Me chamem de antiquada, puritana, conservadora … eu era assim mesmo. Sempre sonhei com o combo tradicional perfeito para a minha vida adulta: esposa, mãe e dona de casa. Fui criada dessa forma, para ser fiel e submissa ao meu marido, um homem maravilhoso escolhido pelos meus pais e que eu aceitei prontamente, pois me apaixonei à primeira vista.
Bom, pelo menos, até tomar conhecimento que esse homem perfeito, na verdade, era um grande filho da puta. Um traidor ardiloso e um ser humano desprezível.
Eu sou a Elizângela ou apenas “Eli” para os parentes e amigos. Aos quarenta e dois anos e dois filhos já criados, seguindo suas próprias vidas, sou considerada uma mulher madura e gostosa. Ainda recebo elogios e olhares gulosos por onde passo. Me casei e fui mãe muito cedo e sempre me dediquei à educação dos meus filhos e aos cuidados ao lar.
Há poucos anos, entediada com a mesmice da vida cotidiana, já sem os filhos debaixo das minhas asas, fiz um curso de cabeleireira, pois o talento para o ofício sempre me acompanhou, e montei um pequeno salão nos fundos da minha casa. Foi assim que tomei conhecimento das escapadas e safadezas do meu marido. Mesmo contra todos os seus protestos, eu consegui convencê-lo a me deixar trabalhar. Não foi fácil, mas acabei ganhando aquela batalha pela simples falta de argumentos contrários.
Eu tenho 1,60m de altura e apesar da madurez, mantenho o corpo em forma e sempre tive orgulho da volúpia do meu físico. Sou geneticamente privilegiada e nunca sofri oscilações de peso. Mesmo durante as duas gravidezes. Meus seios são fartos e minha bunda é naturalmente redonda e empinada. Sou uma mulher simples, sempre de calças leggings ou bermudas de Lycra mais coladas, do estilo que se usa para malhar. Tenho cabelos não tão longos, pois o corte Chanel é o melhor para emoldurar meu estilo de rosto, de formato mais triangular.
Meu marido, o Vágner, um homem muito bonito e charmoso, sempre foi um amante fogoso. Nunca desconfiei de suas indiscrições porque ele nunca deixou de cumprir suas obrigações matrimoniais. Além de um pai participativo e zeloso, era também um parceiro dedicado e muito atencioso. Nem os vinte e poucos anos de casados conseguiu esfriar nossa sincronia sexual. Sempre transamos de duas a três vezes na semana, no mínimo.
Era um dia como outro qualquer e Suzana, minha amiga mais próxima, estava bastante quieta e tensa. Ela evitava me olhar diretamente nos olhos. Su sempre foi uma pessoa carente, introvertida, mas não comigo. Inicialmente, achei que ela pudesse estar novamente brigada com o namorado de longa data e, como eu sempre fazia, apenas esperei que ela se abrisse comigo.
Me enganei redondamente, pois, daquela vez, o assunto em questão era uma maldita foto do domingo anterior, o dia sagrado em que meu marido se reunia com seus amigos para assistir ao futebol. A foto não foi tirada no bar em que eles sempre se reuniam e, além do meu marido, só havia mais uma pessoa na imagem: Margarete. A vadia que sempre se insinuou para o Vágner. A piranha do bairro.
Não acreditei, mas Su foi bem direta comigo:
— Amiga, eu jamais mentiria para você. Quando vi essa imagem no perfil daquela puta, tive que imprimir e trazer para lhe mostrar.
Os dois estavam de mãos dadas, passeando em um parque que eu conhecia tão bem. Foi naquele mesmo local, vinte e quatro anos atrás, que Vágner me pediu em casamento.
Su tentava me consolar, acariciando minhas costas:
— Talvez, seja apenas um engano. Vai ver, o Vágner pode explicar.
Acabei sendo injusta, explodindo com a Su:
— Explicar como? Um homem casado, de mãos dadas com a maior biscate da cidade? A explicação é bem óbvia, sua idiota.
Su me conhece e não se importou com a minha grosseira. Acabei esquecendo das duas outras clientes esperando para serem atendidas. Uma delas, a Maria Eugênia, me olhou muito constrangida. Explodi com ela também:
— Tá encarando por quê? Vai rir da corna? Tá achando engraçado?
