frase o atravessou como uma faca. Ele precisava sair dali, precisava fugir. Aquilo era demais para ele.
— Eu... eu tenho que ir. — A voz saiu baixa, quase um sussurro.
Jorge não tentou impedir. Apenas observou Cassiano se levantar, pegar a mochila com mãos trêmulas e sair sem dizer mais nada.
Quando a porta se fechou, Cassiano parou no corredor escuro, o peito subindo e descendo como se tivesse acabado de correr uma maratona. Ele levou os dedos até os lábios, ainda quentes pelo beijo, e sentiu o rosto arder.
— Que porra você fez... — murmurou para si mesmo, o som quase engolido pelo vazio.
Ele desceu as escadas apressado, como se estivesse fugindo de alguma coisa — ou de si mesmo.
A porta da casa se fechou atrás de Cassiano com um estrondo que pareceu ecoar pela rua vazia. O som o fez estremecer, os dedos apertando mais forte a alça da mochila pendurada no ombro.
Do lado de fora, a noite estava escura, o vento batendo no rosto quente dele, mas nada parecia acalmar o incêndio dentro de sua cabeça. Ele parou ao lado do carro, as mãos trêmulas enquanto tentava puxar as chaves do bolso. A respiração vinha curta, irregular, como se algo estivesse preso na garganta.
— Porra... — murmurou, jogando as chaves no capô do carro quando elas caíram de seus dedos.
Olhou ao redor, tentando se certificar de que ninguém o via, mas a rua estava deserta. Apenas o silêncio da noite, o som distante de algum carro passando na avenida principal. Por um momento, ele fechou os olhos e apertou as têmporas com força.
"Por que ele fez isso? Por que você deixou isso acontecer?"
Os lábios dele ainda estavam quentes. Ele podia sentir o toque suave, firme, gentil de Jorge, e aquilo o deixava ainda mais fodido. Gentil. Não era assim que as coisas funcionavam. Não com ele.
Abriu os olhos, encarando o reflexo distorcido de si mesmo no vidro da janela do carro. A careca brilhava sob a luz do poste, o rosto ainda quente, os olhos arregalados, como se estivesse olhando para um estranho.
"Isso não é você. Isso não é o que você precisa."
Passou a mão pelos lábios, como se pudesse apagar o que havia acontecido, mas a sensação do beijo ainda queimava ali. Aquilo tinha sido diferente de tudo que ele conhecia — diferente das mãos brutas que o jogavam contra colchões velhos, das vozes que ordenavam, das humilhações que ele tanto buscava.
Jorge não o tinha machucado. Não o tinha humilhado. E isso... isso o assustava mais do que qualquer outra coisa.
Pegou as chaves e destravou o carro, jogando a mochila no banco do carona antes de se sentar e bater a porta com força. O silêncio do veículo o envolveu, mas não trouxe nenhum alívio. Ele olhou para o painel, para o volante entre as mãos trêmulas. Sua mente girava sem controle, repetindo a mesma cena, a mesma sensação, como um disco arranhado.
— Filho da puta... — murmurou, batendo o punho fechado contra o volante. O som abafado fez eco na cabine do carro.
Por que ele deixou aquilo acontecer? Por que não se afastou? Ele sabia o que Jorge era: um amigo, um colega, alguém que ainda o respeitava. E agora? Agora ele tinha transformado tudo em uma confusão sem volta. Jorge tinha visto demais. Sentido demais.
O peito apertou, e ele passou as mãos pelo rosto de novo, respirando fundo, tentando não enlouquecer ali mesmo.
"Você não pode deixar isso acontecer. Não com ele. Não com alguém como Jorge."
Mas a lembrança do olhar de Jorge — firme, calmo, sem julgamento — o atravessava como uma faca. Pela primeira vez em muito tempo, alguém tinha visto algo nele que não era apenas um objeto. E Cassiano não sabia como lidar com isso.
