Naquela noite, o telefone tocou, e ao atender, era Jordana, a meia-irmã de Gustavo, me ligando como ela mesma havia falado. Mas a pergunta era: Porque me ligar a essa hora? A curiosidade era maior do que qualquer coisa, então iniciamos a conversa até este ponto:
— Daniela, espero não estar incomodando. Eu... preciso de um conselho. Não da pra falar muito com o meu irmão, então eu acredito que com outra mulher, eu consiga uma luz. — disse ela, sua voz suave, mas carregada de emoção.
— Claro, Jordana. Sobre o que gostaria de falar? — respondi, curiosa sobre o motivo da ligação.
Um silêncio se fez na linha por alguns segundos antes que eu ouvisse uma respiração profunda. Ela hesitou por um momento antes de continuar:
— Há alguém... Alguém que eu não vejo há anos. Ele era muito importante para mim, nos conhecemos ainda quando pequenos, eu sempre fui apaixonada por ele. Mas me mudei para a Europa. Sabe, eu e Gustavo somos irmãos somente de pai, e ocorreu um episódio entre meu pai e minha mãe, enfim... O que ocorre é que eu e essa pessoa nos afastamos. Agora o reencontrei, e ele parece tão perdido, tão triste. Não sei como me aproximar dele sem parecer invasiva.
Meu coração acelerou. Não sei se por causa da história, ou se tinha algo a mais, mas eu podia sentir um misto de emoções em Jordana, algo parecido com o que eu sentia. Eu a senti sendo quase minha cúmplice.
— Bem, Jordana, se você realmente se importa com ele, talvez o melhor seja ser sincera. Mostre que está disposta a ouvi-lo, sem julgamentos. Às vezes, apenas saber que alguém se importa pode fazer toda a diferença.
Jordana permanecia em silêncio, ouvindo o que eu tinha a dizer, enquanto comentava sobre o que eu achava que ela deveria fazer. Continuei.
— As vezes, uma presença do passado pode fazer a diferença para ele, principalmente se ainda existem sentimentos entre vocês. Convide-o para sair e abra seu coração, Jordana.
Ela suspirou do outro lado da linha. O tom de voz ao me responder, parecia de alívio.
— Obrigada. Eu precisava ouvir isso. E você, Daniela? Como está? Parece que sua voz carrega um peso também.
Jordana havia me pego desprevinida. Surpresa pela pergunta, hesitei antes de responder:
— Acho que também estou enfrentando uma encruzilhada. — Continuei. — Eu e o sr. Gustavo, acabamos nos envolvendo mais do que eu queria. Não sinto estar apaixonada por ele, mas me encanta certas coisas que vivo com ele, e ao mesmo tempo estão me dando medo. E tem outra pessoa.
— Outra pessoa? — Perguntou Jordana. — Conte-me mais.
— Sim. Meu namorado, ou ex namorado, é bem confuso o que somos. Mas eu o amo. Amor, eu só sinto por ele, mas eu me peguei não me sentindo eu mesmo com ele, e terminamos. Estou com o sr. Gustavo, mas sei que não passará do que temos. Eu não sei o que fazer.
Jordana ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder:
— Eu entendo como é estar dividida. Mas, às vezes, o coração sabe a resposta antes de nós. Você só precisa ouvir a si mesma, Daniela. Não ignore o que sente, mesmo que pareça complicado. — Ela continuou. — Quanto a Gustavo...
— Sim.
— Desista dele, Daniela. Gustavo não é o tipo de homem que vai te dar um futuro, ele vai apenas destruir a sua vida a longo prazo. Estou te dando esse conselho pois considero você uma amiga por estar me ajudando. Volte para o seu namorado, esqueça tudo o que aconteceu com o Gustavo, esse tipo de vida não vai te fazer bem. Gustavo é tipo de pessoa que usa um brinquedo até se enjoar, depois ele descarta. Eu não quero ver você quebrada igual eu já vi outras.
A conversa continuou por mais alguns minutos, cada uma de nós compartilhando um pouco de nossos dilemas. De alguma forma, mesmo sem revelar nomes, criamos uma conexão. Quando desliguei, sentia-me mais leve, mas também mais confusa. Tudo que podia dizer, é que eu estava pensando cada vez mais em Daniel.
Antes de ir dormir, tentei novamente ligar para Larissa. Mais uma vez, ela não atendeu. Meu coração estava apertado, cheio de perguntas sem respostas. Não sabia porque ela estava ignorando, mas ela não poderia agir assim pra sempre. Peguei o celular e mandei uma mensagem:
"Larissa, eu sei o que você está fazendo. Sei o que você contou para o Daniel e o que tem tentado com ele. Preciso de respostas. Por favor, me liga."
Esperei por um tempo, mas nenhuma resposta veio. A angústia me consumia. Na verdade, eu já nem esperava mais qualquer contato de Larissa. Quando me deitei na cama, parei para pensar o quanto eu fui boba e ingênua ouvindo ela. Mas será que realmente isso é culpa da Larissa e de sua influência? Não, eu só estava tentando me inibir, pois a culpa foi minha e de minhas escolhas, e agora eu teria que lidar com cada uma delas.