Maria Eugênia não era de levar desaforos para casa e me colocou no meu devido lugar:
— Quer saber, Eli? Seu marido não presta. O bairro todo sabe disso. Margarete, Flavinha, Claudete, Cristina … todas elas e mais algumas que não são daqui, vivem saindo com o Vágner. Até pra mim ele já se insinuou …
Destroçada, ainda tentei manter minha compostura:
— Grandes amigas vocês são … me deixando viver uma mentira, incapazes de me contar a verdade.
Com dó de mim, Maria Eugênia me abraçou:
— E como poderíamos contar alguma coisa? Seu marido é policial, vive nos ameaçando. Todos sabem que o Vágner é coisa ruim, corrupto. Acha mesmo que as pessoas correriam o risco, já que a maioria das pessoas acabam culpando quem contou, não quem traiu?
Aos prontos, incapaz de conter as lágrimas, a questionei:
— E criou coragem agora? De uma hora pra outra?
Maria Eugênia estava fula da vida:
— É porque agora ele está mexendo com a minha filha. Minha Carminha é uma moça direita, inocente …
A outra cliente, Bernadete, não conseguiu segurar o riso:
— Moça direita? Aquela lá tá mais falada no bairro do que o próprio Vágner. Abre o olho, Maria Eugênia. Sua filha tá dando mais do que chuchu na parreira.
Maria Eugênia enlouqueceu:
— Tu me respeita, sirigaita. Minha filha é uma moça ainda. Vai se casar lacrada.
Até a Su entrou na onda:
— O lacre dela tá na cabeça da rola do Bentinho. Todo mundo sabe. Aqueles dois matam aula pra foder atrás do colégio, bem no barranco.
Su abriu o celular e mostrou um vídeo para a Maria Eugênia:
— Esse aqui nem é novo. Já tá rodando há uns meses.
No vídeo, apoiada no barranco, de pernas abertas, Carminha era currada por trás pelo Bentinho. Ele estocava fundo no cuzinho da ninfeta.
Carminha é uma loirinha magrinha, esbelta e delicada, muito bonitinha. Branquinha e de sardas no rosto. Já o Bentinho, é um mulato forte, alto e bem formado. A piroca do moleque era avantajada, deslizando fácil naquele cuzinho que a agasalhava com muita facilidade.
Maria Eugênia desmaiou de desgosto. Seu mundinho perfeito, que ela achava estar acima de nós, desabou em segundos. Ela ficou estirada no chão, inconsciente por alguns minutos.
Aquela pornochanchada acabou me fazendo esquecer da dor por alguns minutos, mas logo os pensamentos sombrios voltaram a me torturar. Su parecia ter mais a dizer e eu pressionei:
— Desembucha logo, mulher. Tem mais coisa, né?
Naquele momento, vendo a reação exagerada da Su, sua tentativa de se manter calada, entendi que o que ela tinha a dizer, iria me devastar completamente. Ela ainda tentou se esquivar:
— Amiga, por favor … eu não quero ser a portadora dessa notícia. Não me obrigue.
A segurei pelos braços, muito nervosa, praticamente a sacudindo:
— Fala logo, Su. Começou, agora conta tudo. O que mais aquele desgraçado aprontou?
— O Vágner tem ido, algumas vezes na semana, geralmente à tarde, até a casa dos seus pais. Ele sempre fica uma ou duas horas por lá.
Se ainda sobrava algum chão sobre os meus pés, ele sumiu completamente. Aquela era a traição definitiva, a única incapaz de ser perdoada.
Meus pais, logo que se aposentaram, compraram uma chácara na zona rural da cidade. Eles praticamente moram por lá. Só não venderam a casa na cidade, no nosso bairro, por causa da minha irmã.
Elizabete, minha irmã, é dez anos mais jovem do que eu. Uma cópia minha praticamente, só que com dez anos a menos de rodagem. Bete é linda, é verdade, mas eu jamais poderia imaginar que ela me trairia de forma tão covarde. Sempre fomos unha e carne. Eu daria a minha vida por ela. Temos o mesmo biotipo e se não fosse a diferença de idade, poderíamos facilmente passar por gêmeas univitelinas, pois somos idênticas. O que nos diferencia, são as marcas da idade em mim.
Eu não tinha mais condições de trabalhar naquele dia. Fechei o salão e pedi a todas que me deixassem sozinha. Até a Su eu mandei embora. Eu precisava de tempo para pensar e decidir o que fazer.