Ligou o carro e saiu rápido, os pneus cantando levemente no asfalto. A direção era automática, quase sem consciência de para onde estava indo. Cada rua, cada poste passando pela janela parecia borrado. Tudo o que ele via era o rosto de Jorge, os olhos que o encararam logo depois do beijo.
"Você não precisa enfrentar isso sozinho."
Apertou os dentes, os olhos ardendo, a visão embaçando por um segundo. Ele pisou mais fundo no acelerador, como se pudesse escapar do que estava sentindo. O vento zunia pela janela entreaberta, o frio tentando apagar o calor que ainda queimava em sua pele.
Quando parou o carro, ele percebeu onde estava. O estacionamento deserto da faculdade, onde o prédio velho, com suas paredes mofadas e corredores escuros, se erguia como um gigante adormecido. Cassiano ficou parado, as mãos ainda no volante, o motor desligado.
— Não... não aqui.
Ele soltou o ar com força, a respiração tremendo. Por que tinha voltado ali? Ele sabia a resposta, mesmo sem querer admitir. Aquele lugar, com suas sombras e silêncio, era onde ele podia ser o que sempre foi: um lixo, um nada.
Inclinou a cabeça contra o encosto do banco, os olhos fechados. O beijo de Jorge voltava, como uma onda que o empurrava para fora do próprio corpo. A gentileza daquele toque o destruía mais do que qualquer tapa ou soco já tinha feito. Porque, pela primeira vez, ele viu a possibilidade de ser tratado como alguém.
E ele não queria isso. Não podia querer.
— Porra... para com isso. — murmurou entre dentes.
O telefone vibrou no console ao lado. Abriu os olhos e olhou para a tela. Uma nova mensagem. O coração disparou ao ver o nome de Jorge ali, brilhando na tela.
Jorge: "Espero que tenha chegado bem. Não precisa se fechar, Cassiano. Quando estiver pronto, estou aqui."
Soltou o celular no banco, como se aquilo o queimasse. A raiva subiu como um fogo dentro dele, misturada com algo que ele não queria nomear. Medo. Medo de ser visto, de ser conhecido. Medo de que alguém como Jorge pudesse enxergar quem ele era de verdade e, ainda assim, não o desprezar.
Passou a mão pelos lábios uma última vez, o toque do beijo ainda ali, e saiu do carro. O prédio velho se erguia à sua frente, sombrio e convidativo.
Sabia o que precisava fazer.
O vento soprava pelo estacionamento vazio, fazendo as folhas secas girarem pelo chão. Cassiano ficou parado diante da entrada, os ombros caídos, as mãos apertando os bolsos da calça como se tentasse conter o que quer que estivesse crescendo dentro dele.
"Eu não devia estar aqui."
Ele sabia disso. Mas ao mesmo tempo, ali era o único lugar onde podia ser nada. O prédio não exigia nada dele. Não pedia que ele se explicasse, que se mantivesse de pé, que fosse alguém digno de respeito. Não era como Jorge. Não era como aquele beijo.
Subiu as escadas devagar, os passos ecoando pelo prédio vazio. O som era quase ensurdecedor, mas ele não se importava. Subia sem pressa, sentindo o corpo ainda pesado, como se carregasse todos os pecados do mundo. Cada degrau parecia puxá-lo mais fundo para dentro de si mesmo.
Quando chegou ao terceiro andar, ele parou diante da porta do arquivo morto. A madeira velha ainda tinha a mesma aparência, como se o tempo não passasse ali. Cassiano respirou fundo e empurrou a porta devagar.
O interior da sala era escuro, os móveis empoeirados e as prateleiras de ferro cobertas por pastas esquecidas. A luz fraca que entrava pelas janelas quebradas dava ao lugar um aspecto sórdido e acolhedor ao mesmo tempo. Cassiano avançou alguns passos, parando no centro da sala.