Mais tarde naquela noite, antes de pegar num sono, para minha surpresa, meu telefone tocou. Era Daniel. Meu coração disparou ao atender.
— Oi, Daniela — sua voz estava menos triste, mas havia uma ponta de mágoa.
— Daniel, que bom que você ligou... Eu...
Ele me interrompeu:
— Antes de mais nada, me responda uma coisa. É verdade o que Larissa me disse? Você me pediu um tempo pra ser amante do seu patrão? Que merda é essa?
Fiquei em silêncio por um momento, tentando encontrar as palavras certas.
— Daniel, não é como você está pensando. Sim, eu... eu pedi um tempo sim, mas não foi com essas intenções que ela disse não! É complicado, sabe?
Ele riu, mas sem humor.
— Complicado? Daniela, eu ouvi coisas. Larissa disse...
Interrompi, com a voz firme:
— Larissa está mentindo, Daniel. Ela tem tentado se aproximar de você, e você sabe disso. Aquela sirigaita, eu nunca devia ter confiado naquela mulher! Por que está acreditando nela?
Ele suspirou.
— Não é uma questão de acreditar ou não. É que... tudo mudou entre nós, Daniela. Você se afastou. Pediu um tempo e ao mesmo tempo que se afasta, fica grudada em mim. Não somos mais o mesmo.
Meu coração doía ao ouvir aquilo. Afinal de contas, ele tinha total razão do que falava:
— Eu sei que errei, Daniel. Eu estava perdida, mas uma amiga me fez pensar hoje e sinceramente? Eu quero me reencontrar, com você. Eu quero ser seu amor, eu quero consertar as coisas. Por favor, me dê uma chance.
Houve um longo silêncio antes que ele respondesse:
— Não sei, Daniela. Talvez seja tarde demais. Boa noite.
Aquelas últimas palavras, definitivamente me quebraram completamente e eu claro, me senti a pior pessoa do mundo. Tudo o que consegui fazer no restante da noite foi chorar, as lágrimas desciam sobre meu rosto insistiam em cair sem parar, enquanto me soluçava inundada no desespero de talvez ter perdido o amor da minha vida.
No dia seguinte, fui trabalhar com a cabeça cheia. Consegui ter a minha aula com Henrique, que sinceramente, era o ponto alto do meu dia. No meio da aula, ouço alguns gritos, que pareciam ser da mãe de Henrique. Verônica apareceu no corredor, chorando, com o vestido rasgado e com um belo hematoma no rosto. Ela veio correndo, e abraçou seu filho, interrompendo a aula de piano.
— Ah meu amor... — Chorava ela, em soluços, enquanto eu a ouço, assustada. — Porque eu fui me casar com esse homem!?
— O que foi, mamãe? — Perguntou Henrique.
— Nada, filho. Só me abraça.
Logo em seguida, atrás dela apareceu Gustavo com a camisa aberta giro quase mostrando boa parte de seu peitoral e abdômen, com parte da manga da camisa rasgada e uma marca de tapa no rosto. Ficou bem claro ali que houve uma briga entre os dois, e pela primeira vez vi um lado de Gustavo ao qual eu não conhecia.
A senhorita Verônica acabou me dispensando para ir embora para casa pelo restante do dia, pois ela gostaria de ficar com seu filho. Vendo todo o clima que se formou pela casa, resolvi que o melhor era ir embora mesmo. Pedi um táxi enquanto refleti sobre tudo o que aconteceu naquela casa, e comecei a me lembrar das palavras de Jordânia, sobre o fato de Gustavo não ser aquela pessoa que eu idealizava.
O restante do dia foi sem surpresas em casa, em uma nova tentativa de contato com Larissa, sem sucesso. Pensei em passar na casa dela no dia seguinte, depois do trabalho.
No dia seguinte tive uma grande surpresa: Henrique não estava, acabou viajando com Verônica para passar uns dias na casa dos pais dela. Tudo isso por ordens de Gustavo. Resolvi ir então até a sala dele para dispensar meus serviços e ir embora, porém quando abre a porta do de cara não só com o Gustavo, mas também com um outro homem tatuado, cabelos longos amarrados em um coque, e um olhar completamente depravado para mim.
— Senhor, se não precisar de mim, eu gostaria de ir pra casa agora. — Disse a Gustavo, que riu de canto.
—Ainda não. Você fica.
Gustavo, como sempre, estava no controle, exigindo minha atenção em cada detalhe. No entanto, quando ele pediu para eu ir à sua sala, algo dentro de mim hesitou. Eu não estava no clima para suas dinâmicas controladoras.
— Daniela, permita-me apresenta-los. Este aqui é o senhor Alejandro, ele não é daqui, mas ele entende bem português. Hoje ele irá participar do nosso ritual, na verdade... Você vai servi-lo.
— O que!? — Perguntei a Gustavo, completamente atônita com o que acabei de ouvir.
— Qual parte você não entedeu, Daniela? Você vai servi-lo hoje, e preciso de você agora na sala — disse ele, impaciente.