Ser traída pelo Vágner já era doloroso, mas nada comparado ao que senti por saber que Bete, minha própria irmã, era uma das amantes daquele crápula. Minha irmã, minha confidente, minha pessoa especial nesse mundo, não teve a mínima consideração comigo. Saber que ela foi capaz de tamanha maldade me despedaçou de uma forma que eu jamais poderia me sentir inteira outra vez.
Mas se tem uma coisa que eu aprendi, foi nunca deixar as pessoas pisarem em mim. Sou vingativa e rancorosa. Toda a alegria da minha gravidez tardia, recém-descoberta, se foi com a revelação das traições do Vágner. Tanto ele, quanto a Bete, mereciam uma lição. Por sorte, eu ainda não tinha contado para ninguém. Eu precisava pensar com calma, sem afobação e encontrar uma maneira de dar o troco.
Eu, quando preciso, me transformo em uma mulher fria e calculista. O divórcio era certo, mas eu não poderia deixar barato. Eu sabia tantos podres do meu marido que uma simples denúncia poderia significar o fim de sua carreira policial. Além de corrupto, ele extorquia bocas de fumo e garotas de programa da região. Até alguns comércios pagavam por sua proteção. Eu sabia quando e onde, só precisava obter provas.
Por ser sua esposa, sempre fui respeitada pelos traficantes do bairro. Eu sabia que eles odiavam o Vagner e se eu soubesse conduzir a situação a meu favor, poderia obter a ajuda de que precisava. Em relação a Bete, eu sabia muito bem o que fazer e, já no dia seguinte, colocaria minha ideia em ação.
Naquela noite, coloquei meu sorriso mais falso no rosto e tratei meu marido do mesmo jeito carinhoso de sempre. Jantamos juntos e até assistimos alguns episódios de uma série policial que adoramos. Deitamos cedo e quando ele tentou iniciar o sexo, eu disse que estava com muita dor nas costas, mentindo que havia feito faxina e ainda ganhei uma massagem caprichada. Após um beijo carinhoso de boa noite, ele apagou em minutos. Já eu, mal preguei os olhos, assombrada pelas revelações daquele dia lamentável e doloroso.
No dia seguinte, após Vágner sair para o trabalho, esperei a hora certa para colocar meus planos em prática.
Bete tem um horário de trabalho peculiar. Ela é garçonete num restaurante de alto padrão. Ela trabalha das dez da manhã às três da tarde e, depois, volta para terminar o turno das dezenove até às vinte e três horas. Com certeza, era nesse intervalo que eles se encontravam.
Antes das três da tarde, eu já estava na casa dos meus pais, escondida debaixo da cama deles. Entrei com a chave reserva que eles me deram para casos de emergência. Com a porta do quarto aberta, eu conseguia ouvir tudo. Poderia até não ser naquele dia, como não foi, mas eu precisava ser paciente e esperar. Uma hora eu pegaria os dois.
Bete continuava mandando mensagens ou telefonando normalmente durante aquele tempo, sem suspeitar que eu já tinha conhecimento de sua traição. Eu a tratava da mesma forma carinhosa, assim como ao Vágner. Mesmo com nojo dele, precisei ser sua esposa e cumprir minhas obrigações sexuais.
No quarto dia daquele ritual deprimente, minha espera acabou. Era óbvio que o meu plano estava correto e eu nem precisei esperar muito, pois, às três e meia da tarde, poucos minutos após a Bete chegar em casa, no tempo exato para que ela tomasse banho, ouvi a voz do Vágner na casa:
— Que saudade de você, putinha safada. Quase duas semanas já, assim eu fico louco.
Bete, me deixando ainda mais surpresa com sua reação, disse:
— Para com isso, sei que a Eli não nega fogo. Ela está velha, mas ainda dá pro gasto.
Vágner não respondeu e ainda se zangou:
— Deixa minha esposa fora disso. Eli é uma mulher maravilhosa, sou eu que não presto.
Debochada, Bete o provocou:
— Se ela é tão maravilhosa, por que veio atrás de mim? Cansou de comer carne de segunda? Veio atrás da novinha?
Ouviu um estampido alto, que pareceu ser um tapa. Vágner falou grosso:
— Cala a boca, piranha. O que tu quer já tá duro, pronto pra te foder. Esquece a porra da Eli. Eu não vou trocar minha esposa por você. Para de sonhar acordada, cachorra.
Ouvi sons abafados, beijos, mais tapas, um gemido alto:
— Devagar, caralho … assim você me machuca.