Ficou ali, parado, o corpo imóvel, mas a mente girando sem parar. O silêncio era ensurdecedor, mas diferente da casa de Jorge, onde o cuidado havia o sufocado, aquele lugar oferecia um tipo perverso de alívio. Ali, ele não precisava ser forte. Não precisava ser ninguém.
Deixou a mochila cair no chão e levou as mãos à cabeça, os dedos apertando o couro cabeludo. O peito arfava, a respiração curta e pesada. Ele estava cansado de se esconder. Cansado de sentir.
O beijo de Jorge voltou como um soco no estômago, fazendo-o estremecer. Ele ainda podia sentir a firmeza das mãos dele, o calor dos lábios, a suavidade do toque. Era como se algo dentro de si tivesse sido exposto, arrancado à força de um lugar onde ele não queria que ninguém olhasse.
— Porra... — murmurou, a voz quebrada.
Abriu o cinto com mãos trêmulas e desceu o zíper da calça. O pau já pulsava, duro, pressionando contra a cueca, mas não era por Jorge. Ele não queria que fosse por Jorge. Queria apagar aquela sensação, afundar em algo mais sujo, mais familiar.
Se ajoelhou no chão empoeirado, entre duas prateleiras, e enfiou a mão dentro da cueca, segurando o pau quente e pulsante. Fechou os olhos com força e deixou as imagens virem: as mãos brutas, os machos sem rosto, o cheiro de suor, as vozes graves ordenando.
"De quatro, cadela. Cala a boca e aguenta."
O corpo de Cassiano estremeceu, os movimentos rápidos e desesperados. Ele queria esquecer. Queria apagar a lembrança de Jorge, do beijo que o tratou como alguém. Ali, no arquivo morto, ele podia se perder. Podia ser nada.
— Isso... — murmurou entre dentes, os dedos apertando mais forte.
As imagens se misturavam: as noites no clube, os homens segurando seus quadris, fodendo sem dó, cuspindo nele. Isso era real. Isso ele conhecia. Isso não pedia nada dele além de ser um buraco a ser usado.
Mas então, sem aviso, o rosto de Jorge apareceu em sua mente. O olhar calmo, a voz baixa dizendo: "Você não precisa enfrentar isso sozinho." A lembrança do beijo invadiu tudo, empurrando as imagens sórdidas para o fundo.
Cassiano parou. O corpo inteiro tremeu como se tivesse levado um choque. Ele abriu os olhos, o suor escorrendo pela testa, o pau ainda pulsando entre os dedos. A respiração estava descontrolada, os olhos arregalados.
— Não... não... não! — sussurrou, como se estivesse brigando com a própria mente.
Soltou o pau e caiu sentado no chão, as costas batendo contra a prateleira. As pastas de cima tombaram, espalhando papéis antigos ao redor dele, mas ele não se mexeu. Ficou ali, as mãos nos joelhos, o peito subindo e descendo enquanto tentava recuperar o controle.
— Que porra você tá fazendo, Cassiano? — murmurou, a voz quase inaudível.
A luz da sala parecia mais fraca agora, como se estivesse o engolindo. Ele ficou ali, sozinho, ouvindo apenas o som da própria respiração e o eco das palavras de Jorge.
"Você não precisa enfrentar isso sozinho."
Fechou os olhos e deixou a cabeça tombar para trás, encostando na prateleira. Ele se sentia perdido, preso entre o mundo sórdido que ele conhecia e a possibilidade de algo diferente — algo que ele não sabia como lidar.
O silêncio era quase absoluto. A respiração ainda estava irregular, os olhos agora estavam fixos no teto escuro, como se buscassem alguma resposta ali.
A luz fraca das lâmpadas piscou de novo, deixando a sala ainda mais sombria.
"Você tá se perdendo. Tá indo longe demais."
Fechou os olhos novamente, tentando ignorar a própria mente. A lembrança do beijo de Jorge ainda latejava na pele, misturando-se com a vergonha, o medo e o rabo ainda pulsante do encontro da noite anterior. Cassiano se sentia à beira de um colapso.