— Hoje não, Gustavo. Não estou com cabeça para isso. Além do mais, eu não vou ficar com um sujeito como esse! — respondi, tentando manter a compostura.
Seus olhos se estreitaram, enquanto o outro homem ao fundo, fumava seu charuto. Ouço seu comentário.
—Pero qué mujer tan descarada es ésta, eh, Gustavo? jajajajaja. — Gustavo parecia bem irritado, e antes que eu pudesse reagir, ele segurou meu braço com força.
— Não aceito esse tipo de resposta, Daniela. Quando eu digo que quero algo, espero ser obedecido. Você não entendeu seu lugar ainda?
— Meu lugar? Eu não tenho um lugar, eu. — Logo, fui interrompida, com um tapa na cara que não só marcou meu rosto, como senti-o queimar.
— Você é minha puta submissa e vai servir quem, quando e aonde eu quiser! Ou eu vou ter que me livrar de você?
Sua atitude agressiva me chocou. Pela primeira vez, vi um lado de Gustavo que nunca havia imaginado. Puxei meu braço, afastando-me.
— Não vou tolerar isso, Gustavo. Estou indo embora.
Ele voltou a me agarrar, e fiquei sem reação. Me levou á força para aquela sala, onde seu sócio foi atrás. Trancou a porta, e a partir daqui, eu prefiro não comentar o que aconteceu. Saí da mansão com o coração acelerado, desesperada, machucada, violada, e decidida a nunca mais voltar.
Enquanto o motorista do Uber me levava para casa, todos os ultimos acontecimentos giravam em minha cabeça, e eu não conseguia entender o que estava acontecendo. . Eu precisava de um tempo para pensar, para entender o que realmente queria. Mas, no caminho, algo inesperado aconteceu.
Passando por um restaurante, avistei uma cena que fez meu coração parar. Saindo do restaurante, estava Daniel, que entrava no carro de alguma mulher, que eu não conseguia saber direito quem era. Ele parecia ter uma outra feição, parecia... Feliz?
— Pare o carro! — pedi ao motorista, minha voz tremendo.
Ele encostou, e eu fiquei ali, olhando para ele, entrar no carro da mulher, e seguir, e pedi para que o motorista o seguisse, mas ele se negou, pois não era o destino do aplicativo. Desisti, vi o carro ir embora, e naquele momento, liguei desesperada para Daniel, uma incontável número de vezes que eu sequer perdi a noção.
Eu precisava saber mais. Precisava entender o que realmente estava acontecendo ali, e onde ele foi. Mas... e se não fosse nada? E se eu estivesse apenas sendo paranoica, me deixando levar pelas emoções? Ou pior, e se realmente fosse o começo de algo que eu não poderia controlar?
— Está tudo bem, senhora? — perguntou o motorista, interrompendo meus pensamentos.
Respirei fundo e forcei um sorriso.
— Sim, pode continuar, por favor.
Enquanto o carro seguia em frente, a imagem do rosto do Daniel, entrando num carro com outra mulher permanecia em minha mente. Eu sabia que, em algum momento, teria que confrontar essa nova realidade, mas, por enquanto, só queria chegar em casa e tentar colocar meus pensamentos no lugar.
Mas a pergunta que ecoava dentro de mim era clara: Será que perdi Daniel para sempre? Ou ainda havia tempo para lutar por ele?
Ao chegar em casa, joguei minha bolsa no sofá e corri para tomar um banho, estava me sentindo imunda. Logo, voltei para a sala, e peguei meu celular estava com as mãos tremendo. Reli a mensagem que havia enviado a Larissa. Ainda sem resposta. A frustração crescia a cada segundo. Até mesmo Daniel não havia me ligado.
Peguei o celular novamente e escrevi outra mensagem:
"Larissa, você tem que me atender. É sério. Preciso entender o que você está fazendo e por quê. Me responda agora, ou vou até você."
Enviei a mensagem e joguei o celular na mesa, sentindo uma raiva e uma impotência que me consumiam. Tudo parecia desmoronar.
Pensei novamente no telefonema de Jordana na noite anterior. Minhas mãos tremiam, e minha cabeça latejava. Tudo parecia fora de controle. Eu precisava de respostas, precisava entender o que estava acontecendo ao meu redor. Mas antes que pudesse organizar meus pensamentos, algo me impulsionou a sair novamente.
Pedi um novo Uber, mas, desta vez, não sabia exatamente para onde ir. Acabei pedindo para o motorista me levar até a casa de Gustavo. Talvez, lá, eu encontrasse alguma pista sobre o que estava acontecendo.
Quando o carro parou em frente a casa dele, fiquei surpresa ao ver um carro estacionado na entrada. Era o mesmo carro que havia visto Daniel entrar mais cedo com uma mulher. Meu coração começou a acelerar. O que aquilo significava?
Paguei a corrida, e saí do carro, e fiquei escondida em qualquer canto por alguns minutos, observando. Então, a porta da casa se abriu, e uma figura feminina saiu. Meu sangue gelou ao reconhecer quem era: Jordana.