— Tu não quer tomar o lugar da minha esposa? Ela aguenta o tranco sem reclamar. Meto naquela buceta com força e ela pede mais. Tu tá muito fraquinha, precisa melhorar muito pra ser metade da mulher que ela é.
Corpos se batendo, sons característicos de penetração … saí de baixo da cama sem fazer barulho e coloquei o celular para gravar. Os sons vinham da sala e eu fui caminhando lentamente pelo corredor, me escondendo atrás da parede. Por sorte, eles estavam de costas para mim. Vágner socava impiedosamente, segurando firme nos cabelos da Bete, quase destroncando seu pescoço:
— Isso, puta! Bem submissa, do jeitinho que eu gosto … Tomando sem reclamar … Geme pro seu macho, geme … Empina mais esse rabo.
Vágner metia com força, castigando a buceta da Bete. Ela gemia descontroladamente, alucinada:
— Mete, seu cafajeste … Fode essa buceta. Mete com força … Mete mais e fala menos. Se a Eli fosse tudo o que você fala, tu não estaria buscando fora ... Mete, caralho! Mete igual homem.
Vágner apelou, virando o rosto da Bete para ele e ao invés de beijá-la, cuspiu em sua boca. Ela, tão mau caráter quanto, devolveu a cusparada. Os dois se mereciam. Se fodiam e se maltratavam, numa disputa insana, onde o vencedor só poderia ser o mais nojento.
Eu já tinha provas da traição. Toda a raiva guardada em meu peito começava a ser substituída por indiferença. Como ter consideração por pessoas tão baixas? Pessoas que se ofendiam, que cuspiram uma na outra, que disputavam um jogo sádico de canalhices. Quem eram aquelas duas aberrações que eu acabara de presenciar? Como eu pude amar tanto pessoas que eu sequer conhecia verdadeiramente?
Uma constatação me entristecia: Quando foi que a Bete passou a me odiar tanto? Quando ela começou a desejar o que era meu? O que eu fiz de tão mal para deixá-la assim? A obsessão por viver a minha vida era tão forte a ponto de me copiar em tudo? Até a música que tocava no aparelho de som da sala, “Un-Break My Heart”, canção de Toni Braxton, era a minha preferida. Ela odiava aquela música.
“Un-break my heart
Say you'll love me again
Undo this hurt you caused
When you walked out the door
And walked out of my life
Un-cry these tears
I cried so many nights
Un-break my heart
My heart”
Pela primeira vez, a minha música preferida fazia total sentido para mim. A música, que tantas vezes me emocionou, era exatamente o que eu precisava: curar o meu coração. Mas antes de curar, ele ansiava por vingança. Dizer que me amará de novo? Não, eles não me merecem. Desfazer a dor que me causaram? Impossível. Eles precisam pagar. Limpar as lágrimas? Sim, eles não são dignos da minha dor. E jamais — repeti para mim mesma em pensamento — jamais chorar por muitas noites. Eles não me verão sofrer, pois eu me proíbo de ser fraca.
Desolada, saí pelos fundos, sem muita dificuldade. Eles estavam tão entretidos naquele mundo nojento que criaram, que nem se deram conta de que poderiam ser pegos. Enquanto caminhava para casa, cabisbaixa e tentando entender onde foi que eu errei, eu só conseguia pensar nos meus filhos. Nos dois já criados e também no que começava a se desenvolver no meu útero.
Eu conheço meu corpo muito bem e como já era minha terceira gestação, eu não precisava de testes para ter a certeza. Eu deveria estar com oito ou nove semanas. Os sintomas eram os mesmos das duas anteriores. De qualquer forma, eu precisava começar o pré-natal. Eu iria sozinha, sem que o Vágner soubesse.
O Natal e o Ano Novo já batiam à nossa porta e eles seriam providenciais para os meus planos de vingança. Até aquela gravidez inesperada, mas não menos querida, me ajudariam a dar uma lição no Vágner. Eu iria atingi-lo com força, com uma humilhação proporcional a que ele me fez sofrer.
Já na próxima semana, nossos parentes, dos dois lados, começariam a chegar para as festividades e eu precisava me preparar para a retribuição. Vágner e Bete estavam prestes a sentir na pele o mesmo que fizeram comigo.
Continua ...
Esclarecimento: quero deixar bem claro que o Vágner é inspirado numa figura folclórica, bem conhecida da minha região. Não sou militante ou ativista e tenho plena confiança na integridade dos polícias que diariamente arriscam suas vidas para proteger o próximo.